Participação da sociedade em políticas de Estado favoreceu avanços sociais no Brasil

Política de desenvolvimentismo deliberativo levou à criação de instâncias participativas deliberativas, de avaliação, monitoramento e controle social, e obteve grandes avanços nas áreas de saúde, educação e na redução da pobreza

 24/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 25/06/2016 as 14:07
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Programas sociais - Foto: Wikimedia Commons
Programas sociais – Foto: Wikimedia Commons

A participação da sociedade nas políticas de Estado no Brasil teve uma mudança significativa a partir de 2003, aponta estudo realizado pelo professor Gustavo Justino de Oliveira, da Faculdade de Direito (FD) da USP. Durante os governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff houve uma institucionalização da participação na esfera pública brasileira, por meio da criação de instâncias participativas deliberativas, de avaliação, monitoramento e controle social. A política de desenvolvimentismo deliberativo obteve grandes avanços nas áreas de saúde, educação e na redução da pobreza. No entanto, o baixo investimento na qualificação do funcionalismo, a falta de interlocução com o mercado e a deterioração das relações do executivo com o Congresso Nacional levaram a uma situação de crise que se agravou depois de 2014.

O professor analisou as instituições participativas e a participação como política pública a partir da literatura sobre o Estado desenvolvimentista, sobretudo a obra do norte-americano Peter Evans. “O desenvolvimento deliberativo é a principal característica dos Estados desenvolvimentistas no século XXI”, afirma. “Ele apoia-se em três pilares, que são a capacidade de ação estatal, por meio de um corpo de funcionários concursados e especializados, a interlocução com a sociedade civil e os sinais para o mercado, mantendo uma atuação democrática através de arranjos de cooperação e participação, combinada com a disciplina fiscal do Estado.”

Programa Minha Casa Minha Vida - Foto: Wikimedia Commons
Programa Minha Casa Minha Vida – Foto: Wikimedia Commons

A partir de 2003, uma das características do Estado brasileiro passou a ser o desenvolvimentismo social por meios participativos. “As mudanças incluíram a criação de programas sociais, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o ProUni, todo com designs participativos e deliberativos, em alguma medida”, conta Oliveira. “Também foi promulgada a Lei de Parcerias Voluntárias, cuja elaboração teve grande participação de organizações da sociedade civil e houve a implantação da Secretaria Nacional de Articulação Social”.

De acordo com o professor, o governo federal adquiriu expertise e know how para lidar com a participação da sociedade. “A criação de instâncias participativas em órgãos públicos permitiu maior articulação da sociedade civil em prol do desenvolvimento”, enfatiza o professor. As instâncias de controle social permitiram à população avaliar e monitorar as políticas públicas em áreas como saúde e educação. “A pressão sobre a estrutura burocrática estatal e o parlamento levou a debates mais especializados, gerando melhorias na ação pública e no processo legislativo.”

Todos os programas sociais passaram a apresentar um desenho participativo. “No Bolsa Família, por exemplo, há o controle da sociedade, que monitora a execução do programa. Esse controle é menor no Minha Casa, Minha Vida, mas há uma interlocução para aprimorar os projetos. No Prouni, também há controle social, além da participação da sociedade nas comissões executivas”, diz Oliveira. A participação tem impacto direto nas políticas sociais, tornando sua execução mais efetiva na medida em que há monitoramento, controle e responsabilidade por parte da sociedade. “Hoje é possível dizer que a participação está internalizada na organização do Estado. A administração pública brasileira tornou-se muito participativa, o que é pouco comum no contexto internacional. A participação é em si uma política pública, o que significa um grande avanço democrático.”

Programa Minha Casa Minha Vida - Foto: Wikimedia Commons
Programa Minha Casa, Minha Vida – Foto: Wikimedia Commons

Sinais da crise

A combinação das instâncias participativas com o desenvolvimentismo deliberativo teve sucesso em pontos como a redução da pobreza e o aumento do número de postos de trabalho até 2014, quando começaram a aparecer os primeiros sinais da crise atual. “Apesar da grande aposta no desenvolvimentismo deliberativo, não houve um investimento significativo nas relações com o mercado e nem um reforço da capacidade operacional do Estado”, aponta o professor. “Apesar do número de funcionários ter aumentado com a realização de concursos públicos, não houve um ganho de qualidade.”

Além da falta de força da burocracia estatal, Oliveira ressalta que a relação entre o Estado e o mercado não foi transparente e eficiente. “O desenvolvimentismo deliberativo articulou Estado e sociedade para melhorar políticas sociais, obtendo avanços em áreas como saúde, educação, assistência social, condição das famílias e dos idosos”, relata. “No entanto, não houve uma articulação no que diz respeito à infraestrutura econômica, que depende do mercado. Assim, apesar do Brasil ter um Estado social, os gargalos de infraestrutura, como estradas e aeroportos, permanecem em aberto, não alcançando o mercado e criando entraves para o próprio desenvolvimento social.”

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

O professor da FD observa que o desenvolvimentismo deliberativo também depende da capacidade política do Estado, não só junto à sociedade, mas igualmente com o poder Legislativo. “A coalizão partidária que dava sustentação ao Executivo no Congresso Nacional deteriorou-se, levando a um agravamento do quadro atual de crise”, conclui.

As conclusões do estudo são descritas no artigo Participação democrática e o processo de construção do Estado Desenvolvimentista brasileiro: a busca for desenvolvimento deliberativo, que será apresentado na 12ª Conferência Internacional da International Society for Third Sector Research (ISTR), evento da área de pesquisa em terceiro setor, que acontece de 28 de junho a 1 de julho na Suécia. Oliveira coordenará o painel “Participação como uma política: tensões e desafios na institucionalização da participação no Estado Desenvolvimentista”. Também apresentarão pesquisas as professoras Natasha Schmitt Caccia Salinas e Gabriela Brelàz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e o pesquisador Otávio Venturini.

Mais informações: email gjoliveira@usp.br, com o professor Gustavo Justino de Oliveira


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