Desde março de 2020, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico espalhadas pelo Brasil como forma de prevenção à propagação do coronavírus, dados de acordo com o último censo escolar divulgado pelo Inep (2019).
Considerando-se a Rede Estadual de Educação de São Paulo, a maior do País, cerca de 3,8 milhões de estudantes e cerca de 200 mil educadores e educadoras tiveram que rapidamente se adaptar, não somente a um novo estilo de vida frente à necessidade do afastamento social, mas também a ensinar (e aprender) dentro de um novo modelo de educação mediada por tecnologia. Para garantir a oferta de aulas e atividades e, ao mesmo tempo, oferecer em tempo real formação aos seus educadores, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo criou o Centro de Mídias da Educação de São Paulo, em funcionamento até esse momento.
Apesar de todo o suporte, a enorme diversidade de realidades educacionais, sociais e econômicas dentro do Estado é, por si só, um grande desafio mesmo em períodos não emergenciais. A pandemia trouxe um cenário ainda mais desafiador e que precisa ser compreendido de maneira aprofundada, a fim de gerar novos conhecimentos e mapear possibilidades de ações para o presente e para o futuro.
Com essa visão, o dr. Edson Grandisoli, pesquisador colaborador do programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, sob supervisão do prof. dr. Pedro Roberto Jacobi (IEE e IEA-USP), com colaboração do dr. Silvio Marchini (Esalq-USP) e parceria da Reconectta, desenvolveram e aplicaram a pesquisa Educação, docência e a COVID-19, composta de 26 questões (19 fechadas e 7 abertas), disponibilizada a todos os educadores e educadoras da Rede Estadual de Educação de São Paulo.
O objetivo da pesquisa foi, por meio da voz ao ator central do processo educacional, contribuir para a estruturação, planejamento e criação de ações e políticas públicas direcionadas à garantia de oferta ampla, irrestrita e democrática de uma educação de qualidade para todos, considerando-se momentos de emergência ou não.
Por meio dela, acredita-se ter construído o maior e mais completo quadro de como esses profissionais e suas atividades foram impactados pela pandemia, levando em consideração diferentes indicadores afetivos, de saúde mental e pedagógicos, além de trazer uma visão do futuro da atuação docente e da educação pós-pandemia.
O questionário foi disponibilizado aos educadores em um período-chave para coleta das informações desejadas (entre final de maio e início de junho), uma vez que esses já se encontravam em afastamento social, com as atividades docentes presenciais suspensas desde o dia 23 de março, realizando treinamentos via Centro de Mídias e atividades de educação mediada por tecnologia com seus estudantes.
Após 20 dias de pesquisa, foram computadas 19.221 participações, originadas de 544 diferentes municípios paulistas (uma representatividade de 84%). A seguir, apresenta-se os principais resultados analisados até o momento:
Visão geral
• 76,3% dos respondentes se declaram do gênero feminino, 23,4% do gênero masculino e 0,3% não se reconhece em nenhum dos gêneros anteriores.
• Cerca de 70% dos respondentes estão entre 36 e 55 anos de idade. A maior parte dos respondentes atua nos ensinos Fundamental anos finais e Ensino Médio.
Sobre sentimentos e saúde mental na pandemia
• Medo, tristeza, insegurança, ansiedade, angústia e incerteza são os principais sentimentos associados à pandemia (somando 48,1% das respostas).
• Cerca de 53% se consideram muito ou totalmente vulneráveis a contrair o vírus causador da covid-19.
• Apesar dos desafios trazidos pessoal e profissionalmente pela pandemia, 63% afirmam manter boa saúde mental e 72% afirmam não sentir necessidade de apoio especializado.
Sobre atuação docente e o pós-pandemia
• Os sentimentos desafio, aprendizado e inovação correspondem a cerca de 30% dos sentimentos relacionados ao modelo de educação mediada por tecnologia. No geral, 62% dos sentimentos citados foram classificados como positivos quanto ao novo modelo educacional em curso.
• Há predominância da insegurança com relação à atuação nesse novo modelo (cerca de 51% das respostas).
• Apesar disso, 7o% dos respondentes afirmam se sentirem aptos a desempenharem suas funções via educação mediada por tecnologia.
• Cerca de 68% avaliam se sentirem apoiados pelos processos formativos em curso.
• Apesar do quadro positivo relacionado à aptidão e apoio formativo, 85% dos respondentes têm a percepção de que os estudantes aprendem menos ou muito menos via educação mediada por tecnologia.
• Cerca de 80% e 68% afirmam, respectivamente, que sua atuação como docente e a educação em sentido mais amplo vão mudar para melhor no período pós-pandemia.
Apesar dos desafios pessoais e educacionais, o quadro que emergiu da pesquisa mostra um cenário mais positivo e otimista que outras pesquisas relacionadas à atuação docente nos tempos de pandemia.
Existe, entretanto, uma urgência na revisão e adequação do atual modelo de educação mediada por tecnologia por meio de novos formatos que garantam a aprendizagem significativa dos estudantes, bem como permitam que essa trajetória educativa seja avaliada de forma assertiva. Tais pontos, entretanto, dependem não somente da busca por novos formatos tecnológicos, mas de intensa e competente formação dos professores e outros profissionais da educação. Novos e melhorados modelos híbridos de ensino (presencial + remoto) deverão ser capazes de garantir o melhor dos dois mundos para educadores e estudantes e, uma vez implantados de forma competente, colaborarão diretamente na transição para modelos mais remotos em tempos de crise ou não.
Pesquisa, prototipação e testagem de novos modelos e estratégias educacionais de forma participativa, colaborativa e contextualizada, apoiadas por políticas públicas, subsídios, capacitação profissional e garantia de acesso igualitário aos estudantes, são caminhos que se mostram fundamentais para o presente e para o futuro da educação e que emergem de forma ainda mais incisiva graças à pandemia da covid-19.
É preciso reduzir de forma urgente as desigualdades educacionais (que emergem e compactuam de alguma forma com todas as outras formas de exclusão e injustiças sociais) cada vez mais acentuadas e que se agravaram nesse período desafiador. Veremos esse resultado refletido nas principais avaliações oficiais e, muito provavelmente, nos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e dos principais vestibulares quanto ao acesso ao ensino superior nas principais universidades públicas brasileiras. Vale ressaltar que o momento atual pode se configurar em uma onda de desigualdade ao longo dos próximos anos.
Apesar disso, talvez um dos aspectos mais relevantes trazidos à tona pela pesquisa sejam a resiliência, a persistência e o idealismo do educador brasileiro, que se mostra pronto e disposto a desempenhar seu papel com coragem e otimismo, mesmo frente a desafios os quais, muitas vezes, estão fora do seu controle imediato.
Agradecemos em especial o apoio dos representantes da Rede Estadual de Educação de São Paulo, aos professores e professoras participantes e ao prof. dr. Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências da USP e coordenador do Programa USP Cidades Globais.
Acreditamos que esta pesquisa pode colaborar não somente com a rede de educação paulista, mas de todo o Brasil. O documento completo pode ser obtido em e.usp.br/g38