A resposta passa por transformar a forma como universidades e pesquisadores compartilham seu trabalho. Isso porque a pesquisa, longe de ser um fim em si mesma, tem o compromisso de ser compartilhada, acessível e relevante para a sociedade.
Esse movimento não é algo espontâneo ou simples e envolve desafios. Mais do que apresentar resultados, é preciso construir pontes reais com os públicos. Isso envolve criar canais de diálogo, desenvolver linguagens acessíveis e adotar estratégias que valorizem tanto a ciência quanto as pessoas que a consomem. É nesse contexto que a Newcastle University – universidade inglesa na qual estive em abril e maio deste ano para uma capacitação profissional – adota o conceito de engajamento com o público (public engagement).
Um novo olhar para o engajamento
Na Newcastle University, o engajamento público é encarado como parte integrante do trabalho acadêmico e vem ganhando espaço, embora ainda seja visto por alguns como uma escolha individual do pesquisador, e não como uma responsabilidade coletiva ou institucional. Pesquisadores são incentivados a dialogar diretamente com os públicos para os quais suas pesquisas são relevantes. É um processo que começa com perguntas simples, mas essenciais: “Quem precisa saber sobre esse trabalho?” ou “Como podemos fazer essa pesquisa chegar a quem ela impacta diretamente?”. Essa abordagem de comunicação dirigida a públicos específicos reflete um princípio fundamental das Relações Públicas, área de estudo e prática profissional da qual a Universidade pode se valer para criar e manter um diálogo contínuo e produtivo com seus diversos públicos.
Um dos grandes diferenciais dessa abordagem é o foco em públicos específicos. A comunicação é moldada de acordo com cada grupo: desde estudantes do ensino médio até organizações comunitárias e gestores públicos. Isso torna a ciência mais acessível, criando uma relação de troca em que a Universidade ouve, responde e aprende com as pessoas.
As possibilidades de engajamento com o público são diversas: desde entrevistas para a imprensa e artigos para mídias tradicionais ou alternativas, até a criação de documentários, podcasts, exposições e espetáculos. Há também iniciativas voltadas ao público da educação básica, como palestras e workshops. Em algumas situações, uma simples e boa conversa se revela uma forma eficaz de compartilhar o conhecimento. Cada projeto de pesquisa exige uma estratégia de comunicação específica, que deve ser tanto planejada quanto flexível. Ter um plano claro é fundamental, mas também é importante estar aberto às oportunidades que surgem ao longo do processo.
De acordo com alguns pesquisadores com os quais conversei, o engajamento público traz benefícios para a carreira acadêmica. Ao se relacionar com o público externo, os pesquisadores não só ampliam a visibilidade de suas pesquisas, mas também podem modificar seus próprios interesses e trajetórias acadêmicas, criando novas possibilidades de colaboração e desenvolvimento. A comunicação, nesse contexto, não se limita à divulgação dos achados da pesquisa, mas também influencia diretamente o percurso profissional dos pesquisadores.
No Brasil, temos uma longa tradição de divulgação científica – iniciativas como a Bolsa de Jornalismo Científico e o programa Comunicar Ciência, da Fapesp, são exemplares nesse sentido – mas o conceito de engajamento público, enquanto prática estruturada, ainda está em construção em muitas instituições. O que a experiência no Reino Unido mostra é que o engajamento com o público tem contribuído para ampliar a relevância das pesquisas e abrir novas possibilidades de colaboração com a sociedade.
Estruturas de apoio e formação
Para que o engajamento público seja eficaz, a Newcastle University oferece suporte institucional robusto. Escritórios especializados ajudam a planejar, implementar e avaliar ações de engajamento, garantindo que os projetos atendam às expectativas tanto dos pesquisadores quanto dos públicos.
Além disso, há um incentivo explícito por meio de editais de financiamento, que frequentemente incluem recursos destinados ao engajamento com o público. Isso abre espaço para que pesquisadores contem com o apoio de profissionais especializados, como jornalistas, designers e educadores, para potencializar o impacto de suas ações e alcançar diferentes públicos de forma mais eficiente.
A formação contínua na comunicação com públicos não-acadêmicos é outro ponto central para fortalecer o engajamento público. A Newcastle University oferece capacitações regulares para que acadêmicos desenvolvam habilidades práticas como o uso estratégico de redes sociais e a organização de eventos. Há ações voltadas para a sensibilização dos pesquisadores para falar em público, em linguagem clara e acessível, interagir com pessoas de fora do meio acadêmico, assim como guias e manuais diversos para aqueles que queiram levar a sua carreira acadêmica nesta direção. A universidade também possui experiências interessantes de maior contato entre pesquisadores e o pessoal técnico-administrativo, por meio dos quais é possível compartilhar conhecimentos e experiências além de suas interações cotidianas e administrativas.
Essas formações não apenas ampliam a capacidade dos pesquisadores de compartilhar suas descobertas de forma acessível, mas também fomentam uma cultura de interação constante com a sociedade. Além disso, ao integrar essas habilidades ao cotidiano acadêmico, a universidade cria um ambiente mais acolhedor para que pesquisadores de diferentes níveis de experiência se sintam aptos a participar ativamente de iniciativas de engajamento.
Outro aspecto fundamental é o reconhecimento do engajamento público como parte integrante da avaliação acadêmica. Embora tenha ganhado espaço nas discussões dentro das universidades, é necessário consolidar o engajamento público como uma prática essencial. Para isso, é preciso que as instituições de ensino superior reconheçam e valorizem sua importância de forma concreta, seja por meio de critérios específicos em processos de promoção ou pela destinação de recursos para projetos voltados ao impacto social. Essa mudança contribui para incentivar os pesquisadores a dialogarem mais amplamente com a sociedade e para alinhar as metas acadêmicas às demandas contemporâneas por transparência e relevância social.
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