Único no País, curso de Obstetrícia
da USP reforça necessidade de parto seguro e humanizado

Graduação oferecida pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades destaca atenção à maternidade e aos direitos da mulher

 08/09/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 13/08/2024 às 15:12

Texto e diagramação: Gabriele Koga

Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, mais da metade dos partos realizados no Brasil são cesarianas. Com 55%, o País ocupa o segundo lugar no ranking mundial em número de cesáreas e fica atrás somente da República Dominicana, com 58%. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o índice se mantenha entre 10% e 15% para a realização da cirurgia, quando há riscos de complicações para a mãe e/ou bebê durante o parto normal. Ou seja, o procedimento pode salvar vidas, mas exige critérios.

É nesse contexto que o curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP ganha destaque na educação e promoção da saúde das mulheres, pessoas trans e não binárias com sistema útero-ovariano, suas famílias e comunidade, com enfoque na atenção à maternidade e no parto humanizado. “O índice de cesáreas, de mortalidade e morbidade, o número de doenças decorrentes da gravidez, é muito grande no Brasil. Na cesárea, você pode ter complicações na hora do parto ou até na próxima gravidez. Isso tem que ser muito bem conversado”, explica Nadia Narchi, professora e coordenadora do curso na EACH. 

Atualmente classificado com cinco estrelas pelo Guia do Estudante, a graduação oferecida pela USP desde 2005 é a única disponível em território nacional para a formação de obstetrizes. O objetivo é combater intervenções desnecessárias na gestação e instruir os futuros profissionais da saúde a promover cuidados de saúde e atender às necessidades físicas, emocionais e socioculturais dos envolvidos. Esses foram alguns dos motivos que levaram um grupo de docentes da USP a pensar em um curso baseado em modelos internacionais e integrá-lo ao movimento pela humanização do parto.

“É uma pena que a USP seja a única universidade a oferecer a graduação em Obstetrícia. Desde que a gente começou, tem batalhado para que outros colegas assumam esse desafio. Para começar um curso assim em uma universidade pública, precisa ter apoio e um quadro docente formado por mestres e doutores. Para fazer isso na universidade privada, fica muito caro”, aponta Nadia.

Nadia Zanon Narchi - Foto: Reprodução/EACH-USP

Nádia Narchi – Foto: Reprodução/EACH-USP

Turma de estudantes reunida em comemoração ao Dia Internacional da Parteira - Foto: Reprodução/Facebook

Formação acadêmica e profissional

Na USP, o curso de Obstetrícia está dividido em quatro eixos fundamentais: Ciclo Básico; Bases Biológicas; Ciências Humanas, Sociais e da Saúde; e, Assistir, Cuidar e Gerenciar.

O Ciclo Básico (CB) inclui disciplinas comuns a todos os cursos da EACH durante o primeiro ano de graduação. Ele foi idealizado para promover a iniciação acadêmica ao aluno, além da visão interdisciplinar, base sobre questões ligadas às ciências, artes e humanidades e articulação do conhecimento com a realidade social brasileira. O CB é estruturado em três subeixos inter-relacionados: formação introdutória no campo específico de conhecimentos de cada curso, formação geral e formação científica por meio da Resolução de Problemas (RP). Para Nadia, essa etapa é importante durante a formação do aluno. “Então, você tem a Obstetrícia junto com a Gestão de Políticas Públicas e Gestão Ambiental. Isso favorece a integração de pessoas que pensam e fazem cursos diferentes”, explica.

No eixo de Bases Biológicas, desenvolvem-se os conhecimentos fundamentais da biologia humana. Por isso, muitas das disciplinas oferecidas são comuns a outros cursos da área da saúde, como Imunologia, Microbiologia e Parasitologia Básicas, Farmacologia, Processos Patológicos, Nutrição e Biologia Celular. Outras enfatizam o processo de reprodução humana, como Embriologia e Genética, Fisiologia da Gestação, Anatomia, Fisiologia e Endocrinologia do Sistema Reprodutor.

Nas Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, ampliam-se os referenciais biológicos para a atenção à saúde materna e perinatal, com pressupostos teóricos da Psicologia, da Antropologia, da História e da Sociologia. As disciplinas abordam temas direcionados à promoção e educação em saúde, processos psicossociais na assistência, ciclo vital humano, direitos humanos, sexuais e reprodutivos, dilemas éticos em saúde e educação profissional.

No eixo Assistir, Cuidar e Gerenciar são desenvolvidos conhecimentos e técnicas relacionados ao gerenciamento dos serviços de saúde e da assistência à mulher, ao recém-nascido e à família nos âmbitos da comunidade e do ambiente hospitalar. Os cuidados baseiam-se no aconselhamento durante a gravidez, no parto e pós-parto, detecção de condições anormais, realização de partos, execução de medidas de emergência ou urgência em trabalho integrado com equipe multiprofissional e obtenção de ajuda médica especializada em situações de necessidade. 

Sandra Gomes, estudante do curso de Obstetrícia da EACH – Foto: Arquivo pessoal

Para Sandra Gomes, estudante e representante discente do curso, a inclusão de disciplinas comuns a outras graduações da EACH é muito importante. “Quando a gente entende uma formação interdisciplinar, compreende que os cursos e os eixos de aprendizagem se cruzam em alguns momentos. Em um mundo e em um país bastante diverso, não dá para ficar pensando ‘sou de exatas, vou pensar nos números e calcular’ ou ‘sou de humanas’. Não. O que eu faço é para as pessoas que têm suas especificidades e demandas. Serei uma profissional para atuar em uma sociedade com diversidade”, pontua.

Disciplinas práticas e mercado de trabalho

Além das aulas teóricas, o curso conta com práticas clínicas e estágios integrados à graduação para preparar o estudante para o mercado de trabalho. A proposta é realizar a assistência durante os períodos pré-natal, parto e pós-parto e orientações voltadas ao planejamento reprodutivo, à prevenção e detecção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), do câncer ginecológico, da violência contra as mulheres e assistência ao recém-nascido. Os conteúdos sistematizam o desenvolvimento de competências para a atuação de qualidade do(a) obstetriz no ciclo gravídico-puerperal. 

Alunas da EACH explicam o parto normal para passantes na tenda informativa do Parque Belém, em São Paulo - Foto: Reprodução/Facebook

A graduação também inclui trabalhos no Hospital Universitário (HU) da USP, experiências profissionais em salas de parto, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e em setores de administração de serviços de saúde. O aluno é preparado para desempenhar suas funções com equipes de saúde e enfermagem em maternidades, centros ou casas de parto, ambulatórios, consultórios, unidades de saúde, domicílios ou em outros serviços de saúde pública ou privada, além da possibilidade de trabalho em instituições de ensino e pesquisa.

“A partir do segundo ano, a gente começa a ter disciplinas que são mais práticas, em laboratórios, por exemplo. As obrigatórias são realizadas no ICB [Instituto de Ciências Biomédicas], na Cidade Universitária. Lá, existem aulas de farmacologia, parasitologia, imunologia e microbiologia. Depois de mais um tempo de curso, fazemos disciplinas práticas, como pré-hospitais e estágios em hospitais e UBS. A gente aprende a puncionar veias e a fazer exames físicos”, conta Sandra.

Com 435 obstetrizes formados desde 2005, Nadia destaca que o feedback dos profissionais tem sido muito positivo. “A gente vê os egressos envolvidos na assistência, nesse projeto de humanização e melhoria da qualidade da saúde das mulheres. Acho que se você conversar com qualquer aluna do curso, ela vai comentar que aprendeu e mudou a forma de pensar e de agir como mulher. Tornou-se mais feminista e começou a entender melhor as questões relacionadas aos gêneros, direitos humanos, sexualidade e diversidade étnico-racial”, finaliza a coordenadora.

Obstetrícia é luta. É lutar pela vida das pessoas, por atendimento de qualidade e por entender que as coisas acontecem de maneira fisiológica e natural. A gente não deve patologizar tudo e não deve transformar em uma máquina de dinheiro, como são as cesarianas, por exemplo. Algumas são necessárias, mas a grande maioria não.

Sandra Gomes

FORMAÇÃO PROFISSIONAL E ACADÊMICA INTERDISCIPLINAR

Bacharelado em Obstetrícia é oferecido desde 2005 na EACH

LOCAL

Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH)

VAGAS

60

PERÍODO

Aulas no período diurno

DURAÇÃO

9 semestres

INGRESSO

Vestibular da Fuvest
Sistema de Seleção Unificada (Sisu)

CONTEÚDOS CURRICULARES

Ciclo
básico

Bases
biológicas

Ciências humanas, sociais e da saúde

Assistir, cuidar e gerenciar

Clique no player abaixo para saber mais sobre o curso

Infografia: Gabriele Koga


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