Qual comunicação pública pode contribuir para a cidadania?

No evento Os desafios para o bom jornalismo, voltado para os estagiários da Superintendência de Comunicação Social, os professores Camilo Vannuchi e Gislene Nogueira debatem o tema

 18/09/2024 - Publicado há 6 meses

Texto: Luiz Roberto Serrano
Arte: Diego Facundini*

“Um convite à reflexão: a comunicação pública no contexto do mundo digital e dos grandes conglomerados internacionais de mídia; que comunicação pública pode contribuir para a cidadania?”

O convite foi lançado pela jornalista Gislene Nogueira, doutoranda na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em sua fala na primeira rodada do ciclo de conferências Os desafios para o bom jornalismo, promovido pela Superintendência de Comunicação Social da Universidade, para seus estagiários dos cursos de Jornalismo, Letras, Música e Audiovisual. A pesquisadora participou do evento de maneira remota, direto dos Estados Unidos.

A resposta a essa questão é desafiadora, no quadro atual, se levarmos em consideração alguns cânones da comunicação pública definidos pelo jornalista e escritor Camilo Vannuchi, mestre e doutor pela ECA e atualmente professor de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. No mesmo evento, assim ele definiu a comunicação pública: “É o exercício do direito à comunicação e da cidadania; tem o potencial de democratizar acessos e garantir a diversidade; é uma alternativa à comunicação comercial e à lógica do mercado; tem que prover informação, formação e cultura numa lógica que não precisa se subordinar à disputa por audiência, aos BBs, etc.”.

Gislene Nogueira - Foto: Arquivo Pessoal

Gislene Nogueira - Foto: Arquivo pessoal

COMO FICA ESSE DIREITO?

Pergunta: como fica esse direito, definido por Vannuchi, dentro do “contexto do mundo digital e dos grandes conglomerados internacionais de mídia”, apontado por Nogueira? Em outras palavras: qual o espaço que a comunicação pública consegue abrir num universo dominado por entretenimento e a balbúrdia do mundo digital, no qual as fake news tem um enorme espaço, e não se descobriu, ainda, o caminho para combatê-las?

Gislene Nogueira citou um trecho do livro Estado de Narciso, a comunicação pública a serviço da vaidade particular, do professor da ECA Eugênio Bucci, como uma das definições sobre o tema: “A comunicação pública se compõe de ações informativas, consultas de opinião e práticas de interlocução, postas em marcha por meio de emprego de recursos públicos, mediante processos decisórios, transparentes, inclusivos e abertos ao acompanhamento, críticas e apelações da sociedade civil e à fiscalização regular dos órgãos de controle do Estado”. E continua: “Quanto às suas finalidades, a comunicação pública existe para promover o bem comum e o interesse público. Sem incorrer, ainda que indiretamente, na promoção pessoal, partidária (do partido do governo), religiosa ou econômica de qualquer pessoa, grupo, família, empresa, igreja ou outra associação privada”.

Camilo Vannuchi - Foto: Instagram/camilovannuchi

Camilo Vannuchi - Foto: Instagram/camilovannuchi

Avancemos um pouco mais na definição de comunicação pública, apresentada por Gislene Nogueira. Desta vez, ela cita o livro Instrumentos de comunicação pública, organizado por Jorge Duarte: “Comunicação pública coloca a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio da garantia do direito à informação e à expressão, mas também do diálogo, do respeito a suas características e necessidades, do estímulo à participação ativa, racional e corresponsável”. E acrescenta: “O uso da expressão está associado ao esforço de melhorar a vida das pessoas pela comunicação. Para conseguir isto, os instrumentos de comunicação são utilizados a partir do ponto de vista do cidadão em sua plenitude e não apenas em suas faces de consumidor, eleitor, usuário. Praticar comunicação pública implica assumir espírito público e privilegiar o interesse coletivo em detrimento das perspectivas pessoais e corporativas”.

COMPLEMENTARIDADE DO SISTEMA

“Mas todo o jornalismo não deve ser orientado para o serviço público? Não desempenha um serviço público?”, perguntou, por sua vez, Camilo Vannuchi. Sua resposta baseia-se em um dos cinco artigos sobre comunicação social da Constituição Federal de 1988, que tem um total de 250, no caso, o 223, que reza: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Dito isto, Vannuchi lança a pergunta: “O que queria o constitucionalista ao incluir um parágrafo sobre complementaridade do sistema? Trata-se de uma demanda ultrapassada? As emissoras públicas perderam a sua função?”.

As colocações de Camilo Vannuchi e Gislene Nogueira no evento Comunicação Pública, promovido pela SCS, mostram o quanto há o que debater e avançar na questão no Brasil, país onde, por tradição, predominam, por ampla margem, as iniciativas privadas em rádio e televisão, secundariamente às governamentais, nas quais o partido no poder tem forte influência, e, menos ainda, as verdadeiramente públicas, com pouca ingerência da sociedade. É uma questão antiga, desde que as transmissões de rádio, na década de 1930, e as de televisão, na de 1950, foram introduzidas no País. E que, atualmente, é acossada pela ampla predominância das redes sociais na comunicação.

O evento Os desafios do bom jornalismo, promovido pela SCS, tem como alvo os seus estagiários e prevê a realização de mais três palestras neste ano: Direitos Fundamentais, com o professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, Conrado Hubner, em 29/10; Comunicação e Diversidade, com o professor Ricardo Alexino Ferreira, da ECA, em 19/11; e IA e Jornalismo, com a professora Beth Saad, também da ECA, em 9/12.

Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado


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