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Neuromodulação pode ajudar na avaliação de atletas de esportes de colisão
Jogadoras de Rugby Sevens participaram de estudo da USP sobre atividade cerebral após períodos prolongados de estresse e repetidos impactos na cabeça
Redação*
Arte: Simone Gomes
No estudo, a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição foi usada para a avaliação da atividade elétrica cortical, mas também há indicações de que a técnica poderia ser uma forma de mitigar os efeitos negativos dos impactos
Estudo contou com a participação de atletas de Rugby Sevens – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil – Wikimedia
Em esportes de contato como o rugby, o futebol americano, o futebol e o futsal, é comum que os atletas sofram colisões enquanto competem, inclusive impactos na região da cabeça ou em outras áreas do corpo que causam movimento brusco do encéfalo no crânio. As lesões ocasionadas por esse tipo de choque repetido nem sempre apresentam sintomas visíveis de forma imediata ou em curto prazo, mas, em longo prazo, podem causar consequências sérias em alguns atletas.
Uma pesquisa com jogadoras de elite do Rugby Sevens investiga como a participação em treinamento e competições que se caracterizam por frequentes e repetidas colisões podem afetar o funcionamento cerebral ao longo de uma temporada competitiva. O trabalho tem autoria de Vinicius Godoi Fernandes, sob orientação de Alexandre Moreira.
As atletas realizavam uma tarefa cognitiva enquanto os sinais de eletroencefalograma (EEG) eram registrados; posteriormente, eram submetidas à Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição (ETCC-HD), uma técnica de neuromodulação, e novamente realizavam a tarefa cognitiva. Ao final do estudo, o pesquisador observou que, com o avanço dos treinos e competições, houve uma diminuição na resposta da atividade cerebral durante a tarefa cognitiva após a aplicação da ETCC-HD. Além disso, a atividade do córtex cerebral se mostrou mais lenta, uma possível consequência dos impactos repetidos de cabeça.
O estudo resultou na tese de doutorado de Fernandes, realizado na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.


Coleta de dados com as Yaras do Rugby
O experimento foi realizado com 21 jogadoras profissionais de Rugby Sevens, uma modalidade que é praticada com equipes de sete jogadoras. As atletas eram da Seleção Brasileira de Rugby, conhecida como Yaras, das categorias sub-20 e adulta. Entre os critérios para participar do estudo estavam: competir em nível estadual, nacional ou internacional; estar treinando regularmente nos últimos seis meses; ser neurologicamente saudável; e não apresentar contraindicações conhecidas para o uso de neuromodulação.
Cada jogadora participou individualmente de três sessões no Neurosports Lab da EEFE, duas antes do início das competições e uma após, com cinco meses de diferença. A primeira sessão tinha o intuito de familiarizar as atletas com os métodos utilizados no estudo.
Na segunda sessão, as voluntárias passaram pelo procedimento que incluía a tarefa cognitiva, registro dos sinais de EEG, e aplicação da neuromodulação. Para a coleta, as atletas foram divididas em dois grupos: um recebeu a ETCC-HD ativa e o outro uma simulação (sham), que funcionava como placebo. Participantes e pesquisador não sabiam qual tipo estava sendo aplicado.


Como forma de estimular a atividade cerebral para observá-la, as jogadoras foram instruídas a pressionar um dos quatro botões coloridos (A, D, J ou L) no teclado, correspondendo às cores amarelo, azul, verde e vermelho, respectivamente. A resposta correta é o botão que corresponde à cor de preenchimento da palavra na tela.
A tarefa neste experimento envolve a identificação de palavras relacionadas à cor que poderiam aparecer em condições congruentes ou incongruentes com a cor da fonte. Com relação às condições congruentes, a palavra escrita combina com a cor utilizada (ex: a palavra “verde” aparece escrita na cor verde). Para as condições incongruentes, havia discrepância entre a palavra e a cor (ex.: a palavra “amarelo” aparecia escrita na cor verde). Enquanto realizavam a tarefa, os sinais de EEG eram registrados e posteriormente era analisada a dinâmica das ondas cerebrais das atletas.

A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua em Alta Definição foi aplicada durante 20 minutos. Para realizar essa técnica e a eletroencefalografia, as jogadoras usaram uma touca com eletrodos acoplados. A última sessão, feita cinco meses após as duas primeiras, seguiu exatamente o mesmo protocolo.
A área modulada foi a região do córtex pré-frontal dorsolateral, com a estimulação anódica sobre o hemisfério esquerdo. Segundo o pesquisador, a escolha dessa região se deve à sua influência nas funções executivas, incluindo o controle inibitório, memória operacional (de trabalho) e flexibilidade cognitiva, sendo essencial para várias funções como tomada de decisão, controle executivo e regulação emocional. “A ativação dessa região contribui para o planejamento, raciocínio lógico e memória de trabalho, podendo ainda regular o estresse e a pressão enfrentados pelos atletas em competições intensas”, afirma.
Os testes feitos após cinco meses do início da temporada de competições e treinos mostraram mudanças significativas no comportamento cerebral das jogadoras. Houve uma diminuição da responsividade da atividade cortical à neuromodulação, assim como o aumento da atividade das frequências lentas e a diminuição da atividade das frequências rápidas do córtex cerebral.
Vinícius Fernandes explica que essas alterações podem estar relacionadas às colisões e impactos repetidos de cabeça, alterando a atividade neuronal. “Alterações como uma resposta reduzida à neuromodulação e a lentificação da atividade cerebral podem indicar, por exemplo, fadiga cognitiva, um reflexo de sobrecarga cerebral devido a períodos prolongados de estresse e/ou impactos repetidos.”
“Além disso, podem ser indícios de comprometimento neurológico, com danos acumulados afetando funções cognitivas críticas e aumentando o risco de lesões, já que o tempo de reação e o processamento de informações ficam prejudicados. Em longo prazo, essas condições poderiam levar a transtornos cognitivos, como demência ou outras condições neurodegenerativas, o que ainda precisa ser melhor investigado”, completa.

A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição pode ser utilizada como um procedimento para a avaliação da atividade elétrica cortical, como foi realizado no estudo, mas não apenas. Também há indicações recentes de que a estratégia poderia ser uma forma de mitigar os efeitos negativos dos impactos repetidos de cabeça, provendo alterações benéficas na atividade cerebral, podendo, assim, ajudar a prevenir problemas neurológicos futuros.
“A técnica pode aprimorar a eficiência neuronal ao melhorar funções cognitivas essenciais, como atenção e processamento de informações, cruciais para respostas rápidas durante competições. Ela também auxilia na proteção contra alterações cerebrais associadas a impactos repetidos, o que reduz o risco de lesões crônicas e facilita a recuperação de traumas. Outra vantagem é a possibilidade de monitoramento contínuo da função cerebral, que permite avaliar respostas cognitivas ao longo da temporada e identificar precocemente possíveis alterações relacionadas aos impactos de cabeça”, avalia o pesquisador.
A tese A dinâmica das bandas de frequência cerebrais e resposta à neuromodulação durante tarefa cognitiva em atletas de rugby sevens ao longo de uma temporada esportiva pode ser lida aqui.
Além disso, também foi publicado um artigo sobre o estudo na revista Current Psychology. Para ler, acesse aqui.
*Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, adaptado para o Jornal da USP

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