Morre aos 96 anos Delfim Netto, o ministro do “milagre econômico” dos anos de 1970

Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, exerceu uma longa carreira acadêmica e foi Ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, dirigindo a economia brasileira no regime militar

 12/08/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 15/08/2024 às 15:23

Delfim Netto – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil, CC BY 3.0 br, Wikimedia Commons 

Antonio Delfim Netto, Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, faleceu, nesta segunda (12), aos 96 anos de idade. Nos três últimos cargos acima citados, teve profunda e decisiva influência nos destinos da economia brasileira durante os governos dos presidentes Emílio Garrastazu Médici e João Figueiredo, nos anos dos regimes militares. Além desses cargos, foi secretário da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo, embaixador na França e deputado federal. Em 1959, também ocupou uma das cadeiras de docente da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.

Nascido em 1928, em São Paulo, Delfim Netto era descendente de imigrantes italianos. Segundo a FEA, estudou no Liceu Siqueira Campos, no Cambuci, e, em 1948, ingressou na USP como aluno de Ciências Econômicas da terceira turma de estudantes da então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA). Durante os anos de estudante universitário, foi presidente do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC).

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Em 2009, durante a inauguração da Sala Delfim Netto na FEA, o jornal interno da unidade descreveu sua história na faculdade e na administração pública brasileira:

Com graduação em economia pela então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA) da USP, a partir de 1952 começa a exercer função de professor desta casa. Em 1959, torna-se professor livre-docente com a tese “O problema do café no Brasil”, que é um clássico da literatura econômica brasileira. Recebeu, em 1963, o título de professor catedrático de Teoria do Desenvolvimento Econômico com o estudo “Alguns problemas do planejamento para o desenvolvimento econômico”.

No início dos anos 1960, além do cargo de professor na faculdade, desenvolveu trabalhos junto à administração pública estadual e federal e, durante mais de dois anos, liderou os famosos seminários de teoria econômica e economia brasileira na faculdade, verdadeira pós-graduação para vários ex-alunos e professores, muitos dos quais viriam a constituir sua equipe nos cargos que viria a assumir. A projeção acadêmica e profissional fornece a base pela qual, em 1966, deu início a uma nova fase de sua vida, galgando os mais importantes postos dentro da administração pública. Nesse ano, foi nomeado secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Já no ano seguinte, em 1967, assumiu a função de ministro da Fazenda. Dirigiu a economia brasileira entre 1967 e 1974, nos governos de Costa e Silva e Médici. O desenvolvimento econômico desse período ficou conhecido como o do “Milagre Econômico”.

Antônio Delfim Netto em 1970 – Foto: Autor Desconhecido/Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional/Domínio público via Wikimedia Commons

Embaixador em Paris

Depois de seu trabalho à frente do Ministério da Fazenda, Delfim foi enviado para a França na condição de embaixador. Permaneceu em Paris de 1975 a 1978. De regresso ao Brasil, seguiu novamente para Brasília e ocupou o cargo de ministro da Agricultura. No mesmo ano de 1979, assumiu o Ministério do Planejamento. Manteve-se nesse ministério até 1985.

Em 1983, na USP, abraçou a Cátedra de Análise Macroeconômica. Quatro anos mais tarde, em 1987, em função de toda sua iniciativa acadêmica e sua experiência profissional, foi homenageado pela faculdade com o título de Professor Emérito.

De 1987 até 2006, Delfim Netto se elegeu seguidas vezes deputado federal. Em 2007, passou o coordenar uma série de seminários dentro do Departamento de Economia da FEA voltados para questões relacionadas tanto com o desenvolvimento da economia brasileira quanto com o desenvolvimento da teoria econômica, além de ser presença constante em debates e na mídia, influenciando a tomada de decisões e o rumo da política e da economia brasileira.

A Assessoria de Imprensa da FEA-USP lembra: 

Em 2011, decidiu doar todo o seu acervo particular de livros à instituição onde estudou e deu aulas por vários anos. Hoje, o acervo compõe a mais completa biblioteca de economia e temas relacionados à área econômica do Brasil: a Biblioteca Delfim Netto. Mas as obras ali reunidas vão além dessa temática, englobando temas diversos da área de ciências humanas, pela qual o economista tinha grande apreço, como história, antropologia, sociologia, filosofia, tecnologia e meio ambiente. Entre as preciosidades reunidas por Delfim Netto em seu acervo particular, estão diversas edições da obra “A Riqueza das Nações”, escrita pelo “pai da economia moderna”, o escocês Adam Smith, em 1776, além da primeira edição da obra máxima do economista britânico John Maynard Keynes.

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Simão Silber

O professor Delfim foi um dos três grandes economistas que moldaram as mudanças da economia brasileira do século 20: junto com Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen como ministros, houve uma transformação radical da economia brasileira, que passou de um País pobre para um País de classe média. Professor Emérito da USP, aos 37 anos já era alçado ao cargo de ministro da Fazenda. Depois foi ministro do Planejamento e da Agricultura. É considerado o pai do “Milagre Brasileiro”, do início dos anos de 1970, quando o País chegou a ter um crescimento de 14% no ano de 1974.

Carlos Luque

O professor Delfim Netto certamente representa uma das mais importantes personalidades da história recente do Brasil. Durante o período de 1968/73, quando nosso País apresentou elevadas taxas de crescimento do produto interno bruto, taxas tão elevadas que marcaram o período como o “Milagre Econômico”, o professor Delfim era o ministro da Fazenda. Do ponto de vista da sua atuação como professor do Departamento de Economia da FEA-USP, ele certamente representa a personalidade mais ilustre. Ele foi o principal responsável por formar inúmeros economistas que, posteriormente, ao se transformarem em professores, honraram a história do Departamento de Economia. Adicionalmente, ele colocou a profissão dos economistas num papel de destaque para nossa sociedade.

Uma outra característica no decorrer de sua longa existência foi a de estar sempre ligado com todas as questões econômicas do nosso País, mantendo-se sempre muito atualizado, expressando opiniões sempre muito relevantes e destacando o papel da teoria econômica, seus modelos teóricos, mas sempre chamando a atenção para a realidade
e para toda a sua complexidade e não simplesmente submetê-la aos modelos. Por último, destaco seu amor pela FEA-USP, pois, sempre que tínhamos algum problema, havia uma frase muito conhecida: “Vamos falar com o Delfim”.

Maria Dolores Montoya Diaz, diretora da FEA

O legado acadêmico e intelectual do professor Delfim continuará a ser lembrado por todos que tiveram o privilégio de conviver com ele e, também, por aqueles que poderão acessar as obras do seu acervo construído ao longo de mais de oito décadas, disponível na Biblioteca da FEA-USP.


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