É o uniforme olímpico nosso maior problema em Paris?

Por Hugo Tourinho Filho, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da USP

 Publicado: 31/07/2024
Hugo Tourinho Filho – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Semanas antes de iniciar os Jogos Olímpicos de 2024 na cidade de Paris, uma polêmica já se instalava nas principais redes sociais do País – o uniforme olímpico brasileiro.

Com mais críticas do que elogios, o uniforme que vestiu os atletas na abertura dos jogos foi alvo de julgamentos da imensa massa de editores de moda que aparecem nas redes sociais, nesses momentos, à semelhança do que ocorre com o exército de treinadores quando o assunto é futebol.

Será que, nos Jogos Olímpicos de Paris, o uniforme olímpico é mesmo o nosso principal problema?

Diante da cena de atletas se emocionando ao desembarcar no aeroporto de Paris, após terem vencido tantas dificuldades para chegarem como atletas olímpicos, pode-se ter certeza de que nem o uniforme nem o kit distribuídos pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) são os principais desafios a serem vencidos por nossos atletas nos jogos idealizados pelo Barão de Coubertin.

Independentemente de ideologias partidárias, o Brasil nunca teve uma política pública bem estruturada de iniciação esportiva e formação atlética que permita projetar nossos atletas num trabalho que precisa levar de oito a dez anos e que é denominado “Formação esportiva em longo prazo”.

Exatamente este é o tempo que se leva, em geral, para formar um atleta olímpico, ou seja, já deveríamos ter uma estrutura pronta para apoiar nossos pequenos praticantes esportivos para as Olímpiadas de 2034 exatamente agora, isto é, em 2024.

Desde o momento que uma criança inicia um programa de atividades físicas com o intuito de enriquecer seu repertório motor ou atingir melhoras em seu rendimento esportivo, é interessante organizar um planejamento destas atividades em longo prazo.

Uma das principais contribuições dos modelos de desenvolvimento em longo prazo para os jovens praticantes diz respeito à aderência ao programa de exercícios voltados para crianças e adolescentes, que por sua vez parece estar relacionada em grande parte à alfabetização física ou motora – a aquisição de sua biblioteca motora.

A importância desses modelos se evidencia não só na necessidade do desempenho esportivo para competir em nível profissional, mas, principalmente, para oferecer suporte para que as crianças tenham a capacidade de realizar exercícios físicos de maneira natural no presente e no futuro, ajudando assim a transformar o exercício em uma atividade relacionada ao prazer e à autocompetência, o que certamente ajudará muitas das crianças a se tornarem adultos com um estilo de vida ativo.

A estrutura que envolve o esporte de alto nível compreende basicamente três níveis: o local, os centros regionais e os centros olímpicos.

Na estrutura local encontram-se as escolas, escolas de esportes, os clubes e associações e tem como objetivo promover a prática esportiva para crianças e adolescentes. No caso dos adolescentes que se destacam, eles deveriam encontrar apoio nos centros regionais de treinamento e, posteriormente, ser encaminhados para os centros olímpicos.

O Brasil possui, em tese, parte dessas estruturas, o que nos difere das grandes potências olímpicas é o forte apoio ao esporte escolar e uma rede de comunicação que permita a troca de informações entre os diferentes setores desta estrutura, que países como os Estados Unidos e China possuem para a preparação de seus atletas olímpicos.

Basicamente, todas as potências olímpicas têm por principal característica o forte investimento nas categorias de base. Investir na iniciação esportiva e na formação atlética, independente da forma de financiamento (pública ou privada) é a maneira que melhor atende a relação custo/benefício dentro da preparação de um atleta olímpico.

Os Jogos Olímpicos, sem margem de dúvidas, mexem com nossas emoções e mesmo aqueles mais resistentes à prática regular de exercícios físicos, nesses dias encontram um momento para vibrar, chorar e comemorar com os atletas.

Infelizmente, isto só ocorre de quatro em quatro anos e nossas conquistas são muito mais em função da abnegação de atletas, treinadores e familiares do que fruto de um projeto olímpico bem elaborado, que inclua políticas públicas que permitam o acesso ao esporte para um número maior de crianças e adolescentes. Se tivéssemos um planejamento a longo prazo para a formação de atletas, quem sabe o nosso surfista Ítalo, ganhador da primeira medalha de ouro da história dos Jogos Olímpicos nesta modalidade, não precisasse ter iniciado no surf em cima de tampas de isopor vindas da peixaria onde seu pai trabalhava.

A verdade é que ganhamos medalhas olímpicas apesar de tudo, ou melhor, apesar de nada, sem levar ainda em consideração a chance que perdemos de utilizar o esporte como uma importante ferramenta de educação e formação de cidadãos. Mais do que formar campeões, o esporte sempre mostrou que é capaz de educar pessoas para que saibam respeitar as diferenças e, neste ponto, os Jogos Olímpicos sempre serão medalha de ouro. Quanto aos uniformes olímpicos, o que estávamos falando mesmo?

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