Política industrial e plano de desenvolvimento

Por Hélio Nogueira da Cruz, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

 Publicado: 02/07/2024
Hélio Nogueira da Cruz – Foto: via Facebook

 

A Nova Política Industrial (NPI), anunciada em janeiro deste ano, é, na sua essência, uma continuidade dos planos anteriores. É muito mais que um plano para a indústria, ao oferecer um quadro que alinha e conecta várias dimensões de um plano de desenvolvimento em geral.

A NPI não propõe um grande salto na estrutura produtiva do Brasil, tendo o BNDES alocado recursos da mesma ordem de magnitude dos anos anteriores. A NPI procura incentivar as atividades ligadas à modernização e expansão do setor produtivo e recuperar defasagens decorrentes do abandono de setores, como a construção naval, que ocorreram desde o Governo Temer.

Note-se que o crescimento na produção e exportações de commodities, desde 2000, tem gerado um quadro favorável de superávit da balança comercial, que significou uma folga de divisas que se mantêm até o primeiro semestre de 2024, e que permitiu melhor equacionamento das relações exteriores, inclusive da dívida externa do País.

Note-se também que o contexto internacional se alterou nas últimas décadas, com o forte crescimento de países asiáticos, como a China, grande compradora de nossas commodities, e o extraordinário avanço nas exportações de numerosos produtos, inclusive de alta sofisticação. O recente recrudescimento de grandes conflitos militares, notadamente da Ucrânia, mostra que a “pax americana” do pós-guerra se esgota e exige-se novo acerto internacional para oferecer fluidez às movimentações de capital e facilitar as transações de mercadorias. O período de fortíssima expansão das transações comerciais e financeiras que ocorreu no pós-guerra está sendo abalado neste contexto de um mundo multipolarizado.

A emergência da pandemia da covid-19 trouxe forte perplexidade e insegurança em todo o planeta e mostrou, mais uma vez, que vivemos em um ambiente sempre sujeito a grandes surpresas e novidades. A necessidade de se contar com uma base produtiva e tecnológica local para atender às ameaças em numerosas áreas, como a de saúde, impõe-se internacionalmente. A questão do meio ambiente, que exige esforços multinacionais para seu enfrentamento, também ganhou destaque com os desafios inadiáveis e de grande envergadura em escala planetária.

Finalmente, os significativos avanços tecnológicos (como a inteligência artificial), provocam alterações profundas na estrutura produtiva dos mercados de praticamente todos os bens e serviços. Seus impactos atuais e as perspectivas futuras sobre os mercados de trabalho, de saúde, de educação, da agricultura e da indústria não podem ser exagerados. A competição científica e tecnológica na área militar também se tornou mais aguda.

As respostas a estes desafios têm sido diferentes entre as regiões e países, mas parece claro que as propostas liberais, que criaram cadeias produtivas planetárias, integração crescente nos elos de comercialização de produtos e dos setores financeiros, parecem estar sendo revisadas em escala internacional. Recente estudo do FMI, The Return of Industrial Policy in Data, elaborado por Simon Evenett, Adam Jakubik, Fernando Martín e Michele Ruta, divulgado em janeiro de 2024, mostra que a prática de políticas industriais, muito assemelhadas às do passado, está bastante difundida e volta a ocupar papel central nas decisões estratégicas no cenário internacional.

Nestas circunstâncias, o Brasil, que ainda não está no “olho do furacão”, excetuando a área do meio ambiente, tem que se posicionar, o que ocorrerá inevitavelmente, de forma intencional ou não. Ou seja, é um momento de grandes decisões no conflituoso contexto internacional.

As políticas da NPI propostas são oportunas e estão na direção correta, mas precisam ser revisadas e atualizadas inclusive para mostrarem-se mais assertivas e arrojadas. Como plano de desenvolvimento, deve ficar claro que o governo prioriza o crescimento econômico, a estabilidade monetária e a integração internacional, comprometendo-se com a melhor distribuição de renda e a autonomia científica e tecnológica e não apenas com o setor industrial.

O mundo mudou bastante nos últimos 70 anos, assim como o Brasil. Estamos num bom momento para se debater e reconstruir uma visão coerente e ambiciosa de longo prazo e realizar projetos e programas compatíveis com nosso papel no cenário das nações.

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