Arte, sim! Ativismo, também!

Por Paulo Martins, professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP*

 22/11/2022 - Publicado há 2 anos
Paulo Martins – Foto: Cicero Wandemberg
O ativismo ambiental, desde os anos de 1970, sempre teve como característica ações de protesto que visavam a chamar a atenção do mundo. Não rara vez, os atores colocavam em risco suas vidas como forma de ecoar as pautas defendidas no cerne da imprensa mundial.

Membros do Greenpeace algumas vezes colocaram banners imensos em locais de difícil acesso – nem mesmo o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, saiu imune; acabou atuando em prol da causa climática. Outros grupos intercediam em defesa das baleias: num pequeno barco, posicionavam-se entre o arpão e os animais. Tais ações não têm resultado prático imediato; entretanto, pela ousadia e pelo perigo põem em relevo a importância da causa, de forma que as ações são valoradas: quanto maior o perigo, maior a causa.

Há algum tempo, vários ativistas em países diversos, municiados por algumas organizações, criaram uma nova forma de protesto. O “ataque” a obras de arte consiste em algum tipo de intervenção nas telas: jogar sopa, torta, purê de batatas, colar as mãos nelas (ou junto delas) são algumas possibilidades. Seus alvos: Girassóis e Pessegueiro Rosa em Flor de Van Gogh, Mona Lisa e A Santa Ceia de Leonardo da Vinci, A Carroça de Feno, de John Constable, A Primavera de Sandro Botticelli, um dos quadros da série Les Meules de Claude Monet, entre outras. Só o valor desta última é estimado em 500 milhões de reais, o que impõe sentido às ações, dimensionando-as.

As causas são variadas, e os grupos, diversos. Mas, deve-se dizer, são causas extremamente relevantes. O que se pode dizer da fome? Como questionar os problemas do clima? Por seu turno, os grupos de ativistas não são irresponsáveis; afinal, há que se ressaltar, as obras saem ilesas. Mas um ponto é fundamental: se no caso do Greenpeace a mensuração era o perigo, nesses casos é o seu valor monetário e artístico incomensurável. Acredito que para esses ativistas, no mundo atual, é necessário para dar valor concreto às suas pautas, no caso, bilhões de dólares.

Um caso sintomático é o da organização Just Stop Oil, que entre seus financiadores está Aileen Getty, neta de John Paul Getty, o magnata do petróleo e fundador da Getty Oil Company. Mais do que isso, a família Getty é proprietária de uma das mais importantes coleções de arte dos Estados Unidos – pelo que me parece óbvio que ações dessa magnitude performática são milimetricamente calculadas, e sua aderência nos meios de comunicação é importante; assim põe em destaque as causas da fome, do clima, por exemplo.

O fato, no entanto, de as obras não serem danificadas não pode ser uma licença para algo que, de fato, ultrapassa os limites do bem público ou da propriedade privada. Quando é bem público, o fato de sê-lo não dá direito ao cidadão de dela fruir ou usá-la de qualquer maneira. Por outro lado, um museu particular que investe milhões de dólares para adquirir uma preciosidade não pode ser “atacado” em sua propriedade.

Porém, se a propriedade é privada e de valor e se o bem público pertence a todos, o que poderíamos dizer de nosso clima, de nossa fome e de nossa saúde? Se os “ataques” aos quadros são reprováveis, muito mais grave é o que nos impõem a iniciativa privada não sustentável e o governo irresponsável, pois que, no limite, ambos não cuidam da vida.

* Paulo Martins também é presidente da Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais (ABCD) da USP

Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 12 de novembro de 2022.


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