A fascinante jornada musical de Bach: maestria e espiritualidade no “Clavierübung III”

Por Sérgio Carvalho, pianista do Coral da USP

 Publicado: 28/06/2024
Sérgio Carvalho – Foto: Arquivo pessoal

 

 

Continuamos a relacionar as principais obras sacras de Bach para órgão.

O período de Köthen (1717-1723) é voltado para a criação de música de câmera, como as seis sonatas para violino e cravo, as seis suítes para violoncelo solo, as três sonatas e três partitas para violino solo, e de música orquestral, como os seis Concertos Brandeburgueses. Para teclado temos o primeiro volume de O Cravo Bem Temperado, com 24 prelúdios e fugas em todas as tonalidades maiores e menores, e várias suítes de danças.

Em relação às obras sacras, podemos relacionar quatro cantatas compostas em Cöthen. É no período de Leipzig (1723-1750) que Bach retoma a produção sacra de órgão, ao lado das Paixões, de centenas de cantatas e da Missa em Si menor.

A primeira obra a se destacar é o Clavierübung (Exercício de Teclado). Os volumes I, II e IV são para cravo, respectivamente, as seis partitas, o Concerto Italiano e a Abertura Francesa, e a ária com 30 variações (conhecida como Variações-Goldberg). É no volume III que devemos nos deter, pois é escrito para órgão, e refere-se tanto à missa luterana (Missa brevis: Kyrie e Glória), como ao catecismo luterano.

A obra foi publicada em 1739. Inicia-se com um prelúdio, seguido de vários arranjos corais, com e sem o uso da pedaleira, quatro duetos, terminando com uma fuga tripla, ou seja, com três temas.

Os arranjos corais são:

Kyrie, Gott Vater in Ewigkeit BWV 669 (Kyrie, Deus pai na Eternidade), a quatro vozes, cantus firmus no soprano; Christe, aller Welt Trost BWV 670 (Cristo, consolação do mundo), a quatro vozes, cantus firmus no tenor, e Kyrie, Gott Heiliger Geist BWV 671 (Kyrie, Deus Espírito Santo), a cinco vozes, cantus firmus no baixo, em organo pleno. Nesta última peça é necessário mencionar os sete compassos finais, em que aparecem dissonâncias inusitadas.

Em seguida, os mesmos temas são repetidos em três peças manualiter (sem uso da pedaleira), que pertencem ao gênero fughetta.

O Gloria in excelsis é escrito em três arranjos: Allein Gott in der Höh sei Ehr BWV 675 (Glória a Deus nas alturas), a três vozes, manualiter, cantus firmus no contralto; BWV 676, tipo paráfrase, em forma de trio-sonata; e BWV 677, em forma de fughetta.

Seguem-se os temas do Catecismo:

Dies sind die heilgen zehn Gebot BWV 678 (Estes são os dez mandamentos sagrados), a cinco vozes, em que o cantus firmus aparece em cânone de oitava na mão esquerda; a seguir, BWV 679, uma fughetta manualiter sobre o mesmo tema.

Wir glauben all an einen Gott BWV 680 (Todos nós cremos em um só Deus), a quatro vozes em organo pleno; BWV 681, fughetta manualiter.

Vater unser in Himmelreich BWV 682 (Pai nosso nos céus), a cinco vozes, cantus firmus em cânone de oitava, com multiplicidade de ritmos e cromatismo estonteantes; BWV 683, a quatro vozes, manualiter, melodia coral no soprano.

Christ, unser Herr, zum Jordan kam BWV 684 (Cristo nosso Senhor, veio para o rio Jordão), cantus firmus no pedal, com dois teclados, com um fluxo de semicolcheias que retrata as águas do rio; BWV 685, fughetta manualiter com exposição invertida do tema.

Aus tiefer Not schrei ich zu dir BWV 686 (Das profundas tribulações clamo a Ti), a seis vozes, com duas vozes no pedal, em organo pleno; BWV 687, a quatro vozes, manualiter, cantus firmus no soprano.

Jesus Christus, unser Heiland, der von uns den Zorn Gottes wandt BWV 688 (Jesus Cristo, nosso Salvador, que desvia de nós a ira de Deus), para dois teclados, cantus firmus no pedal, de grande virtuosidade, com saltos de décima nas mãos; BWV 689, uma fuga manualiter a quatro vozes.

E, antecedendo a fuga final, quatro duetos manualiter que podem ser considerados como um desenvolvimento magistral das Invenções a duas vozes, do período de Köthen.

Nas próximas partes, abordaremos as últimas obras sacras para órgão de Bach.
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