Foto: Divulgação/Sheffield University

Zoólogas brasileiras se unem por uma ciência mais representativa

O grupo Mulheres na Zoologia discute relações de gênero e outras desigualdades na ciência; inscrições estão abertas para novas integrantes

24/03/2021

Crisley Santana

“Nosso estudo sugere que orientados do sexo feminino que permanecem na academia colhem mais benefícios [citações de trabalhos] quando recebem mentoria de homens do que de mulheres com igual impacto.” Esse é um dos trechos de polêmico artigo publicado no ano passado pela revista científica Nature Communications. O trabalho relaciona a orientação de pesquisadoras mulheres a um impacto negativo nas carreiras acadêmicas de outras cientistas. 

A publicação foi criticada por diversos grupos de mulheres na ciência, inclusive aqui no Brasil, onde estimulou a criação da Rede Mulheres na Zoologia. O grupo publicou na revista Zoologia um artigo em resposta àquele publicado na Nature. No texto Por que não devemos culpar mulheres pela disparidade de gênero na academia: perspectivas das mulheres na zoologia, as autoras explicam que os dados utilizados pelo artigo da Nature não levam em consideração a relação sócio-histórica por trás das estatísticas, além de demonstrar como as políticas de diversidade possuem impacto positivo no campo da zoologia, área da biologia que estuda os animais.

A professora Veronica Slobodian, da Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Biologia Comparada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, coordenou o artigo assinado por 15 autoras e que marcou o lançamento da rede. 

O grupo surge de uma demanda de integrar as zoólogas brasileiras, unindo esforços, experiências e histórias em uma rede colaborativa para a elaboração de pesquisas sobre a desigualdade de representatividade no ambiente acadêmico, especialmente na área da Zoologia. Elas ainda propõem criar iniciativas para equilibrar o cenário, diminuindo assim a desigualdade no ambiente acadêmico e promovendo uma ciência mais inclusiva.

Veronica ressalta que, apesar de ser um grupo formado por mulheres, os objetivos da rede estão além de combater as desproporções de gênero. “A rede quer abarcar um reconhecimento das disparidades dos grupos sub-representados. Nós não temos dados, por exemplo, das disparidades étnicas e raciais. Mas se nós formos em um congresso, fica muito claro ao olhar para uma mesa-redonda.” 

Veronica Slobodian - Foto: Arquivo pessoal

Veronica Slobodian, professora da UnB, coordenou o lançamento da Rede Mulheres na Zoologia - Foto: Arquivo pessoal

A falta de reconhecimento desses grupos tem gerado consequências como o chamado “Efeito Matilda”, quando há falta de créditos a trabalhos realizados por mulheres. Um caso que pode ilustrar é o de Rosalind Franklin. A química descobriu a estrutura de dupla hélice do DNA, mas foram James Watson, Maurice Wilkins e Francis Crick que receberam os créditos da descoberta. A verdade sobre o achado de Rosalind só veio à tona após sua morte.

Material de divulgação das Mulheres na Zoologia nas redes sociais com o Simpósio "Por mais Mulheres na Zoologia" durante o XXXIII Congresso Brasileiro de Zoologia, em março de 2020

Diversidade na ciência

Falar da diversidade na ciência, portanto, não está somente em pontos de melhoria da produtividade, mas de justiça. “Nós temos pessoas diversas no mundo, então por que não incluir essa diversidade? Grupos diversos fazem as ciências melhores, são mais propensos à inovação, são mais propensos a ter ideias diferentes”, disse Veronica.

A rede tem se organizado virtualmente em grupos de trabalho. Enquanto alguns focam na realização de pesquisas, outros ficam responsáveis pela organização de eventos on-line e outras iniciativas. 

Karla Soares, pós-doutoranda do Departamento de Zoologia da USP, uma das autoras do artigo e integrante da rede, ressaltou a importância científica dessa organização, pois expor a realidade das desigualdades dentro do ambiente de pesquisa, por meio de dados estatísticos, também está entre os objetivos do grupo.

“Como cientistas buscamos fazer não só a exposição do que acontece em casos pessoais, mas também fazer isso por meio de levantamento de dados. As proporções são muito desiguais em relação à quantidade de mulheres dentro da pós-graduação e como professoras de universidades. É um número que cai assombrosamente”, conta Karla.

A importância está ainda em possuir contato com outras mulheres atuantes na área, já que o fato permite com que a pós-doutoranda “possa sonhar”, como relatou. Seu desejo é se tornar professora universitária, e também inspirar estudantes da graduação a permanecerem progredindo na carreira acadêmica.

“É nesse sentido que eu vejo a rede trabalhando, melhorar a área para mulheres e esses grupos: pessoas deficientes, não brancas, enfim, pessoas que não se sintam representadas por esse modelo que a gente vê atualmente”, acrescentou.

Karla Soares, pós-doutoranda do Departamento de Zoologia da USP - Foto: Arquivo pessoal

Essa ideia é defendida pela professora Annie Schmaltz Hsiou, do Departamento de Biologia da FFCLRP, também integrante da Rede Mulheres na Zoologia e uma das autoras do artigo. “Muitas pesquisas no Brasil e no mundo vêm percebendo que quanto mais diversa a pesquisa, mais produtiva, mais impacto e mais qualidade ela vai ter porque são ideias diferentes entrando.”

Como pesquisadora, ela destaca as colaborações que a rede proporciona, não só para ela, mas para os estudantes que orienta, já que o contato com outras mulheres da área tem gerado compartilhamento de informações importantes, além de servir como ambiente de acolhimento. “Todos que estão no grupo de pesquisa crescem juntos. Todo apoio é importante. Às vezes, uma pessoa não consegue avançar na pesquisa por estar sofrendo uma pressão com viés de gênero. Então queremos melhorar o ambiente de trabalho e, se não melhorar, que ajude essa mulher que está precisando.”

Annie Schmaltz Hsiou, do Departamento de Biologia da FFCLRP - Foto: Arquivo pessoal

Annie Schmaltz Hsiou, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Foto: Arquivo pessoal

O grupo lançou um formulário on-line para que mais mulheres da zoologia possam fazer parte. Podem participar zoólogas no geral, desde alunas de graduação, pós-graduação, professoras, além de pessoas que já foram pesquisadoras e agora estão em uma área do mercado.

Mais informações: Instagram, Facebook, Twitter e Telegram.