O naturalista pioneiro que saiu na defesa das florestas

A história de Frei Veloso, missionário, tipógrafo e cientista, é contada em novo livro da Editora da USP

 13/09/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 16/09/2019 as 11:21
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Gravura em água forte de João José Jorge no livro impresso pela Tipografia do Arco do Cego, dirigida por Frei Veloso – Reprodução/livro Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego

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A importância do naturalista e franciscano José Mariano da Conceição Veloso na história luso-brasileira e das suas múltiplas funções no campo dos estudos científicos e editoriais em prol do estudo da botânica está no livro Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego, lançamento da Editora da USP (Edusp). Organizado por Ermelinda Moutinho Pataca e Fernando José Luna, leva o leitor a conhecer as reflexões e o trabalho do mineiro de São João del-Rei, que nasceu em 1742. Passados 208 anos de sua morte, o leitor se depara com um pesquisador dos tempos de hoje, que transita por várias áreas do conhecimento para defender a conservação das “matas brasílicas” em um recado para o rei dom João VI.

“Frei José Mariano da Conceição Veloso é bastante conhecido por seus estudos botânicos, especialmente pela elaboração da Flora Fluminense e, nos últimos anos, também como diretor da Tipografia do Arco do Cego, em Lisboa”, explicam os organizadores Ermelinda e Luna na introdução do livro. “Além dessas funções, o frade franciscano exerceu diversas atividades a serviço do Estado, que revelam suas múltiplas habilidades e o importante papel político que exerceu junto à Corte de Lisboa.”

O projeto do livro surgiu de dois seminários e uma exposição, em 2011, para homenagear Frei Veloso nos 200 anos de sua morte. Uma programação que foi elaborada por grupos de pesquisadores do Rio de Janeiro e São Paulo na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. “Este livro apresenta os resultados desses eventos que divulgaram as diversas facetas do personagem, reveladas em diálogos interdisciplinares de pesquisadores estrangeiros e brasileiros que se dedicam ao entendimento das políticas econômicas e sociais associadas às artes, às ciências e à história editorial no período”, observam os organizadores.

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Naturalista e pesquisador, Frei Veloso estudou as plantas das matas brasileiras – Reprodução/livro Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego

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“Sem livros não há instrução”, afirmou Frei Veloso

Duas espécies de falsas quinas, do livro Quinografia Portuguesa, de Frei Veloso – Reprodução/livro Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego

Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego, que chega em boa hora, é um convite à leitura, em tempos de urgência de estudos sobre a identificação de plantas e sobre o futuro de nossas florestas”, observa Alda Heizer, pesquisadora convidada do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que assina a orelha do livro. “Além disso, a publicação ressalta uma grande preocupação de Veloso: ‘Sem livros não há instrução’, afirmação que demonstra, de forma definitiva, a atualidade de sua obra e atuação.”

Dividido em quatro partes, os artigos compõem a trajetória do naturalista em suas diversas funções. Os organizadores Ermelinda Moutinho Pataca e Fernando José Luna esclarecem: “Na primeira parte, tratamos do contexto histórico e social, demarcando a complementaridade entre as políticas econômicas e a formação da elite ilustrada luso-brasileira. Em um segundo momento, pensamos na atuação de Frei Veloso nas ciências e no fomento às artes, demarcando aproximações entre a história da arte e da ciência. Em seguida, desvelamos o perfil do frei Veloso editor, especialmente por meio da criação da Tipografia Calcográfica, Tipoplástica e Livraria do Arco do Cego, e debatemos a história do livro e da imprensa. Por fim, abordamos a circulação dos saberes na atuação de Veloso como tradutor e mediador cultural.”

 

Recado ao rei dom João VI

Mas eu, Senhor, que nasci no Brasil, e que nele estive mais de 40 anos, que vi e pisei três das suas mais notáveis capitanias, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e o governo do Espírito Santo, não posso ser insensível à acertada resolução de Vossa Alteza, quando promove a conservação das brasílicas matas: portanto devo pôr na presença de Vossa Alteza as reflexões a que me obrigam as minhas viagens botânicas.”

Nessa epígrafe, que está em sua obra O Fazendeiro do Brazil, de 1798, frei José Mariano da Conceição Veloso se apresenta ao rei dom João VI. “Buscamos aqui compreender a formação e atuação de Frei Veloso como naturalista, viajante e missionário franciscano no período em que esteve no Brasil, de 1742 a 1790, quando formou seu imaginário brasileiro e criou novas concepções teóricas, metodologias de viagens científicas e técnicas de história natural”, esclarece Ermelinda Moutinho Pataca, que é professora da Faculdade de Educação da USP.

A professora ressalta que os interesses de Frei Veloso não se restringiam ao estudo das plantas. “Pesquisou também os animais, preparando coleções de insetos, conchas, peixes e animais marinhos, quando a expedição percorreu a costa da capitania. Essas coleções, dispostas em 70 caixas, permaneceram com o naturalista no Rio de Janeiro e só foram para Lisboa em sua companhia, em 1790, quando o frade se mudou para o reino acompanhando Luís de Vasconcelos e Souza.”

Uma tipografia que imprimia obras selecionadas

O livro sobre Frei Veloso lançado pela Editora da USP (Edusp) – Foto: Reprodução

A atuação editorial de Frei Veloso é destacada no título do livro. “Era tipografia, pois se tratava de uma gráfica que imprimia obras selecionadas”, esclarece a pesquisadora Edna Lúcia Oliveira da Cunha Lima em seu artigo. “Nela funcionava uma calcografia, ou seja, uma oficina de gravação em metal, na qual trabalhavam gravadores responsáveis pela ilustração dos livros e pela formação de outros gravadores. Completava o quadro de técnicas gráficas a fabricação de tipos móveis a cargo da tipoplastia, o último adendo ao já longo nome da oficina. Todos esses setores estavam a serviço da editora, que fazia traduções e editava textos literários, científicos e técnicos.”

Edna explica que o objetivo da editora era imprimir obras de divulgação técnica e científica. “Foi um projeto iluminista que promoveu em Portugal ações para ampliar o conhecimento de novos métodos e técnicas de exploração de minas, para plantio e aproveitamento de produtos naturais como o tabaco e o bicho-da-seda, tratamento de doenças tropicais, textos sobre matemática, filosofia, literatura, manuais de gravura em metal, enfim, uma plêiade de informações sobre os mais diversos assuntos, a maioria em traduções do francês e do inglês, abordados por estudantes e profissionais brasileiros residentes em Portugal.”

O diretor da tipografia era Frei Veloso e quase todos os colaboradores eram brasileiros de Minas Gerais. “Foi uma atividade extraordinária, pois conseguiu publicar mais de 80 títulos de 1799 a 1801, quando a casa foi incorporada à Imprensa Nacional lisboeta.”

Frei Veloso e a Tipografia do Arco do Cego, de Ermelinda Moutinho Pataca e Fernando José Luna (organizadores), Editora da USP (Edusp), 448 páginas, R$ 60,00.


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