No governo federal, a reforma na administração é a lição de casa a ser feita

Por Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

 26/09/2023 - Publicado há 1 ano

Perguntaram, certa vez, a Demóstenes, o maior orador da Antiguidade: “qual a principal virtude do orador”? Respondeu: “ação”. E depois? Repetiu: “ação”. Sabia ele que essa virtude, própria dos atores, era mais nobre que a eloquência. Por quê? Ora, a ação é a locomotiva do planeta. É quem puxa os carros do trem. Mais ação, governantes. Este é o clamor das massas.

Possivelmente tenha sido esse o motivo pelo qual o presidente Luiz Inácio não foi ao Rio Grande do Sul prestar solidariedade às famílias das vítimas das chuvas. Teria decidido que, antes, iria esperar pelos resultados do pacote financeiro que liberou para ajudar municípios e populações atingidas por inundações. Lula driblou bem a crítica da mídia.

O presidente não foi ao Rio Grande do Sul prestar solidariedade às famílias que padecem das inundações, por estar esperando ação, resultados do pacote de recursos que destinou aos municípios gaúchos devastados. Ele sabe que, sem mostrar a ação do governo, grana nenhuma conseguirá convencer os assolados. Mas, a caneta que libera verbas é a mesma que assina a inércia da administração. Vamos à análise.

Começo lembrando que o Poder Executivo não tem um ministério, mas um maxistério (com perdão dos leitores pelo neologismo). A intenção, aqui, é mostrar que o governo optou pelo maxi, não pelo mini. Afinal, são 38 pastas ministeriais, sendo 31 ministérios, três secretarias e quatro órgãos equivalentes a ministérios. Afora, os quase 30 mil cargos e funções de confiança, no primeiro e segundo escalão, e os comissionados nas empresas estatais, fundações e agências reguladoras. Uma gigantesca máquina administrativa. De tamanho paquidérmico.

Por isso mesmo, na primeira grande reunião de seu maxistério, Luiz Inácio pediu aos ministros mais ação e menos discurso, mais integração e menos divergência, criatividade e menos queixas. E até chegou a definir o modelo de governo: tudo será centralizado pelo ministro Rui Costa, da Casa Civil. Ou seja, bate de frente no modelo de gestão capenga que domina a administração pública federal e que ele próprio ajuda a entortar com a ampliação exagerada de ministérios e secretarias especiais.

É sabido que o resultado que o Brasil pode alcançar, sem precisar de emendas constitucionais, cooptação de parlamentares, negociações com partidos, está na área da gestão, que carece de reforma nos métodos e no sistema de decisões administrativas. O diagnóstico é conhecido: vemos, hoje, um desequilíbrio entre a hiperatividade decisória e a eficiência de operação da burocracia governamental. Uma ordem do presidente acaba esbarrando nos chamados canais burocráticos.

O fato é que atrasos no cumprimento de decisões, pouca motivação e disposição de burocratas, falta de sinergia, interpenetração de competências e ausência de controles convergem para estabelecer as bases do desperdício e da irresponsabilidade, cujas consequências entram pelo ralo do conhecido e mal afamado “risco Brasil”.

Depois desses nove meses de governo, a reforma na administração é a lição de casa a ser feita. Se a máquina for lubrificada, mais ágil e menos perdulária, o Governo aumentará sua credibilidade junto à sociedade, garantindo um impacto que outras reformas, como as da previdência e tributária, só alcançarão no longo prazo. Os primeiros fortes impactos da reforma tributária, em processo final de debate no Congresso, só aparecerão apenas em 2029, como lembra Germano Rigotto, ex-governador do Rio Grande do Sul, a este escriba.

A crise de governabilidade, tão proclamada quando dela se faz uso para justificar a necessidade de se promover o ajuste fiscal e tributário, tem um forte componente na esfera da execução das políticas públicas, na incapacidade de fazer valer as leis e no descumprimento das decisões mais altas. A herança patrimonialista do Estado brasileiro e o sentido cartorial que inspira padrões burocráticos encontram eco na alma dos burocratas e apadrinhados, representantes que confundem espaços públicos com territórios privados.

Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara, espera que Lula continue a ceder espaço ao Centrão, cumprindo a promessa de entregar ao leão faminto a Caixa Econômica Federal, com as 12 vice-presidências incluídas, portanto, de porteira fechada, além da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), com seu naco de R$ 3,4 bilhões. Que naco, hein?

Sob esse quadro desalentador, não há como estabelecer controles adequados para fiscalizar a aplicação de recursos e menos ainda garantir a continuidade de programas administrativos considerados bons. Ao custo da falta de controles, somam-se os custos da descontinuidade, do desperdício, das viagens, do tráfico de influência, da improbidade administrativa, do atendimento paroquial de ministros.

O tamanho da máquina governamental é um exemplo acabado da improvisação com que se trata a coisa pública no País. Trata-se de uma gigantesca estrutura, com cabeça desproporcional a um corpo debilitado. Mais se assemelha a Proteus, o deus marinho, que tinha forma extravagante, associado ao homem-elefante, com sua cabeçorra. O modelo de gestão parece inadequado a um ciclo que recomenda racionalização, enxugamento, síntese e convergência. O compadrio político carrega mazelas da cultura da administração e sentimento de posse do espaço público pelos “donos dos pedaços”.

Lula foi eleito, mais uma vez, por expressar a esperança do povo de levar a pedra nos ombros até o cimo da montanha. Conseguirá?

P.S. Que as dores no quadril não impeçam a caminhada do presidente.

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