Alfabetização tecnológica: entendendo o apertar de botões

Por José Roberto Castilho Piqueira, professor da Escola Politécnica da USP

 Publicado: 18/02/2025 às 18:01

Escrever para o Jornal da USP transformou-se, para mim, em uma agradável rotina de procurar assuntos de interesse geral dentro das áreas em que sou capaz de opinar ao menos medianamente.

Entre esses assuntos estão a inteligência artificial (IA) e a aprendizagem de máquina (AM). Embora não seja especialista nesses tópicos, seu uso passou a ser de grande valia no meu dia a dia da engenharia de Sistemas Dinâmicos e Teoria da Informação.

Não há dúvida de que IA e AM passaram a desempenhar importante papel nas diversas áreas de conhecimento e suas capacidades de comunicação e processamento, aliadas às facilidades operacionais, fascinam a todos, propagando usos altamente benéficos, infelizmente, às vezes permeados por armadilhas e golpes desonestos.

Tirar o melhor proveito social do uso honesto dessas ferramentas é preocupação constante dos desenvolvedores e usuários bem intencionados. Essa linha de conduta, entretanto, requer crítica responsável ao pensar nas novas tecnologias, evitando que seu conhecimento fique restrito a grupos minoritários economicamente hegemônicos.

Ao ler A nova idade das trevas, de James Bridle, apesar do título, um certo otimismo emerge, dada a lucidez do autor ao analisar os impactos dos algoritmos no mundo da vida no planeta.

Considerando-se o fato que a instrução tecnológica da população pode ser aprimorada, uma linha de conduta de gestores de educação seria planejar e investir em possíveis estratégias de ensino e aprendizado na área, proporcionando uma alfabetização tecnológica.

Esse processo vai além do incremento de estratégias de ensino de programação, apelo feito constantemente por políticos e lideranças empresariais, visando futuros empregos para os educandos.

Embora seja um bom começo para a alfabetização tecnológica, aprender apenas programação proporciona visão limitada do processo de informatização do mundo, que envolve complexas interações entre novos sistemas e desenvolvimento constante nos âmbitos econômico, científico e da saúde privada e pública.

Caso a alfabetização tecnológica seja meramente funcional, perder-se-á o senso de crítica. Os sistemas com os quais convivemos diariamente, dada sua complexidade, parecem-nos opacos em sua montagem e descrição.

Assim, questões fundamentais relativas a seu uso como desigualdade, populismo, violência e fundamentalismo perdem-se em um emaranhado incompreensível de nuvens e redes capazes de mascarar verdades e induzir comportamentos.

Estar em rede ou na nuvem não se resume a acessar as facilidades de serviços e de provedores. As redes incluem as pessoas, seus pertences (internet of things – IoT) e, principalmente, outras inteligências não humanas e naturais, em um vasto conjunto de interações. Essa meta-rede requer preservação e conhecê-la faz parte da alfabetização a ser buscada.

Falando em nuvem, é metáfora interessante que começou nas pranchetas dos engenheiros que desenhavam, ao lado de seus croquis e plantas, pequenos balões com lembretes escritos dentro deles.

Há uma ideia coletiva de que a armazenar nossos dados na nuvem proporciona economia e segurança para nosso trabalho. Isso não deixa de ser correto, mas é apenas uma verdade parcial.

Deixar dados na nuvem pode trazer questões relativas à privacidade, podendo, em alguns casos, comprometer segurança pessoal e integridade dos dados. Nuvens não são seres exotéricos, feitos de vapor d´água e ondas de rádio que guardam informação sem riscos.

São imensos data centers contendo processadores de alto desempenho, dispositivos com grande capacidade de armazenamento, aliados a redes de comunicação envolvendo cabos, fibras óticas, transmissores e receptores para enlaces de rádio. Tudo isso é operado às custas de um grande dispêndio de energia, proveniente de diversos tipos de fontes.

Esses recursos são propriedade de poderosos conglomerados empresariais que, de maneira geral, prestam bons serviços. Entretanto, para o alfabetizado digital, várias questões podem emergir: o preço por bit armazenado é justo? A privacidade está garantida? A energia utilizada é fornecida por alguma concessionária que, supostamente, atende a população como um todo?

O problema de fornecimento de energia para os data centers é de tal amplitude que seus principais proprietários passaram a trabalhar pensando na própria geração de energia para sua operação.

No Brasil, há abundância de energia solar e eólica que poderiam ser os carros-chefes desses centros, deixando a rede de distribuição já estabelecida para a população em geral, cada vez mais carente de bons serviços de energia para uso doméstico e sofrendo de constantes apagões.

Em outros lugares do mundo, alguns data centers já estão usando os reatores nucleares de pequeno porte que proporcionam grande autonomia de uso e ocupam pouco espaço.

Há, entretanto, algumas questões relevantes a serem resolvidas caso esse tipo de solução seja adotada: os reatores são seguros? De onde provém o combustível nuclear e o como os rejeitos serão tratados?

Volto então ao ponto chave: educação digital não se resume a ensinar jovens a apertar botões e a programar em Phyton (linguagem de programação de alto nível). Um conhecimento mais amplo das implicações científicas, tecnológicas, econômicas e, principalmente, sociais é necessário para que o planeta não fique à mercê da soberba e da ganância.

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