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Quando se fala em racismo, a primeira imagem que costuma vir à mente de muita gente é a de um ato explícito de descriminação — por exemplo, de uma pessoa negra sendo xingada, agredida, revistada ou impedida de entrar em algum lugar em função da sua cor. Isso acontece com frequência, e é crime, mas o racismo vai muito além disso. A raiz do problema está nas construções sociais que dão origem a essas manifestações: o chamado “racismo estrutural”.
“A ideia de racismo estrutural é que nós transcendemos essa visão, essa experiência mais imediata, mais concreta, para pensar no que sustenta esse tipo de comportamento”, disse o professor Dennis de Oliveira, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, em sua participação na última edição do USP Talks, realizada em 29 de junho. Veja os vídeos do evento abaixo. “Quando a gente fica preso apenas a uma visão comportamental do racismo, a gente corre o risco de entender essa atitude preconceituosa racista como uma deformação de comportamental (…), mas não é só isso”, completou o professor.
Oliveira ressaltou que o racismo não desapareceu com a abolição da escravatura; foi apenas reconfigurado ao longo do tempo, e continua presente até os dias atuais, caracterizado por uma concepção de que “o lugar do negro na sociedade é sempre o lugar da exclusão”. Para ilustrar isso, ele usou vários acontecimentos recentes, entre eles o caso do jogador de futebol brasileiro Vinícius Júnior, do Real Madrid, que ousou expor e se levantar contra o racismo estrutural no futebol.
“A gente normalizou a precarização das vidas negras”, disse a professora Adriana Alves, do Instituto de Geociências da USP, que dividiu o palco com Oliveira no evento. “Essa estrutura existe porque ela é pensada, gerida e mantida por quem faz as regras. Não é por acaso, não é porque as fichas caíram nos lugares errados. É porque lá atrás já se plantou, como o Dennis bem colocou, a ideia de uma superioridade branca que abarca a mente de todo mundo aqui, o tempo inteiro.”
“Vejam que há uma série de mecanismos impetrados pela branquitude, pensados pela branquitude, colocados em movimento pela branquitude, para manter as coisas exatamente como elas estão”, pontuou Alves, conclamando todos os não negros a “reconhecer o racista que existe em vocês”. “Eu não estou falando daquele racista que aponta o dedo, que xinga; eu estou falando daquele racista que, do seu lugar de privilégio, de detentor de poder para tomar decisões, escolhe deliberadamente não dar espaço aos não brancos.”
Ela lembrou a importância da adoção de cotas para a promoção da inclusão racial no corpo discente das universidades públicas, e lamentou que os mesmos argumentos de natureza racista que foram levantados contra essas políticas de cotas para alunos no passado estejam sendo repetidos, agora, para criticar a adoção de cotas para a contratação de docentes na USP.
O evento, realizado no auditório do Instituto Moreira Salles, em São Paulo, foi mediado pelo repórter Herton Escobar e pelo editor de Diversidade do Jornal da USP, Antonio Carlos Quinto.
Clique no player abaixo e confira o vídeo do debate e, na sequência, a apresentação de Adriana Alves e de Denis de Oliveira:
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O USP Talks é uma iniciativa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) da USP, lançada em 2016, com a proposta de aproximar a Universidade da sociedade por meio de eventos presenciais em que especialistas discutem temas importantes do noticiário nacional. Os vídeos de todos os eventos estão disponíveis no YouTube, no canal do USP Talks e no Canal USP.