Membros do Greenpeace algumas vezes colocaram banners imensos em locais de difícil acesso – nem mesmo o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, saiu imune; acabou atuando em prol da causa climática. Outros grupos intercediam em defesa das baleias: num pequeno barco, posicionavam-se entre o arpão e os animais. Tais ações não têm resultado prático imediato; entretanto, pela ousadia e pelo perigo põem em relevo a importância da causa, de forma que as ações são valoradas: quanto maior o perigo, maior a causa.
Há algum tempo, vários ativistas em países diversos, municiados por algumas organizações, criaram uma nova forma de protesto. O “ataque” a obras de arte consiste em algum tipo de intervenção nas telas: jogar sopa, torta, purê de batatas, colar as mãos nelas (ou junto delas) são algumas possibilidades. Seus alvos: Girassóis e Pessegueiro Rosa em Flor de Van Gogh, Mona Lisa e A Santa Ceia de Leonardo da Vinci, A Carroça de Feno, de John Constable, A Primavera de Sandro Botticelli, um dos quadros da série Les Meules de Claude Monet, entre outras. Só o valor desta última é estimado em 500 milhões de reais, o que impõe sentido às ações, dimensionando-as.
As causas são variadas, e os grupos, diversos. Mas, deve-se dizer, são causas extremamente relevantes. O que se pode dizer da fome? Como questionar os problemas do clima? Por seu turno, os grupos de ativistas não são irresponsáveis; afinal, há que se ressaltar, as obras saem ilesas. Mas um ponto é fundamental: se no caso do Greenpeace a mensuração era o perigo, nesses casos é o seu valor monetário e artístico incomensurável. Acredito que para esses ativistas, no mundo atual, é necessário para dar valor concreto às suas pautas, no caso, bilhões de dólares.
Um caso sintomático é o da organização Just Stop Oil, que entre seus financiadores está Aileen Getty, neta de John Paul Getty, o magnata do petróleo e fundador da Getty Oil Company. Mais do que isso, a família Getty é proprietária de uma das mais importantes coleções de arte dos Estados Unidos – pelo que me parece óbvio que ações dessa magnitude performática são milimetricamente calculadas, e sua aderência nos meios de comunicação é importante; assim põe em destaque as causas da fome, do clima, por exemplo.
O fato, no entanto, de as obras não serem danificadas não pode ser uma licença para algo que, de fato, ultrapassa os limites do bem público ou da propriedade privada. Quando é bem público, o fato de sê-lo não dá direito ao cidadão de dela fruir ou usá-la de qualquer maneira. Por outro lado, um museu particular que investe milhões de dólares para adquirir uma preciosidade não pode ser “atacado” em sua propriedade.
Porém, se a propriedade é privada e de valor e se o bem público pertence a todos, o que poderíamos dizer de nosso clima, de nossa fome e de nossa saúde? Se os “ataques” aos quadros são reprováveis, muito mais grave é o que nos impõem a iniciativa privada não sustentável e o governo irresponsável, pois que, no limite, ambos não cuidam da vida.
* Paulo Martins também é presidente da Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais (ABCD) da USP
Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 12 de novembro de 2022.