“Uma perspectiva histórica de nossa circunstância”

O livro Ideias Econômicas, Decisões Políticas, de Lourdes Sola, analisa a democracia e a economia brasileiras de 1946 a 1964

 08/12/2023 - Publicado há 8 meses
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Capa do livro Ideias Econômicas, Decisões Políticas, da socióloga Lourdes Sola – Imagem: Divulgação/Edusp

 

A análise transdisciplinar do processo decisório empreendida em “Ideias Econômicas, Decisões Políticas é altamente esclarecedora das dificuldades que enfrentaram os técnicos, tanto cosmopolitas quanto desenvolvimentistas” em levar adiante planos de estabilização econômica que formularam. Estes planos, pela sua natureza, têm um impacto redistributivo que afeta interesses e desenham assim, no curto prazo, ganhadores e perdedores. Integram, assim , “o território da política por excelência”, como aponta Lourdes Sola recorrendo às formulações de Theodore J. Lowi. É no território da política que se situam as dificuldades enfrentadas pelo Plano de Estabilização Monetária no governo JK e o Plano Trienal no de João Goulart.

O parágrafo acima é do texto “Técnicos, Governança Econômica e Democracia Brasil (1946-64)”, do advogado e cientista político Celso Lafer, comentando o livro Ideias Econômicas, Decisões Políticas, da socióloga Lourdes Sola*, inicialmente publicado em 1998 e recentemente reeditado, numa versão revista, ampliada e aprimorada pela Edusp.

Lourdes Sola justifica a reedição: “As questões de governança econômica constituem uma dimensão central de governança democrática. Este foi o ponto de partida do estudo de caso sobre os processos decisórios que enquadram a formação da política econômica no contexto institucional regulado pela Constituição de 1946. Apresentado sob a forma de tese de doutoramento em 1982, publicada em 1998 pela Edusp, decorreram mais de 25 anos desde então. Entre cada uma dessas datas ocorreram deslocamentos tectônicos no ambiente internacional, na forma de interação entre economia e política e nas ideias que pautam as decisões econômicas. Mudou também o modo de fazer política em um Brasil redemocratizado”.

Lourdes Sola – Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Fapesp

O livro (460 páginas), recentemente relançado, ilumina a disputa, no período, entre economistas “cosmopolitas”, que até admitiam iniciativas desenvolvimentistas mas dentro de um quadro liberal, aberto às influências internacionais, especialmente dos EUA, com os desenvolvimentistas propriamente ditos, mas dentro de um ideário nacionalista. Disputa que contrapunha economistas como Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, do lado liberal, Roberto Simonsen, Celso Furtado e Rômulo de Almeida, da banda desenvolvimentista, nacionalista. Nunca é demais lembrar que os primeiros ocuparam cargos importantes no período autoritário posterior a 1964.

Sola analisa os embates econômicos, com reflexos na política, dos períodos que se estendem do fim da ditadura do Estado Novo até o começo da autoproclamada Revolução de 1964. Sucedem-se, em sua análise, os períodos do primeiro presidente eleito depois da queda do ditador Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, o democraticamente então eleito Getúlio Vargas, e que se suicida antes do fim de seu mandato, seguido por Juscelino Kubitschek, o JK, “uma letra maiúscula no alfabeto da política brasileira’, na expressão de Celso Lafer.

Segue-se o imprevisível Jânio Quadros, que renunciou com apenas sete meses de mandato, com a ilusão de que voltaria ao Planalto “nos braços do povo”. Finalmente, o seu vice-presidente João Goulart, que o sucede, fazendo voltar à Presidência da República o ideário trabalhista herdado de Getúlio Vargas, de quem fora ministro do Trabalho – até ser derrubado pelo movimento militar de 1964 e das classes sociais dominantes no País que nunca o assimilaram, de fato, na cadeira de presidente da República.

O período coberto pelo livro de Lourdes Sola é rico e importante, definidor de disputas políticas e econômicas que nos embalam até hoje. Disputas entre governos mais populares ou mais conservadores, às vezes com uma ditadura de tendências conservadoras no meio. As questões são sempre as mesmas, crescimento ou não, concentração ou distribuição de renda, representação política mais elitista ou mais popular, construção de uma sociedade mais justa.

Por que a reedição? Com a palavra a autora: “Uma segunda edição pode ser justificada como uma oportunidade de colocar à disposição do leitor de hoje uma história analítica, apenas uma ferramenta para ajudá-lo a situar em perspectiva histórica sua própria circunstância. Que é a nossa como país. Foi motivada pela convicção de que o conhecido enunciado de Ortega Y Gasset, em seu Meditaciones del Quixote, “Yo soy yo e mi circunstancia; si no la salvo a ella, yo no me salvo”, só faz sentido se for tomado em sua inteireza. Quer dizer, não apenas em sua dimensão existencial individual, mas como parte de uma orientação coletiva. Motivada pelo “afán de compreensión” dos rumos e do destino – não manifesto – de seu país.

*Lourdes Sola possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1961), mestrado em Sociologia Econômica pela Universidade de São Paulo (1966), pós-graduação em Economia Política pela Escolatina (Escola para Graduados em Economia, da Universidade do Chile, 1969-1973), doutorado em Ciência Política pela Universidade de Oxford (1982) e pós-doc no Instituto Kellog de Estudos Internacionais, Universidade de Notre Dame (1990) e Livre-Docência pela Universidade de São Paulo (1992) . Em 2000, ocupou a Cátedra Rio Branco, na Universidade da California (Berkeley).


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