O governador Cláudio Castro se reelegeu no primeiro turno no Rio de Janeiro com 59% dos votos, bem à frente de seu oponente, Marcelo Freixo, opção de 27% dos eleitores. Não é um resultado qualquer, mas um sinal de que algo está dando errado. Não adianta tapar o sol com a peneira. As urnas apontam a naturalização da barbárie, o retrocesso civilizacional, a derrota da política.
A história recente do governo no Rio é um show de horrores. Nos últimos dois anos, três das cinco maiores chacinas da história do Estado foram praticadas por policiais em favelas. Morreram 69 pessoas em apenas três incursões oficiais. Em vez de embaraço ou reação das instituições, o governador usou os massacres para ganhar votos, reforçando seu discurso em defesa da guerra velada contra a própria população.
A apologia a uma polícia descontrolada ocorre em um Estado em que grande parte dos territórios já está sob controle de grupos criminosos armados, ligados a milicianos ou a traficantes, que cresceram sob os olhos de vidro de uma polícia que aprendeu a lucrar com seus homicídios. O homem de confiança do governo na segurança, delegado Allan Turnowski, foi preso em agosto, investigado por envolvimento com o jogo do bicho, acusado de participar de planos que incluíam matar um bicheiro e fazer dossiês contra adversários políticos.
Os aliados de Castro na política, aliás, são um capítulo à parte. O candidato a vice-governador da chapa, Washington Reis, precisou renunciar em setembro por causa da Lei da Ficha Limpa. Ex-prefeito de Duque de Caxias, uma cidade sob forte influência de milicianos, Reis se notabilizou na pandemia por manter os templos da cidade abertos dizendo que a cura viria das igrejas. A lista dos desmandos é imensa. Daria para citar as denúncias de desvios de verba para a saúde durante a pandemia ou a criação de milhares de cargos secretos, com nome de funcionários que não apareciam no Diário Oficial, em um Estado que já tem cinco ex-governadores presos.
É como se o eleitor aprovasse um novo modelo de poder e de governança, em que as autoridades não precisam estar compromissadas com a legalidade, impessoalidade, racionalidade e inteligência na definição das políticas públicas. Basta ao governo defender os interesses políticos e econômicos dos aliados, com os quais os eleitores se identificam. É como se escolhessem um governador para se tornar o chefe da mais poderosa facção fluminense, a que comanda as polícias e organiza os interesses dos diversos grupos mafiosos armados que já controlam os negócios e os territórios no Estado.
Uma distopia que enxerga a defesa do Estado de Direito como um entrave, em que aliados e adversários são definidos pela disposição em manter a fidelidade ao bando, cuja missão é ampliar o poder político e econômico, mesmo quando esse avanço ocorre com uso da violência, em contraposição ao interesse coletivo, como ocorre nas milícias.
Essa ideologia miliciana, em defesa de uma ordem criminal, chegou à Presidência da República por Jair Bolsonaro. Em Brasília, desestruturou a fiscalização ambiental e promoveu o crescimento descontrolado da venda de armas. As medidas destroem a floresta e beneficiam a desordem, os crimes dos garimpeiros, grileiros e vendedores de madeira. Uma distopia que enxerga o Estado como uma facção poderosa, que compra deputados com orçamento secreto e os eleitores, distribuindo dinheiro às vésperas de eleição, com o objetivo de acumular mais dinheiro e poder. É esse o único projeto político do grupo.
O bolsonarismo e sua sanha em destruir instituições acaba de pegar a Via Dutra. Segue em alta velocidade rumo a São Paulo. Seu candidato, Tarcísio de Freitas, pilota o carro, trazendo na bagagem a distopia que ajudou a fragilizar o estado fluminense e corrói as instituições brasileiras. São Paulo pode atuar como resistência, na defesa de valores republicanos e democráticos. Desde Franco Montoro, passando por Mário Covas e Geraldo Alckmin, São Paulo conseguiu preservar o espírito republicano de suas instituições, bastão que pode ser passado ao candidato Fernando Haddad, compromissado com os mesmos valores. Mas talvez os paulistas queiram experimentar o bolsonarismo, seguindo, barranco abaixo, o mesmo caminho dos eleitores do Rio de Janeiro.