Diagnósticos para a COP30: relatório da Organização Meteorológica Mundial

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 15/05/2024 - Publicado há 6 meses

A mudança climática tem evidenciado sua capacidade destrutiva neste último ano. Nos restringindo aos casos ocorridos no Brasil, os eventos climáticos extremos provocaram, no final de 2023, uma das mais graves secas na região Norte e os recordes de queimadas no Pantanal; as ondas de calor têm se repetido na região Sudeste nos primeiros meses de 2024; as perdas na agricultura, geradas pela irregularidade das chuvas e pelas altas temperaturas, alcançam as mais diversas regiões do País; e, agora nas últimas semanas, as intensas chuvas no Rio Grande do Sul provocaram a maior inundação já registrada em diversas cidades gaúchas, produzindo perdas incalculáveis para a região.

Esses eventos reiteram a importância da realização da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente) na cidade de Belém do Pará, em novembro de 2025. Como já destacamos em outra oportunidade, ao sediar a COP30, o mais relevante evento mundial sobre o meio ambiente, e defendendo uma bandeira de preservação ambiental e combate às mudanças climáticas, o Brasil pode almejar uma posição de destaque no cenário internacional e, mais importante, liderar uma política concreta e radical para a promoção de um futuro sustentável.

Tendo em vista a central pauta ambiental para o mundo e a relevante oportunidade existente para o Brasil, pretendo me valer desta coluna do Jornal da USP para percorrer alguns dos relevantes relatórios científicos sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas, destacando seus diagnósticos e contribuições.

Iniciamos essa série com o recente estudo apresentado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), entidade porta-voz do sistema das Nações Unidas que avalia a evolução dos indicadores da atmosfera e de sua relação com o clima, a Terra e os oceanos. Em março de 2024, a OMM lançou o relatório State of the global climate 2023, confirmando que o ano de 2023 bateu recordes em registros nos principais indicadores climáticos.

A professora Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, inicia o relatório com o seguinte destaque: “A crise climática é o desafio definidor que a humanidade enfrenta”. Reiterando os consecutivos avisos de cientistas e de relatórios ambientais, a Secretaria Geral defende que as condições extremas do clima têm exacerbado as crises humanitárias, exigindo urgência nas ações em defesa do clima.

O relatório apresenta, nesse sentido, um diagnóstico sobre a evolução dos gases de efeito estufa, da temperatura do planeta, das condições ambientais dos oceanos e da evolução das áreas polares. Ao destacar o cenário de crise climática, o relatório destaca também o aprofundamento dos eventos extremos e aponta para os impactos socioeconômicos derivados do comportamento do clima.

Quanto ao aquecimento do planeta, 2023 foi o ano mais quente dentre os 174 anos da série histórica, com valores acima da média (entre 1991-2020) em praticamente todas as áreas terrestres do globo. O ano reforça, assim, a tendência da última década, a mais quente entre todas as décadas, em que os últimos nove anos estão entre as maiores temperaturas já registradas na série histórica. Portanto, ainda que 2023 possa ter sido um ano em que as máximas de calor foram resultado de fenômenos naturais como o El Niño, o recorde também expressa uma preocupante trajetória de aquecimento do planeta, aprofundada nos últimos anos.

Os dados sobre os oceanos não são menos inquietantes. Cobrindo 70% da área do planeta, os oceanos são responsáveis pela absorção de calor e de CO2 produzidos pela atmosfera. Seguindo a tendência de aquecimento do planeta, 2023 foi também o ano mais quente dos oceanos, entre os 65 anos de existentes de observação. Associado à elevação da temperatura, também se registrou a elevação do nível dos mares, sendo que a taxa de elevação entre 2014-2023 dobrou com relação àquela registrada entre 1993-2002. Nesse sentido, as mudanças não somente mantêm sua trajetória, como se intensificam. Outra consequência a ser destacada é a crescente acidificação dos oceanos. Como resultado da absorção das emissões de dióxido de carbono, a queda do pH dos oceanos produz a degradação dos habitats marinhos, com impactos diretos na biodiversidade e nas pescas.

O aquecimento tem produzido outro visível processo, a perda da cobertura de gelo das áreas polares, mas também da cobertura de neve nas áreas temperadas. A área de gelo marinho da Antártida teve uma redução equivalente ao Estado do Amazonas em 2023, resultando na menor extensão no continente em sua história. As temporadas de derretimento das áreas polares, como também das coberturas de neve, estão se tornando mais extensas.

O cenário pouco promissor dos indicadores climáticos se materializa em eventos climáticos extremos como ciclones, inundações, ondas de calor, incêndios e secas, com impactos sociais e econômicos, especialmente para as populações mais vulneráveis. O relatório percorre exemplos de recentes eventos climáticos extremos nas mais diversas regiões do mundo, destacando as consequências de ampliação da insegurança alimentar – que duplicou depois da crise do coronavírus – e dos deslocamentos de refugiados ambientais.

A única notícia mais positiva do relatório se resume aos avanços, ainda limitados, de um processo de transição energética. Reconhecendo os avanços nos investimentos em energias renováveis, como pactuado na COP28 em 2022, a verdade é que esses esforços ainda não apontam para um efetivo processo de descarbonização da economia mundial.

Em suma, o relatório da Organização Meteorológica Mundial confirma, por meio da sistematização do ano de 2023, o desafiador cenário ambiental que enfrentaremos nas próximas décadas. Oferecendo um cuidadoso diagnóstico, um balanço sobre a evolução desses centrais indicadores ambientais, o relatório não apresenta recomendações de medidas necessárias para intervir na atual trajetória de aquecimento do planeta. Mas não nos deixa dúvidas de que medidas são urgentes.
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