Museu do Ipiranga: um prédio secular que projeta acessibilidade e inclusão

Patrimônio histórico brasileiro, Museu do Ipiranga reabriu no início do mês com vários recursos de acessibilidade e inclusão para atender um público amplo; objetivo é promover a diversidade e a coexistência das experiências

 22/09/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 19/10/2022 as 18:11

Texto: Maria Fernanda Barros
Diagramação: Gabriele Koga e Maria Fernanda Barros

Inclusão social é um direito previsto pela legislação brasileira, mas nem sempre é efetivado para as pessoas com deficiência (PcD). O Novo Museu do Ipiranga, que acaba de reabrir para o público após nove anos fechado e uma ampla restauração, caminha em direção à concretude desta lei. A proposta é garantir a democratização da cultura e da ciência, a partir de um direcionamento anticapacitista. Foram incorporados diferentes tipos de linguagem e estrutura nos espaços da instituição — dentre as inovações da reforma, o comprometimento com a acessibilidade é perceptível em todos os ambientes do local.

Para elaborar os recursos de acessibilidade e inclusão, o museu consultou profissionais de acessibilidade e pessoas com deficiência para a avaliação do projeto, afirma Isabela Arruda, educadora e supervisora de Serviço Técnico-Científico da instituição. Ela também explica que houve a “etapa de escutas”, quando a organização do museu contatou 20 grupos sociais diferentes: “Nesses 20 perfis, tivemos pessoas com deficiência auditiva e intérpretes de Libras; pessoas com deficiência visual; um grupo composto por pessoas que fazem uso de serviços de saúde mental e um grupo de pessoas autistas”. Além disso, Isabela cita que professores, guias de turismo, crianças e integrantes do movimento negro e indígena também participaram desta etapa.

“São mais de 3.700 unidades de acervos expostos, 333 objetos multissensoriais, 70 audiovisuais; fizemos um investimento muito grande em acessibilidade. Não é só fisicamente acessível, é acessível cognitivamente”, conta Vânia Carneiro de Carvalho, historiadora e professora do museu. Foi construído um projeto de diversidade na instituição, em que a convivência entre corpos distintos é um aspecto central. O acesso de PcD ao acervo não é isolado dos demais, pelo contrário, todas as pessoas entram pela mesma porta, há piso podotátil, rampa e elevador ao longo da exposição, e toda a coletânea possui uma abordagem multiformato. O trabalho de acessibilidade também conta com Denise Peixoto, educadora que esteve à frente da organização dos recursos multissensoriais. 

Era uma premissa do projeto que o Museu do Ipiranga fosse acessível. Foi um desafio tornar um prédio do século 19 um museu acessível. Mas a proposta dos arquitetos foi, justamente, a de fazer isso sem nenhuma intervenção que alterasse essa monumentalidade do edifício.”

Solange Ferraz de Lima, historiadora e professora do Museu do Ipiranga, foi diretora de 2016 a 2020

Não deve existir nenhum tipo de hierarquia entre os diferentes tipos de comunicação — são todas igualmente relevantes. Por isso, a modernização do museu não trata as diferentes linguagens utilizadas pelas pessoas com deficiência como subalternas ou inferiores, explica a educadora Vânia: “Se a pessoa sem deficiência quiser ver uma tela sem Libras e sem legendas, ela que vai ter que apertar um botão. A lógica foi invertida para que as pessoas possam entender o espaço do museu como um espaço de convivência da diversidade”. Segundo ela, o grande propósito foi promover a coexistência das experiências, partindo das diferenças.

Entenda essa diversidade comunicativa e como ela é representada no Novo Museu do Ipiranga:

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Libras e legendagem

Todos os conteúdos audiovisuais do Novo Museu do Ipiranga são acompanhados por Libras e por legendas, para incluir as pessoas com deficiência auditiva. Na imagem, por exemplo, uma das mesas interativas do museu apresenta uma pessoa utilizando a Linguagem Brasileira de Sinais para explicar o conteúdo.

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Braile

O sistema braile também está presente no Museu. Todos os materiais para leitura possuem versão em braile para possibilitar o entendimento das pessoas com deficiência visual. É possível ver esse recurso na imagem a seguir: a réplica tátil da pintura Dona Leopoldina de Habsburgo e Seus Filhos, de Domênico Failutti, tem ao lado da obra uma descrição em braile. 

3

Audioguia

O Museu do Ipiranga disponibiliza propostas de direcionamento da visita, dentre elas, os audioguias, um sistema de guiagem que descreve e explica o passeio turístico. O audioguia com recursos de acessibilidade (audiodescrição, Libras e inglês) é acessado por meio de um programa, que pode ser baixado no celular. Caso o visitante não possua o aparelho eletrônico, há a possibilidade de retirar um tablet na bilheteria.

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Audiodescrição: #PraCegoVer

A audiodescrição traduz em palavras tudo aquilo que é essencialmente visual. Com uma linguagem descritiva, clara e concisa, permite que pessoas com deficiência acessem os conteúdos visuais de forma audível. A presença desse recurso é indispensável no museu, já que viabiliza a compreensão de imagens pelas pessoas com deficiência visual.

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Impressão em fonte ampliada e com alto contraste

Esse recurso garante acessibilidade àqueles com dificuldade na leitura, por exemplo, quem possui dislexia ou baixa visão. A fonte ampliada e o alto contraste facilitam a legibilidade dos textos expostos.

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Piso podotátil

O piso podotátil está ao longo de toda a trajetória do Museu. Ele permite uma circulação segura de pessoas com deficiência visual por meio do estímulo tátil.

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Recursos multissensoriais

A curadoria do Museu buscou estimular os cinco sentidos dos visitantes. Existem 333 objetos multissensoriais: foram desenvolvidas réplicas originais das obras expostas, que podem ser manipuladas pelo público, além de salas com recursos olfativos, algo pouco explorado pelos museus.
A professora Vânia explica: “Se trata de cheiros. Por exemplo, na sala relacionada ao feminino tem cheiro de perfume, jasmin; na sala de instrumentos de cozinha tem cheiro de lenha queimada”

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Elevadores, rampas e banheiro acessível

As escadas podem ser um elemento excludente para quem possui mobilidade reduzida, por isso, o museu dispõe de elevadores e rampas para garantir a acessibilidade. Além desses itens, o museu também possui uma plataforma elevatória para viabilizar o acesso de pessoas com deficiência física ao mirante e banheiros acessíveis.

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Escrita simplificada

A escrita simplificada é uma forma reduzida e simples de explicar os conteúdos apresentados. Nas salas, as informações são apresentadas de forma objetiva e inseridas em um design atrativo e convidativo. Imagens e símbolos gráficos também auxiliam na compreensão de pessoas com dificuldade de se comunicar por meio de textos.

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Redução de estímulos visuais

Nos conteúdos audiovisuais, o Museu do Ipiranga buscou não utilizar elementos com quantidade elevada de estímulos visuais, como os que piscam muito ou os que possuem luz intensa. A elevada luminosidade pode sobrecarregar a visão das pessoas autistas, e assim prejudicar sua experiência no museu.

Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens e Divulgação/Museu do Ipiranga

Para saber mais sobre acessibilidade e inclusão no Museu do Ipiranga, clique no player abaixo:

O Museu do Ipiranga está aberto ao público de terça a domingo, das 12h às 18h. As visitas podem ser feitas gratuitamente (até o dia 6 de novembro), após agendamento prévio às sextas-feiras, a partir das 10 horas, no site www.museudoipiranga.org.br 

Endereço: Rua dos Patriotas, 20, Parque da Independência – São Paulo/SP 


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