Comecemos pelo que contém: uma lista de isenções, a sistematização das modalidades de licenciamento e a repetição de regras já existentes, com pouca inovação. Os estados ficam proibidos de exigir licenciamento ambiental de sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto, usinas de reciclagem de resíduos da construção civil e pecuária extensiva, entre outras isenções. Dentre as modalidades de licença está a “Licença por Adesão e Compromisso”, já aplicada em alguns estados, uma modalidade autodeclaratória de eficácia duvidosa.
E o que não está na lei? Muito do que seria necessário para uma lei que se pretende “geral”. Uma das justificativas para uma lei dessa natureza era a unificação de regras estaduais e municipais, tidas como demasiado variadas. Mas o projeto de lei aprovado pelos deputados não estabelece regras gerais. Ao contrário, atribui aos estados e municípios quase toda a regulamentação, inclusive a escolha dos tipos de projetos para os quais se exigirá o estudo de impacto ambiental (EIA), atualmente regulamentado por uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Também não define uma linha de corte ou qualquer critério para evitar a prática do fracionamento de projetos (dividir um projeto pequeno em partes menores) para isentá-los da preparação e aprovação de um EIA ou para que o licenciamento se dê na esfera municipal ao invés da estadual. O texto também desconhece os impactos cumulativos, em particular quando há vários projetos propostos para a mesma área cujos impactos se somam ou interagem, inclusive projetos do mesmo empreendedor.
Parece improvável que a lei, se aprovada pelo Senado, modifique substancialmente a prática em estados onde o licenciamento ambiental é consolidado, como São Paulo. Aqui, o licenciamento de fontes de poluição teve início em 1976, há mais de cem mil fontes licenciadas e não se pratica licenciamento autodeclaratório. Entretanto, na Amazônia, onde a fiscalização é muito mais difícil e o poder político raramente favorece a sustentabilidade, a eventual aprovação do Senado significa aumento significativo do risco de desmatamento, principalmente no entorno de rodovias.
O projeto isenta “manutenção e melhoramento” na faixa de domínio de rodovias existentes e, expressamente, determina o licenciamento por “adesão e compromisso” da “ampliação de capacidade e pavimentação” de rodovias (art. 11). Tal dispositivo significa a liberação do asfaltamento de rodovias já parcialmente implantadas, como a BR-319, de Porto Velho a Manaus, que cruza uma das regiões ainda bem conservadas do bioma. Vários estudos mostram que a influência de rodovias amazônicas em termos de desmatamento e degradação de floresta pode chegar a 50 km de cada lado.
Outra grave ameaça é o “rebaixamento” do papel dos órgãos responsáveis por Unidades de Conservação. Atualmente, o ICMBio e os órgãos estaduais devem se manifestar e autorizar o licenciamento de projetos não apenas dentro dos limites de um parque nacional ou uma reserva biológica, mas também em sua zona de amortecimento. Na nova lei rural, a manifestação desses órgãos passa a ser apenas opinativa, e poderá ser ignorada pelo órgão licenciador. Ora, é justamente a existência de Unidades de Conservação e de terras indígenas que “segura” – ainda que de modo imperfeito – a degradação na Amazônia.
Já a análise de impactos sobre comunidades indígenas fica limitada a terras indígenas com demarcação homologada. Da mesma forma, impactos sobre comunidades quilombolas serão considerados apenas para áreas tituladas.
Por fim, é curioso notar que o texto é intrinsicamente contraditório. As seis diretrizes contidas no artigo 2º (como “a realização da avaliação de impactos ambientais segundo procedimentos técnicos que busquem a sustentabilidade ambiental”) não são seguidas no próprio texto. Assim, o que os legisladores dizem querer evitar – a judicialização –, será uma consequência certa de uma lei que não concilia os interesses de diferentes setores da sociedade e não atende ao primeiro objetivo da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”.
Cabe agora ao Senado limitar o prejuízo, no mínimo eliminando as aberrações.