O futuro e o lugar das Ciências Humanas

Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP ressalta a importância de resgatar o passado sem deixar de olhar para o futuro

 04/12/2019 - Publicado há 4 anos

Criada em 1934, a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) surgia como polo central da Universidade, destinado à formação de pesquisadores em diversas áreas do conhecimento. Hoje, 85 anos depois, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP é um dos maiores centros de estudos em humanidades do País e organiza uma série de eventos para resgatar o passado e discutir o futuro da instituição. 

Durante as atividades, a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, atual diretora da FFLCH, falou sobre o projeto que inspirou a criação da faculdade e da importância de não apenas celebrar a memória, mas de colocar os olhos no futuro. “As comemorações dos 85 anos significam, nesse sentido, muito mais do que trazer à lembrança o passado, mas, antes, uma ocasião para enaltecer publicamente esse legado, para escandir a identidade da Universidade de São Paulo, por vezes incompreensivelmente questionada.” Leia a fala na íntegra:

 

FFLCH-USP 85 anos – Patrimônio inestimável

Em 2019 a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas está comemorando 85 anos da sua origem. Refiro-me à fundação da Universidade de São Paulo, que ocorreu sob os auspícios da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, no projeto de criação da USP, em 1934, conclui o papel de congregar as instituições profissionais previamente existentes, criar carreiras científicas anteriormente ausentes no País, sobretudo de formar o núcleo de estruturação da vida acadêmica. Até então a ambiência universitária no Brasil ocorria no âmbito das chamadas escolas profissionais e em organismos culturais voltados a promover a convivência e o debate intelectual. 

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FFCL – demarcou a diferença em relação ao passado, pois fixou e difundiu os padrões de exercícios científicos, intelectual e cultural, especialmente por colocá-los a serviço da formação das gerações futuras. Essa mudança decisiva se traduziu no senso de rigor como princípio da produção do conhecimento, na transmissão como compromisso superior. Visto na perspectiva de hoje, percebe-se a solidez das ideias que animavam o projeto de construção da Universidade de São Paulo, que não afastava a ciência da cultura, não segmentava as carreiras, rompia os contornos disciplinares, tão pouco estabelecia hierarquias científicas. Desde então, a área das denominadas Humanidades impregnou-se do espírito que havia se disseminado na FFCL, qual seja, o de que todo e qualquer reconhecimento válido pressupõe seguir procedimentos rigorosos, independentemente da natureza da reflexão. 

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras manteve-se integrada por 35 anos, até 1969, quando um conjunto de problemas políticos, institucionais e mesmo acadêmicos levaram à separação das Ciências Básicas, Naturais e Pedagógicas, das Ciências Humanas e Sociais. No transcurso daqueles tempos politicamente sombrios, a faculdade desmembrou-se em institutos que, se reforçaram as respectivas especialidades, perderam o dom de integrar perspectivas, de onde advinha parte da sua força. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH – permaneceu estimulada pela liberdade que lhe outorgava a aliança entre o rigor do conhecimento e o trânsito livre que sempre lhe conferiu o exercício crítico. Essas mais de três décadas de união foram essenciais para preservar, mesmo resguardar, dimensões do projeto fundador, particularmente em momento em que a atmosfera da nação torna-se rarefeita do ponto de vista civilizacional, reiteradamente exposta no momento atual. As comemorações dos 85 anos significam, nesse sentido, muito mais do que trazer à lembrança o passado, mas, antes, uma ocasião para enaltecer publicamente esse legado, para escandir a identidade da Universidade de São Paulo, por vezes incompreensivelmente questionada. 

Mas, em face dessa desnorteante tranquilidade na qual aparentemente se erigiram as instituições acadêmicas no Brasil atual, se cabe relembrar os valores que moveram os fundadores e embasaram a instituição, é fundamental reconhecer as viradas da história produzidas por mudanças sociais profundas que reverberam e se imiscuem no ambiente universitário e provocam transformações ponderáveis no nosso meio. As comemorações ganham, nesse quadro de convergências e divergências de difícil entendimento, o sentimento superior da reafirmação identitária que, caso se restringisse puramente a celebrar o passado e referendar a memória, perderia substância. Por isso, o conjunto das atividades previstas nesses dias de celebração não busca avivar puramente o passado, mas, antes, torná-lo referência para pensar o futuro e o lugar das Ciências Humanas nas sociedades contemporâneas, hoje povoadas pela equívoca crença no caráter superior da técnica, da racionalidade dos meios independentemente dos fins. 

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas engrandece-se ao relembrar a dignidade das suas origens, mas a rememora com olhos postos no futuro, consciente da superior tarefa de perseguir caminhos capazes de descortinar horizontes abertos a formas superiores da existência humana.

Maria Arminda do Nascimento Arruda
Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

 

Abaixo, o vídeo comemorativo aos 85 anos da FFLCH:

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