Na época desses legisladores ainda não se concebia com clareza a ideia do que viria a ser democracia. No entanto, começava naquele momento, a grande trajetória dos homens para a construção de um sistema político que se consagraria por suas propostas, objetivando humanizar as relações entre os homens, o estado e a sociedade. Coube ao respeitado poeta Sólon, dar o primeiro grande impulso à ideia de democracia. Em 594 a.C. os atenienses o elegeram arconte (o magistrado da época), com o objetivo de mediar as tensões entre a população e o poder instituído. Sólon era visto pelos políticos e o povo de sua cidade como um homem ponderado, culto, habilidoso e capaz de mediar com sucesso, a desinteligência cada vez mais crescente entre o governo e a sociedade que, da mesma forma que nos dias atuais, nem sempre tinham os mesmos interesses. Suas primeiras medidas foram bem ao encontro do que desejava a população. Acabou com a escravidão por dívidas, e estabeleceu limites contra a grande extensão de terras dos senhores nobres proprietários de verdadeiros latifúndios. Mas não foi só isso. Sólon deixou um sólido estilo de fazer política, e uma filosofia administrativa baseados na ética e na justiça, que seriam seguidos por outros legisladores.
Clístenes, por exemplo, outro importante arconte grego desse período, daria continuidade ao profícuo trabalho de Sólon. Ele implantaria reformas realmente revolucionárias, que mudariam sensivelmente a configuração social e política da península Ática, onde está situada a cidade de Atenas. Os demos, que já existiam desde o século VI a.c. seriam revitalizados em 508 a.C., socialmente aprimorados por este legislador, adquirindo fundamental importância no contexto sociopolítico das reformas executadas. Aliás, convém registrar que somente a partir dessa revitalização podemos considerar implantada propriamente a democracia, mas, claro, ainda de forma embrionária. Isto porque, os novos critérios de organização das regiões de Ática, propiciaram às populações mais modestas, uma das conquistas mais importantes (certamente a maior delas) para o ser humano, ou seja, a sua própria liberdade. Como registram os historiadores, até então não existia uma legislação mais clara e consistente que assegurasse direitos fundamentais a essas populações, apesar do intenso trabalho anterior de Sólon como legislador, um pouco desfigurado por seus adversários políticos após sua saída da magistratura.
Atenas, no entanto, em meio a disputas territoriais e seguidas guerras, teria importante interregno de paz por aproximadamente trinta anos, justamente entre as Guerras Médicas e a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) contra Esparta. É nesse tempo de paz que o grande arconte Péricles empreende outras reformas legais, buscando aperfeiçoar ainda mais a democracia em Atenas e, consequentemente, trazendo maior estabilidade política à sua cidade. Os conflitos entre a população ateniense e a administração seriam sensivelmente amenizados em face das novas leis. Arrisco-me a dizer que, depois do trabalho deste legislador, a justaposição das palavras gregas demo (povo) e kratos (poder), portanto, democracia, “o povo no poder”, ou o “poder do povo”, passaria realmente a ser respeitada por aquelas pessoas que prezavam e sabiam da importância da justiça. Estas ações de Péricles atravessariam o tempo e, mais do que isso, humanizariam consideravelmente as relações sociais. Aperfeiçoava-se então a democracia.
No decorrer do tempo, porém, a própria história do homem nos mostra que este conceito passou e ainda passa por transformações, de acordo com as conveniências do país hegemônico e seu momento histórico. Se analisarmos contemporaneamente o atual quadro da Nova Ordem Mundial, cujo domínio econômico, político e militar pertence aos Estados Unidos (por quanto tempo não se sabe; a China está chegando forte), podemos ver que o legado do saber político deixado pelos filósofos e legisladores gregos (e aqui incluo ainda os romanos), parece ter sido transformado em uma coisa obsoleta ou, quando menos, colocado em segundo plano. Em alguns momentos anacrônico mesmo para nossa época, e que deve resignar-se apenas a constar nos manuais para estudantes das ciências humanas. Assim, esses jovens e futuros atores da política, passam a conhecer muito bem a teoria e os alicerces de onde e como se fundaram as bases do sistema democrático e pronto, basta. A práxis, ou seja, o fazer político, nesse momento divorcia-se da teoria, como se fossem duas realidades opostas, talvez até antagônicas e, portanto, incompatíveis quando, rigorosamente, sabemos que não é assim, que essa disparidade não deveria existir. Interesses escusos, no entanto, fazem ela existir.
E aqui, quero me valer das palavras precisas do filósofo da educação, o brasileiro Paulo Freire, quando em seu livro, Pedagogia da autonomia publicado originalmente em 1996 diz o seguinte: “a teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação.” Como diz o conhecido aforismo popular, “a teoria, na prática é outra”. Pois é, mas não deveria ser assim, este apotegma não me parece muito feliz. Ao contrário, ambas se complementam porque são elementos de uma coisa só. Nas pesquisas científicas da academia, isto tem uma definição muito clara: chama-se elementos básicos da análise metodológica. Portanto, o fazer político, a práxis política, não pode prescindir do binômio teoria/prática. Isto porque, contemporaneamente, é fácil se perceber: a democracia parece mesmo não ter mais a mesma importância, pelo menos para quem tem o poder de realizar mudanças em benefício da sociedade. Não por acaso, pululam em alguns países europeus, asiáticos e latino-americanos, sistemas políticos autoritários que simplesmente seus dirigentes os julgam democráticos. Os Estados Unidos também caminhavam nessa direção, mas o povo americano teve a felicidade e a sensatez de não reeleger Donald Trump por mais quatro anos para seu segundo mandato.
Os ensinamentos e os princípios básicos da Revolução Francesa, Liberdade, Igualdade, Fraternidade (Liberté, Egalité, Fraternité), já não sensibilizam mais os homens detentores do poder. Aliás, para ser mais claro, quero registrar que após cinquenta e um anos do fim da Revolução Francesa, Louis Bonaparte instaurou o Segundo Império em seu país, usando as forças repressivas de que dispunha na época e, consequentemente, debilitando alguns dos princípios e ensinamentos políticos deixados pelos iluministas durante Revolução Francesa. O filósofo alemão Kar Marx, em seu livro, O 18 Brumário de Louis Bonaparte, ironiza a truculência do então presidente da República Francesa fazendo alusão aos princípios da Revolução de 1789. Marx substitui os três princípios, Liberté, Egalité, Fraternité, pelas forças repressivas, Infanterie, Cavalerie, Artilery.
Se um dia esses princípios da Revolução de 1789 foram efetivamente praticados por alguns governantes e isto é crível, é apenas um aspecto de uma questão maior que deve ser melhor estudada. Outro aspecto, pelo menos para nós brasileiros, é termos a certeza de que, na atual conjuntura política do nosso país, liberdade, igualdade e fraternidade hoje são, respectivamente, apenas substantivo, adjetivo e substantivo da nossa gramática e nada mais. Mas, com certeza não somos exceção. Ao acompanharmos os acontecimentos e as decisões políticas, percebemos que os ensinamentos de grandes pensadores humanistas, daqueles homens e mulheres que procuraram e procuram com seu trabalho, dar à humanidade uma vida mais feliz, parecem não ter mais a mesma importância. Entre esses pensadores e estudiosos das relações entre o estado e a sociedade, a obra de duas notáveis pensadoras, Rosa Luxemburgo, filósofa polaco-germânica e Hannah Arendt, também alemã, deixaram preciosas lições de justiça social que foram se esvaindo no decorrer do tempo, justamente pelo desprezo ou mesmo despreparo dos políticos para entenderem as instituições democráticas. Quando Rosa Luxemburgo em seu livro A Acumulação do Capital clama “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, é porque não há felicidade sem esses atributos entre nós. Não precisa ser culto nem entender de política para perceber a importância dos ensinamentos dessas pensadoras para a atual conjuntura política no contexto internacional. Mas não é só isso. Suas obras aguçam nossa criticidade para fazermos uma leitura mais apurada do momento político que estamos vivendo.
No Brasil, por exemplo, basta ver os estragos para a sociedade que têm causado os desmandos, o autoritarismo, a arrogância, a pusilanimidade e a incompetência administrativa do atual chefe do poder Executivo. Enfim, um homem realmente fraco. Um político com esse perfil, desinformado e despreparado para o mais alto cargo público do país, é incapaz de trazer qualquer benefício ao estado e à sociedade, muito menos de trabalhar em prol da justiça social como necessita o povo brasileiro, mas também como em seus escritos as filósofas já citadas sempre desejaram para toda a humanidade. Vivemos em um governo que por duas vezes ameaçou a sociedade brasileira de ressuscitar o funesto AI-5 de 13 de dezembro de 1968. Ora, ora, nada mais ignóbil, nada mais abjeto que pensar nessa possibilidade. Não é um democrata.
Agora, apenas para finalizar os ensinamentos dos pensadores sobre política e democracia, é imprescindível registrar a importância da consagrada obra de Karl Marx (1818-1883), independentemente das questões político-ideológicas que quase sempre vêm à tona quando tratamos dos escritos deste filósofo, de regimes políticos, de manifestações públicas da população e de justiça social. Devemos estar sempre à vontade para discordar ou não, desses escritos. É democrático e temos autonomia para isso. Mas, não há como negar o significado histórico e a importância do seu pensamento. Esta seria uma forma sensata e equilibrada, a meu ver, de assumir uma posição política sobre a obra deste filósofo. Afinal, o contraponto da concordância é a discordância e, portanto, elas são sempre benvindas no momento apropriado. É assim que funciona o exercício democrático. Um dos pressupostos basilares da democracia é justamente o direito à livre manifestação de opiniões. A obra de Karl Marx já foi exaustivamente discutida por estudiosos especializados em economia e política e, portanto, devo apenas destacar que este filósofo é visto por seus pares, como um dos grandes pensadores da justiça social. Não por acaso, Max Weber, Émile Durkheim e o próprio Karl Marx, são os clássicos cuja leitura torna-se imprescindível na grande maioria dos cursos de Ciências Humanas. Ler, entender e discutir a obra de um pensador, seja qual for sua orientação político-ideológica não significa, necessariamente, ser comunista, de direita, de esquerda, reacionário, marxista ou qualquer outra doutrina política. Com certeza, significa, adicionar um conhecimento a mais ao seu repertório. O que não se pode, evidentemente, é tentar desqualificar seu interlocutor rotulando-o de comunista, por exemplo, só porque leu Marx, ou de fascista por ter lido Giovanni Gentile, pensador italiano que se autointitulava “filósofo do fascismo”. O exercício democrático pressupõe, sobretudo, o direito a audiatur et altera pars (ouça-se também a outra parte). Em outros termos, nada menos que ter direito ao contraditório. Agora, ouvir é uma coisa, concordar é outra completamente diferente.
Após a leitura desses filósofos e as apreciações ainda que rápidas feitas até aqui, me levaram a pensar que há um certo descompasso, uma espécie de desalinho muito sutil sobre a convivência do binômio Democracia/Capitalismo. Assim, para melhor intelecção do tema deste artigo, quero agora analisar um exemplo empírico, tendo como substrato teórico o saber dos pensadores aqui mencionados quando falam de justiça social. Para isso, escolhi o Brasil e seus descompassos políticos com a democracia, que já são de domínio público. Antes disso, porém, antecipo-me em dizer que não somos uma exceção, em que pese o fato de o país estar à deriva e cada vez mais se dirigindo para um lugar incerto e não sabido. Isso não é bom. Aliás, é perigoso! Pelo menos formalmente, ainda somos um país onde prevalece um regime democrático e certamente assim continuará. É o que deseja grande parte da população, a despeito das bravatas, das parlapatices de um presidente totalmente despreparado para a magnitude deste cargo. Essa é apenas uma das facetas da incongruidade da democracia brasileira, que passo agora a analisar alguns de seus aspectos relevantes no tocante à justiça social.
No dia 5 de outubro de 1988, celebrava-se no Congresso Nacional, a vigência da nova e atual Constituição da República Federativa do Brasil. Logo depois, passaria a ser considerada no plano internacional, uma das mais bem elaboradas Constituições do ocidente. Já no preâmbulo, o texto é animador, justamente pela síntese do que é o seu conteúdo. Vejamos aqui:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”
De fato, trata-se de um antelóquio muito bem elaborado cujo texto realmente contempla necessidades e valores para a consolidação da justiça social, da harmonia, da liberdade, enfim, de tudo aquilo que diz respeito aos preceitos democráticos e à boa convivência entre Estado e Sociedade. Caberia então, aos poderes constituídos respeitá-los, praticá-los e, sobretudo, dar exemplos de cidadania à sociedade, exatamente como estímulo para que a prática desses valores consolide o plano teórico constante da Carta Magna e isso se reverta em benefício da população brasileira. Mas não é isso o que ocorre, lamentavelmente. Estou seguro de não estar cometendo injustiças quando digo que determinados segmentos das autoridades do alto escalão dos três poderes não levam tão a sério nossa Constituição como deveriam fazê-lo. Até porque, em suas respectivas posses, elas fazem um juramento de seguir e respeitar a Carta Magna. Isto significa, em outros termos, um compromisso constitucional, sem exceção, com toda a sociedade brasileira. Por ser um texto pequeno, mas de excepcional relevância didática, transcrevo aqui as palavras desse juramento: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. O texto de juramento dos senadores é muito semelhante ao que vimos agora e, portanto, transcrevê-lo também seria verbosidade, parolagem, mera facúndia. Caro leitor, insisto em reiterar o seguinte: trata-se de um juramento dos 513 deputados representantes do povo e de 81 senadores que representam os estados da Federação.
No Brasil, vivemos um sistema de Democracia Representativa. Em outros termos, por meio do sufrágio universal, devemos escolher pessoas para os poderes Executivo e Legislativo, que represente a população no Congresso Nacional apresentando propostas, soluções, discussões, enfim, ideias que possam aperfeiçoar cada vez mais a administração do Estado e, por extensão, é claro, melhorar a vida do seu povo. É função precípua dos deputados (eles integram o Poder Legislativo) legislar em benefício da população. Da mesma forma, cabe ao Poder Executivo formado pelo presidente do país, aos governadores de estado e aos prefeitos dos municípios, executar seu plano de governo levando em conta as leis federais, estaduais e municipais, respectivamente, para a melhoria do estado e da sociedade. Pois bem, sabemos que isso efetivamente nem sempre acontece. Nesse contexto, há frequentes conveniências recônditas sobrepondo-se aos interesses coletivos e que muitas vezes passam despercebidos pela população, a principal prejudicada por uma falcatrua sistêmica no Brasil. Enfim, uma inegável agressão a todos nós.
Este tipo de comportamento de considerável parcela dos políticos brasileiros (eles não são exceção), a meu ver, traz seríssimos problemas à nossa democracia. O mais grave, e não o único, é sem dúvida, debilitá-la lentamente e em profundidade, praticando bandalheiras de forma sistemática e alapardada, desamparando a sociedade e o estado, razão primeira de seu cargo como político que deveria, entre outras coisas, zelar pela probidade administrativa. Esta ação espúria ocorre sem exceção, nas esferas federal, estadual e municipal, onde o negro manto da desfaçatez e do cinismo envolve e protege os aproveitadores desonestos e punguistas do dinheiro público que deveria ser investido em benefício da sociedade.
Este é a meu ver, apenas um dos problemas a mais que enfraquecem a democracia em nosso país. Mas, como a indignidade não reconhece fronteiras, a desonestidade com o dinheiro do contribuinte é um problema planetário. Em alguns países a deslealdade é um pouco maior (Brasil), em outros um pouco menor, mas o efeito deletério é inegavelmente igual e globalizou-se. As consequências disso são, a fragilização da democracia, o aumento explosivo dos problemas sociais, da injustiça social, da falta de dinheiro para investir em saúde, educação, segurança, infraestrutura como saneamento básico, por exemplo, estímulo ao mercado de trabalho, combate ao desemprego e ao subemprego, repensar o nosso desumano sistema prisional, entre outras necessidades básicas, aproximando o cidadão que paga seus impostos de uma vida mais digna. Além disso, deve-se pensar, evidentemente, no cidadão morador de rua que vive em alto grau de insalubridade, em condições lastimáveis e de miséria extrema. O estado ampará-lo não significa assistencialismo, muito menos um ato de caridade. Não se trata de esperar por filantropia. O que essa pessoa precisa é unicamente de justiça social.
Uma política de melhor distribuição da riqueza produzida no país, por exemplo, seria de vital importância para minorar problemas dessa ordem. Mas isso é algo completamente fora de cogitação especialmente por parte do atual governo federal. O estado deveria criar condições para que o cidadão se inserisse no grupo da população economicamente ativa e que poderia com sua força de trabalho no setor produtivo, autossustentar-se e ressocializar-se devolvendo-lhe o direito de viver com a dignidade que apregoa a Constituição. Há uma grande ironia e um despautério ainda maior em tudo isso, mas que não pode passar despercebido. O juramento que todos os políticos precisam fazer à Constituição Brasileira para assumirem seus respectivos cargos é uma coisa meramente protocolar. Cumprido esse ritual de posse no Congresso Nacional, a Carta Magna é absolutamente desrespeitada, humilhada, aperreada e tudo fica por isso mesmo. O juramento à Constituição torna-se um ato desimportante. Quiçá mesmo uma peça importunante e desprezível a ser descartada. Ora, se qualquer cidadão pode ser punido por desrespeitar os preceitos da Constituição, então por que os políticos, especialmente o presidente, chefe máximo do Poder Executivo não é punido ao negligenciar, por exemplo, o importantíssimo artigo 3ª da nossa Constituição que trata dos princípios e direitos fundamentais do cidadão? Vejamos quais são:
Artigo 3ª – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pois é, mas nada disso é feito em benefício da sociedade. Este é o momento para lembrar de uma frase de Hannah Arendt que sintetiza com precisão a omissão do estado para com os cidadãos excluídos do processo produtivo. Diz ela, em seu livro Origens do totalitarismo, que “a essência dos Direitos Humanos é o direito de ter direitos”. Posso dizer com segurança e baseado na dura realidade dos fatos, que os cidadãos excluídos não perderam apenas o “direito de ter diretos” como diz muito bem a filósofa alemã. No Brasil eles tiveram também seus direitos surrupiados pela incompetência política e administrativa do Estado. Eles vivem, entre outras coisas, o desalento e a angústia permanente de quem sobrevive à margem da produção e do impedimento de sua sociabilidade. Não por acaso, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística anunciou que em julho de 2021, 14,6% dos brasileiros não tinham emprego, o que corresponde também a 14,8 milhões de trabalhadores desempregados. Isto significa nada menos que duas vezes toda a população do Paraguai, atualmente com 7,3 milhões de habitantes.
O fato evidente mesmo, é que vivemos em um país onde tudo o que foi mencionado acima está por se fazer. Mas, para sanar pelo menos parte desses problemas ainda teremos que esperar. O chefe do poder Executivo que agora ocupa o Palácio da Alvorada, não tem a tão necessária vontade política em fazê-lo. Falta-lhe competência também. Até porque, sua única obra levada a sério mesmo, é o lento definhamento da democracia que ele vem realizando intencionalmente, e que foi reconstruída a partir de 1985, depois de um longo período de governos militares. Para isso, o presidente tem colocado cada vez mais um universo de estrelas ao seu entorno. Mas também se ele tem ou não, essa intenção, nada muda. São tantas as inverdades destiladas aos media por este senhor, tantas as bravatas inconclusivas e incongruentes, tanta logomaquia em seu discurso diário, que o descrédito e sua imagem pífia junto à sociedade crescem em progressão geométrica, enquanto a administração do estado queda-se paralisada. Seu único trabalho reduz-se hoje a querer corroer e destroçar as instituições basilares do estado democrático. Trata-se, sem dúvida, de um predador contumaz cujo comportamento político nos faz lembrar a famosa frase do poeta romano Publius Ovídius Naso (43 a.C. – 18 d.C.), em sua obra Heroides quando disse que “os fins justificam os meios”. Em outros termos, qualquer atitude, ainda que espúria, é válida para se conquistar o poder. A ética política não tem nenhuma importância, não é prioridade para os impostores. Definitivamente, nosso presidente pode ser qualquer coisa, menos um democrata.
Nessas condições, o eleitor deve se manter vigilante por dois motivos: pelo direito de protestar democraticamente, sem violência e contra o autoritarismo, e para escolher muito bem seu candidato à presidência da República em 2022. Nosso voto é a arma mais poderosa em defesa da democracia, não podemos prescindir disso. As insistentes declarações aos media de ameaças de golpe e de agir “fora das quatro linhas da Constituição”, a frase é sua, não podem intimidar a sociedade. Não bastassem as acritudes de suas ações acima citadas, o fato consumado é que seu grau de incompetência política e administrativa, as decisões bizarras, contraditórias, a forma malévola e agressiva com que se dirige à sociedade e aos media, não nos dá nenhuma esperança de dias melhores. Falcatruas abundam em seu governo. São tantas e tão conhecidas do povo brasileiro que é desnecessário mencioná-las aqui. Não gostaria de estar escrevendo dessa forma tão áspera, mas sinto-me compelido a fazê-lo para não ser omisso ou faltar com a verdade ao leitor. Qualquer coisa escrita que não corrobore os fatos acima, porque afinal não os inventei, são incontestavelmente verdadeiros, seria negar a realidade cotidiana do que acontece em nosso país. Não há, por exemplo, necessidade de falar da omissão e do boicote do governo, no tocante ao combate à pandemia. Isto já é de domínio público e, portanto, eu seria repetitivo e cansativo ao leitor.
Entretanto, o que vimos até aqui, com certeza não é tudo. Uma das suas grandes absurdidades, mas praticadas também por outros políticos de caráter duvidoso, é invocar o nome da democracia para realizar suas ações exatamente contra este sistema político e, por extensão, contra o estado democrático de direto e a sociedade. São ações quase sempre para beneficiar interesses de grupos econômicos, financeiros que, de forma clandestina, lesam o estado e financiam campanhas desses políticos. Esses cidadãos simplesmente ludibriam a população do seu país. Aliás, aqui, até por uma questão de justiça, quero registrar que esta prática achincalhante não é nada original. A grande maioria dos políticos incompetentes, oportunistas e sem projeto político para exercer um cargo no poder Executivo usa desse mesmo ardil, dessa mesma artimanha. Em nome da democracia, do livre arbítrio, da defesa dos interesses do estado e da sociedade, este impostor, impudicamente, pratica as maiores atrocidades contra a própria democracia, a população e tenta convencê-la dos benefícios do seu grande ato.
Não, não, caro leitor, praticar o exercício democrático não é aumentar os problemas sociais, não é subtrair direitos constitucionais do seu povo, não é acachapar ainda mais os desvalidos, não é estimular a injustiça social protegendo os donos do capital em detrimento da grande força de trabalho que, afinal, gera a riqueza do país. Não é nada disso, mas é, lamentavelmente, o que temos visto. A verdade é que todos nós esperamos ansiosamente as novas eleições que se avizinham, com a consciência e a responsabilidade de quem realmente deseja a prática do exercício democrático e a prosperidade de um país que não deve apenas ser “Brasil, país do futuro”, como disse Stefan Zweig em seu livro publicado em 1941. Já temos idade e experiência para sermos um país do presente. O que precisamos, isto sim, é aperfeiçoar sempre nossa democracia e preservá-la contra os impostores, vamos ficar atentos, vamos agir politicamente, mas dentro das quatro linhas da Constituição.