Quais os desafios da produção de moradias no Brasil? Grupo da USP investiga políticas contemporâneas

Em setembro, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Produção da Casa e da Cidade lançou o Caderno do 1º Seminário de Trabalho, que reúne reflexões sobre as mudanças na produção habitacional no Brasil contemporâneo

 25/09/2024 - Publicado há 6 meses

Texto: Denis Pacheco

Conjunto de apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida em Santa Cruz, no Rio de Janeiro - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A moradia digna é um direito garantido pela Constituição Federal e, neste ano eleitoral, deveria estar entre as principais prioridades das campanhas municipais em todo o Brasil. No entanto, a produção habitacional continua sendo um desafio em toda nova gestão, tanto devido à desigualdade social nas cidades brasileiras quanto às limitações das políticas públicas existentes.

Pensando nisso, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Produção da Casa e da Cidade, da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAU) da USP, lançou o Caderno do 1º Seminário de Trabalho: Produção da Casa e da Cidade no Brasil Contemporâneo. O livreto reúne as primeiras reflexões do grupo sobre a produção habitacional contemporânea no País e está disponível para download gratuito neste link.

Para a professora Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins, coordenadora do INCT, “a habitação é um dos principais pontos que os gestores deveriam abordar com mais profundidade, especialmente em contextos de eleições municipais, mas o que vemos é uma falta de propostas claras para o futuro das nossas cidades”.

Conforme a professora, o caderno é resultado de um encontro que contou com a participação de mais de 60 pesquisadores, distribuídos em quatro linhas de pesquisa. A professora destaca que as linhas incluem “a autogestão, a produção estatal, o setor imobiliário privado e uma abordagem historiográfica dos processos de urbanização no Brasil”.

Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins, professora da FAU - Foto: Divulgação/IEA USP

Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins, coordenadora do INCT - Foto: Divulgação/IEA-USP

Segundo Maria Lucia, o projeto tem como base uma pesquisa histórica que busca entender a evolução da urbanização brasileira desde os anos 1970, mas adaptada às realidades e desafios contemporâneos. “Partimos de um livro produzido dentro da própria FAU, intitulado A Produção Capitalista da Casa e da Cidade no Brasil Industrial, organizado pela professora Ermínia Maricato no final da década de 1970”, esclarece.

Páginas do caderno com a produção do INCT Produção da Casa e da Cidade - Foto: Divulgação/LabHab FAU-USP

Desafios para os próximos 50 anos

O Brasil, que viveu um processo intenso de redemocratização e fortalecimento de políticas públicas no final do século 20, como o surgimento do programa Minha Casa, Minha Vida e a criação do Ministério das Cidades, hoje enfrenta novas questões. “Não podemos dizer que tudo é igual ao que foi visto nos anos 1970. Ainda há uma presença significativa da autoconstrução, mas em um contexto diferente, como o projeto Minha Casa, Minha Vida-Entidades, que trabalha com autogestão. [Mas hoje] enfrentamos problemas como a ocupação de territórios por grupos marginais, que inclusive promovem a venda de habitação de forma ilegal”, argumenta Maria Lucia.

Nesse contexto, a professora reforça a necessidade de um diálogo mais próximo entre os municípios e suas populações para melhorar as condições habitacionais e produzir cidades mais inclusivas e acolhedoras. “A autogestão, por exemplo, é uma forma de garantir que as comunidades participem ativamente do processo de construção de suas moradias, gerenciando o projeto e acompanhando cada etapa da produção.” Para ela, esse tipo de processo gera um vínculo mais forte entre as pessoas e suas casas, promovendo uma maior responsabilidade e engajamento social.

Seminário de trabalho do INCT realizado no mês de maio - Foto: Reprodução/Caderno Produção da Casa e da Cidade

A coordenadora aponta que o seminário realizado em maio de 2024 foi fundamental para alinhar as diferentes perspectivas dos pesquisadores. A produção de moradia precisa estar em sintonia com as realidades locais, “o que funciona para o Sul do País pode não ser adequado para o Norte, e vice-versa”, ressalta ela, pontuando que a diversidade regional do Brasil demanda políticas habitacionais igualmente diversas.

Um dos objetivos futuros do INCT é criar uma plataforma interativa que espacialize os territórios estudados, facilitando a visualização das áreas analisadas pelos pesquisadores. “Estamos trabalhando na elaboração dessa ferramenta, que deverá integrar dados de diversas fontes, como o IBGE e outras instituições públicas, para criar um panorama mais claro das necessidades habitacionais do País”, explica. A expectativa é que essa plataforma seja desenvolvida ao longo dos próximos anos, com a participação ativa de novos pesquisadores e novas oficinas metodológicas.

Sobre as próximas etapas, a docente confirma que mais seminários e publicações estão previstos. “Esse momento do livreto marcou a primeira grande reunião do grupo. Agora, vamos trabalhar com algumas oficinas, construindo e articulando as metodologias dos diversos grupos, e assim continuaremos o trabalho”, finaliza. 

Para conferir o Caderno do 1º Seminário de Trabalho: Produção da Casa e da Cidade no Brasil Contemporâneo clique aqui. Mais informações no site https://www.labhab.fau.usp.br/inct.

Minha Casa, Minha Vida – Entidades

O Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades (MCMV-Entidades), instituído pela Lei nº 14.620 de 2023, apoia a produção social de moradias com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). Ele é voltado para famílias com renda bruta mensal limitada a R$ 2.640,00, organizadas por entidades privadas sem fins lucrativos. O MCMV-Entidades incentiva a autogestão, na qual as famílias organizadas gerenciam o processo de produção habitacional, ampliando o controle social e promovendo o protagonismo popular na solução dos problemas habitacionais (Fonte: Ministério das Cidades).


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