Luana Cortiz (Sociais), caloura, durante a Recepção aos Calouros 2019 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) - Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

Programa de acolhimento na USP auxilia aluno cotista na permanência e conclusão de estudos

Criado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, o Paeco acaba de lançar um podcast contando trajetórias afirmativas, além de um edital para seleção de estagiários

 02/06/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 12/08/2022 as 11:33

Tabita Said

O Programa de Acolhimento aos Estudantes Cotistas (Paeco) foi criado em 2018 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP como um espaço de pesquisa, acolhimento e atividades de permanência estudantil. Nascido na maior unidade de ensino da USP em número de estudantes, a FFLCH é tradicionalmente uma das portas da Universidade que mais recebem estudantes provenientes de escolas públicas, em especial grupos minoritários definidos pela Lei de Cotas como PPI – pretos, pardos e indígenas.

Conjugando estudos e atividades relacionadas à inclusão social e racial nas universidades brasileiras, o Paeco está focado em promover a interlocução entre várias instâncias. “A ideia não é segregar, pelo contrário; é criar portas, pontes e conexões com a instituição, com o corpo docente, com os funcionários e os demais alunos da Universidade”, explica a coordenadora do programa, Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

“O perfil dos estudantes da USP mudou, e é preciso que haja espaços para reflexão, acolhimento e encontro. Renovamos a equipe periodicamente, mas tudo o que fazemos é pensado coletivamente a partir da escuta desses alunos”, afirma a coordenadora e lembra que nem todos os membros são cotistas. A socióloga define o Paeco como espaço de diálogo, pelas vias da pesquisa e da extensão.

Um diálogo que seja capaz de criar parâmetros para uma nova realidade institucional e que levou para a agenda de gestão a preocupação com as condições básicas da vida universitária dos estudantes cotistas, reforça o vice-coordenador do Paeco, Murillo Marschner. “Não acho que seja acaso que uma iniciativa desse tipo tenha tido origem na FFLCH, que é uma unidade que tem uma sensibilidade particular para a temática, de uma forma geral. Do ponto de vista da produção de conhecimento, mas também do ponto de vista do trabalho pedagógico”, diz Marschner.

O perfil dos estudantes da USP mudou, e é preciso que haja espaços para reflexão"

Marcia Lima

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Márcia Lima e Murillo Marschner coordenam o Programa de Acolhimento aos Estudantes Cotistas da FFLCH - Fotos: Reprodução Lattes e FFLCH

Trajetórias Afirmativas

Lançado no dia 31 de maio, o podcast Trajetórias Afirmativas conta a história e entrevista pessoas do mundo acadêmico que integram segmentos sociais historicamente marginalizados do ensino superior. Os episódios devem ser lançados quinzenalmente. A primeira entrevista já está disponível nos principais agregadores, e conta a atuação de Keilla Vila Flor, ativista e historiadora formada pela Universidade de Brasília. (Ouça no player acima)

Aperte o SAP

No ano passado, o grupo reuniu estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da FFLCH e criou o Aperte o SAP, um guia das siglas mais usadas na USP para localizar os calouros. Voltado para cotistas, o material também indica recomendações gerais para a qualidade de vida dos alunos, com informações sobre transporte, moradia, alimentação, bolsas e programas de permanência estudantil e formação. (Clique aqui para ler)

Para continuar a produção de conhecimento sobre permanência dos estudantes cotistas na Universidade, o programa abriu um edital de seleção para contratar sete estagiários. Os candidatos devem enviar currículo, carta de intenção e histórico escolar para o e-mail paeco@usp.br

Acesso ao ensino superior

Em 2015, a USP tomou a histórica decisão de adotar a reserva de vagas como política afirmativa para o ingresso de estudantes. Desde 1976, o acesso aos cursos de graduação da USP dependia exclusivamente de seleção realizada pelo vestibular da Fuvest. Com a participação no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), 32 das 42 unidades de ensino e pesquisa da Universidade aderiram também a esta modalidade de ingresso, que levou 1.489 novos estudantes à USP no primeiro ano de adesão, além daqueles que ingressaram pelo vestibular tradicional.

No vestibular de 2022, o número dobrou: foram 2.936 vagas oferecidas pela Universidade pela modalidade do Sisu, voltado a qualquer candidato participante do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Neste processo, concorrem ainda estudantes de escola pública e autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Os assuntos de diversidade e inclusão englobam uma série de demandas que são novidade no cenário institucional, mas fazem parte de um movimento mais amplo no sistema de educação superior do Brasil – como o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão, na Universidade Federal de Minas Gerais, a Diretoria de Acessibilidade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e a Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – para citar algumas. O vice-coordenador do Paeco acredita que este seja um sinal de que a Universidade tem se mostrado sensível à complexidade da diversidade presente na vida acadêmica. “Promover ações de nivelamento e tutoria é um caminho possível; assistência estudantil também é importante e o Paeco está no meio do caminho, entre essas coisas. Ele foi a expressão de um consenso que atingiu o nível da Unidade, mas há variabilidade a respeito dessas condições entre pessoas de um mesmo curso, entre unidades. Essas questões não são exclusivas.”

Na FFLCH, são ministrados os cursos de graduação em História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia e Letras. Cursos que já lidavam com proporções mais altas de estudantes com um perfil similar ao de ingressantes provenientes de cotas, mas que tiveram este acesso institucionalizado, fundamentalmente, a partir de 2019, quando a Fuvest passou a adotar a mesma proporção de vagas do Sisu. Das 8.211 vagas oferecidas pela Fuvest este ano, 1.088 foram reservadas a candidatos pretos, pardos e indígenas, egressos de escolas públicas.

De acordo com Marschner, a proporção de estudantes com esse perfil socioeconômico vem se acentuando. O cientista social e professor do Departamento de Sociologia acredita que a FFLCH sempre pensou a questão das cotas para além da afinidade com o tema nas pesquisas. “A gente sempre teve um olhar mais sensível para a questão da transformação da sociedade e do perfil do alunado, com a intenção de promover a democratização do acesso e de contribuir com a incorporação desse segmento da população estudantil na nossa unidade”.

Atuais estudantes que integram o Paeco, Elaine e Antônio vêm do curso de Ciências Sociais. Já Livia é estudante do curso de Geografia. O grupo deve contar com outros sete estudantes após processo seletivo - Fotos: arquivo pessoal

Para consolidar a formação do grupo, o Paeco deve fortalecer a dimensão propriamente acadêmica por meio de grupos de leitura, discussões e atividades de pesquisa. A proposta é contribuir para o aumento de dados e publicações sobre o tema e de que maneira ele se relaciona com a realidade social do País. “Uma das coisas que pretendemos fazer este ano é desenvolver uma pesquisa sobre o ingresso destes estudantes na USP. Ainda temos poucos dados, já que a USP deixa a critério de cada curso a escolha sobre o uso do Sisu ou se reserva vagas também na Fuvest. Talvez essa divisão das vagas aumente a dificuldade para entrar e a competitividade. Isso será nosso tema de pesquisa, junto com o professor Marschner e com o apoio da nova Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento”, conta a coordenadora. Márcia afirma que o estudo deverá identificar como e quais têm sido os processos de inclusão espalhados pela Universidade. “É sobre isso que queremos nos debruçar, com a recomposição dos alunos a partir deste novo edital.”

Entre os especialistas, há um consenso sobre a importância da permanência estudantil, sobretudo em como certas desigualdades sociais que antecedem a vida universitária se impõem à conclusão dos estudos. “Então, para nós é mais evidente que essas condições são desiguais, dependendo do perfil socioeconômico da pessoa que ingressa. Tem uma série de fenômenos associados à escolarização de nível superior e de certos setores sociais na universidade pública para os quais a gente entende, e a tradição de pesquisas na área de ciências sociais, de onde eu provenho, demonstra que isso é uma característica histórica do sistema de educação superior no Brasil”, aponta Marschner.


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