




A relação entre energia e saúde é profunda. O fornecimento de eletricidade não se limita à iluminação, mas também possibilita a refrigeração de vacinas, a operação de equipamentos médicos essenciais e a garantia de água potável por meio de sistemas de purificação e saneamento. Quando essas necessidades básicas são atendidas, o impacto sobre a saúde pública é imediato e significativo. Em muitas dessas áreas, a falta de energia agrava doenças preveníveis e impede o tratamento adequado, contribuindo para a vulnerabilidade dessas populações frente a surtos e epidemias.
Um dos principais benefícios do abastecimento de energia é a melhoria dos serviços de saúde locais. Pequenos postos de saúde, que muitas vezes atendem comunidades inteiras, dependem de energia para funcionarem de maneira eficaz. A eletrificação permite a operação de equipamentos médicos essenciais e viabiliza a conservação de medicamentos e vacinas, fatores cruciais para o controle de doenças.
Além disso, o acesso à energia é um indicador civilizatório e um determinante social da saúde crucial, influenciando diversos aspectos da vida que impactam diretamente o bem-estar das comunidades. Os determinantes sociais da saúde englobam as condições em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. O fornecimento de energia afeta diretamente estas condições, melhorando a qualidade de vida e as oportunidades econômicas. Por exemplo, a eletricidade permite melhor iluminação para estudos, facilitando a educação, que por sua vez está intimamente ligada a melhores resultados de saúde. Além disso, o acesso à energia possibilita a conservação adequada de alimentos, reduzindo o risco de doenças transmitidas por alimentos. A energia também viabiliza o uso de tecnologias de comunicação, permitindo o acesso a informações de saúde e facilitando a telemedicina em áreas remotas.
Nessas comunidades, as energias renováveis surgem como uma solução sustentável e viável. A energia solar, por exemplo, pode ser aproveitada mesmo em regiões extremamente isoladas. Sistemas fotovoltaicos com armazenamento de energia por baterias são uma alternativa prática para fornecer eletricidade de forma contínua. A energia eólica também apresenta potencial em áreas com ventos constantes. Essas fontes de energia são ecologicamente responsáveis e podem ser instaladas com impacto ambiental reduzido.
Entre as tecnologias sustentáveis que estão transformando a realidade das comunidades isoladas, os sistemas de bombeamento fotovoltaicos para fornecimento de água merecem destaque especial. Estes sistemas representam uma interseção crucial entre energia renovável e saúde pública, oferecendo uma solução integrada para dois desafios fundamentais: acesso à energia limpa e à água potável.
O impacto na saúde pública é significativo. O acesso à água limpa, facilitado por esses sistemas, é fundamental para a prevenção de doenças transmitidas pela água, como doenças gastrointestinais, que são particularmente perigosas em áreas remotas com acesso limitado a cuidados médicos. Além disso, a disponibilidade de água limpa melhora as condições de higiene, essenciais para a prevenção de diversas doenças infecciosas.
Iniciativas tecnológicas inovadoras vêm transformando a expansão energética em áreas remotas. Redes elétricas isoladas, conhecidas como “mini grids”, são uma das opções mais utilizadas para garantir energia a essas comunidades. Essas minirredes podem operar independentemente da infraestrutura nacional, utilizando fontes locais de energia renovável. Sistemas híbridos que combinam energia solar, eólica e baterias de armazenamento de longa duração estão sendo cada vez mais empregados para garantir a estabilidade do fornecimento de energia.
As mudanças climáticas representam uma ameaça significativa para regiões vulneráveis como a Amazônia e o semiárido brasileiro, onde podem agravar os desafios de saúde existentes. Neste contexto, a resiliência climática torna-se crucial. A Organização Mundial da Saúde enfatiza a importância de sistemas de saúde resilientes ao clima, capazes de antecipar, responder e adaptar-se a choques climáticos. Uma solução robusta para este desafio são os sistemas de energia renovável descentralizados, incluindo sistemas fotovoltaicos de bombeamento de água. Esses sistemas não apenas aumentam a confiabilidade do acesso à água e energia, mesmo em condições climáticas adversas, mas também garantem um fornecimento estável de energia para serviços de saúde essenciais. Além disso, contribuem para a sustentabilidade ao reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A implementação dessas fontes de energia renovável reduz a vulnerabilidade das comunidades isoladas a eventos climáticos extremos, alinhando-se com os objetivos de resiliência climática. Como resultado, promove-se uma maior estabilidade no fornecimento de serviços de saúde vitais, aspecto crucial para essas regiões.
Estudos demonstram o impacto significativo desses programas na saúde pública. Na África Subsaariana, comunidades eletrificadas apresentaram redução de 9,3% na mortalidade infantil e aumento de 18% nas consultas pré-natais; exemplos semelhantes na Índia, Bangladesh e México demonstraram como o fornecimento de energia em comunidades isoladas pode reduzir drasticamente a mortalidade infantil, melhorar a educação e fomentar inclusão social e o desenvolvimento econômico.
O programa Luz para Todos, no Brasil, exemplifica como o abastecimento de energia pode transformar comunidades isoladas. Desde 2003, beneficiou 3,7 milhões de famílias, aproximadamente 17,5 milhões de pessoas. Entre 2020 e 2024, o foco intensificou-se na Amazônia Legal, onde mais de 44.835 famílias ganharam acesso à eletricidade. Apesar desses avanços, 330 mil famílias ainda vivem sem energia elétrica, e o Ministério de Minas e Energia mantém o compromisso de combater a pobreza energética. Estima-se que o Luz para Todos contribuiu para uma melhoria de 23% nos indicadores de saúde básica, incluindo redução de doenças gastrointestinais e respiratórias.
Esses resultados evidenciam que o acesso à energia em comunidades isoladas é crucial para a saúde, educação e desenvolvimento econômico, indo muito além da mera conveniência.
Apesar dos avanços, a implementação dessas soluções ainda enfrenta muitos desafios. Os custos iniciais de instalação, a logística de transporte de equipamentos para áreas de difícil acesso e a formação de mão de obra local são obstáculos comuns. Além disso, o suporte técnico e a manutenção regular dos sistemas instalados exigem um planejamento adequado. A superação desses desafios depende de parcerias multissetoriais. Governos, organizações não governamentais, empresas privadas e instituições acadêmicas precisam colaborar para criar soluções que sejam tanto economicamente viáveis quanto socialmente justas.
O fornecimento de energia em áreas remotas reduz significativamente as disparidades de saúde, permitindo o funcionamento adequado de instalações médicas, facilitando o armazenamento de vacinas e medicamentos, e possibilitando a telemedicina e educação em saúde. Além disso, a eletrificação baseada em energias renováveis traz benefícios ambientais, reduzindo o desmatamento e a poluição do ar ao substituir fontes como lenha e geradores a diesel. Esta abordagem promove uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades de saúde, alinhando-se com princípios de justiça social e beneficiando particularmente comunidades marginalizadas, como populações indígenas e quilombolas.
O abastecimento de energia em comunidades isoladas transcende a mera solução técnica, tornando-se um catalisador para a inclusão social e equidade. Ao romper o ciclo de pobreza e exclusão perpetuado pela falta de eletricidade, essas iniciativas promovem desenvolvimento sustentável. Para garantir a continuidade e expansão desses benefícios, é crucial manter o apoio e investimento em projetos de eletrificação, tanto do setor público quanto privado, incluindo programas de incentivo e políticas públicas que facilitem a implementação e manutenção de sistemas de energia renovável em áreas remotas.
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