E foi nesse contexto que experienciamos o contato com nobelistas e diversos jovens pesquisadores de todo o mundo. Essa experiência tão única foi um abrir de olhos para uma multitude de novas perspectivas em face da diversidade ali encontrada. Nesse sentido e, diante das discussões levantadas, vimos a necessidade de dar voz (pela milésima vez) a uma inquietação que nos tomou conta — o atual contexto (científico) do País. A fuga de cérebros é uma realidade pelos mais diversos motivos, mas em sua grande maioria devido à baixa valorização da carreira científica ou mesmo o fraquíssimo investimento em ciência, se compararmos nossa realidade à das grandes economias globais.
Dessa forma, os participantes brasileiros do 72º Lindau Nobel Laureate Meeting elaboraram uma carta aberta, não apenas para a comunidade científica, mas também para a sociedade brasileira para, mais uma vez, expressarmos nossa preocupação com esse tema. Ciência, tecnologia e educação são pilares imprescindíveis e fundamentais de qualquer sociedade! Devemos priorizar ações que mantenham esses três setores em perene funcionamento, uma vez que eles fazem parte da base estruturante de uma nação soberana e livre.
Carta aberta à sociedade brasileira e à comunidade científica brasileira
Escrevemos esta carta no contexto do 72º Nobel Laureate Meeting, em Lindau, Alemanha; onde tivemos a honra de representar nosso País. Em meio a algumas das mais brilhantes mentes do mundo científico, fomos inspirados a refletir sobre a situação atual de nossa própria comunidade científica.
Observamos – com preocupação – a persistência de barreiras significativas que dificultam o pleno florescimento de nosso potencial científico no Brasil. Ainda enfrentamos obstáculos estruturais, que se estendem desde o “brain drain“, ou a “fuga de cérebros”, até questões de diversidade, colaboração internacional e, não menos importante, os desafios políticos.
O fenômeno da fuga de cérebros, por exemplo, se apresenta de forma clara em nosso país, com talentos inestimáveis sendo atraídos para fora do Brasil em busca de melhores condições de pesquisa e compensação financeira. Temos orgulho da nossa formação em universidades públicas brasileiras, entretanto, apenas um dentre todos nós mora atualmente no País.
Ademais, a persistência de disparidades na ciência brasileira, principalmente em posições de liderança, é algo que se deve enfatizar. É essencial que trabalhemos para criar ambientes de pesquisa que acolham e valorizem igualmente todos os cientistas, independentemente do gênero, raça e orientação sexual, assim como equiparar as posições de chefia e protagonismo.
Em referência à colaboração internacional, que tem o potencial de aprimorar a qualidade e o impacto de nossas pesquisas, enfrentamos o processo muitas vezes dificultado por barreiras burocráticas e à falta de recursos. Mesmo dentro de nossas próprias fronteiras existe uma disparidade significativa na distribuição de recursos de pesquisa entre as diferentes regiões do Brasil.
A influência indevida da política na alocação de recursos representa um desafio adicional. Diante de uma sociedade polarizada, reiteramos que a ciência deve ser guiada por uma busca objetiva de conhecimento. É crucial que protejamos a integridade de nossa pesquisa da influência da política.
A desigualdade no acesso ao financiamento e os baixos salários para os pesquisadores representam barreiras significativas para o desenvolvimento de uma comunidade científica robusta e diversificada. Nota-se que muitos jovens pesquisadores por vezes desistem de fazer ciência no Brasil pela remuneração baixa em bolsas de dedicação exclusiva.
Convidamos, assim, a comunidade científica, os acadêmicos, os formadores de opinião, a mídia e as lideranças políticas para trabalharmos juntos, a fim de instituirmos políticas de Estado que permitam um maior acesso a fundos de pesquisa, valorizem instituições de pesquisas locais, diminuam a fuga de cérebros e incentivem a colaboração internacional e regional.
Acreditamos que a diversidade é a força motriz da inovação e da criatividade científica. É nossa responsabilidade coletiva garantir que todos os cientistas brasileiros tenham a oportunidade de contribuir plenamente para a expansão de nosso conhecimento coletivo.
Agradecemos antecipadamente pelo apoio e por se juntarem a nós neste debate. Com os melhores cumprimentos,
Carolina Victoria Junho – Universidade de Aachen, Alemanha / ex-aluna da Universidade Federal do ABC (UFABC)
Francisco Isaac Fernandes Gomes – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) / Universidade de Yale
Gustavo Rosa Gameiro – Escola Paulista de Medicina (EPM / Unifesp) e Universidade de Miami / ex-aluno da Faculdade de Medicina da USP
Júlia Teixeira de Castro – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)
Taissa de Matos Kasahara – Universidade de Oslo / aluna egressa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Com apoio de:
Sir Richard J. Roberts, Ph.D., F.R.S. – 1993 Nobel Laureate in Physiology or Medicine
Prof. Johann Deisenhofer, Ph.D. – 1988 Nobel Laureate in Chemistry
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