Você sabe quem é responsável pelo feminicídio?

Por Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 12/05/2023 - Publicado há 2 anos

Você sabe quem é responsável pelo assassinato de mulheres (feminicídio) em São Paulo? Você tem ideia de quem comete estupros, sobretudo em meninas com menos de 12 anos? Se estiver em perigo, a quem uma mulher deve recorrer?

Estas questões me levaram a buscar uma resposta, e o que encontrei são as inomináveis explicações nas falas de Sonaira Fernandes, secretária para as Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo. Sonaira afirma que: “O feminismo é o grande genocida do nosso tempo”; “Essa ideologia imunda mata mais que guerras e doenças”; “Só uma pessoa cega para a verdade não enxerga isso”.

Não bastasse essa total ignorância histórica e má-fé, a funcionária-secretária Sonaira acaba de viajar a Genebra, na Suíça, para participar de um evento sobre o papel da religião nos governos em todo o mundo. Ela vai acompanhada de dois assessores, pagos com 135,9 mil pelo governo de Tarcisio de Freitas, para o congresso sobre “política e religião”, Uniting our Nations and Reconciling. Esse evento é organizado pelo pastor argentino Luciano Bongarrá, “que defende a presença de cristãos em governos para compartilhar a mensagem transformadora de Jesus Cristo”. Sonaira estará no exterior para participar do evento patrocinado pelo Ministério Parlamento e Fé.

Como ela vai relatar “as políticas públicas do Estado, que têm como pilares a prevenção e o combate à violência doméstica, a saúde da mulher e o empreendedorismo feminino”, nós feministas gostaríamos de saber o que ela tem para apresentar. Sonaira é discípula e seguidora de Damares Alves, que apoia esse evento do qual já participou em 2018. Damares, quando ministra da Mulher e da Família, no governo anterior, além de nada ter feito no campo dos direitos das mulheres, extinguiu conselhos e só alimentou a piada do menino veste azul e a menina rosa. A ex-ministra conseguiu até reduzir o excelente serviço telefônico 180 que atendia mulheres no Brasil e no exterior. Dados já no início de 2023 mostram como o desprezo pela política de gênero elevou o número de feminicídios, estupros, mortes de gestantes, mortes por abortos malfeitos, além de tentar impedir até os casos em que crianças, gestantes por estupro, tivessem a interrupção legal da gravidez impedida. Para Damares e Sonaira, pouco importava que as meninas interrompessem o estudo, tivessem a vida marcada pela violência e o futuro destruído.

Ao demonizar as feministas, Sonaira ignora que ela mesma só ocupa esse cargo, que foi criado pelo governo democrático de Montoro – que também criou a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em 1985 -, graças a demandas do movimento feminista. A violência contra a mulher ficava oculta nas famílias, época em que a casa era tida como espaço privado onde tudo podia ocorrer: incesto, estupro, violência, feminicídio, cárcere privado, tortura, e a Justiça não podia entrar.

Foi um longo e difícil esforço do movimento feminista abrir essas portas e deixar o ar dos direitos humanos entrar nos lares e mostrar que a mulher não era propriedade privada do homem, fosse ele seu companheiro, marido, pai ou até irmão. As DDM passaram a ser um instrumento que podia conter ou pelo menos interromper a violência. Apesar de todas as limitações, essas delegacias foram um instrumento fundamental que pode e deve ser cada vez mais aperfeiçoado. Depois de 36 anos da fundação da 1ª DDM, temos no Estado de São Paulo 140 Delegacias de Defesa da Mulher, das quais apenas 11 unidades funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. As DDMs exercem papel fundamental na segurança das cidadãs paulistas e até mesmo de outros Estados e países. Há uma demanda urgente das profissionais das DDMs para que se implantem atendimentos psicológicos, assistentes sociais, e qualificação de todas e os profissionais.

Sugiro ao governante de São Paulo que faça uso do imenso avanço da ciência disponível em nosso Estado e utilize, por exemplo, a inteligência artificial como uma aliada das delegacias no dimensionamento dos casos. É urgente também que o novo secretário da Educação atualize a estrutura do ensino, socializando as crianças e mostrando que todos são iguais independentemente de suas condições de gênero.

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