Galito (Alectrurus tricolor), pássaro que está na lista dos animais “criticamente em perigo" de extinção e que vive no Cerrado Paulista- Foto: José Carlos Motta-Junior

Livro digital reúne pesquisa e registro fotográfico de aves do Cerrado Paulista

São mais de 900 imagens de 213 espécies encontradas na Estação Ecológica de Itirapina, no interior de São Paulo

09/11/2020

Karina Tarasiuk

O professor e pesquisador José Carlos Motta-Junior, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, em São Paulo, estuda aves desde 1985, quando estava na iniciação científica. O resultado de parte dessa dedicação pode ser conferida no livro Aves e seus Ambientes na Estação Ecológica de Itirapina, SP. Foram mais de dois anos para compilar as informações científicas e fotografias, que contou com a participação de mais oito colaboradores. 

“Em um sentido mais amplo, considerando o trabalho de campo e obtenção de fotos originais, fizemos visitas à unidade de conservação por 22 anos, mas, de maneira mais concentrada e focada em aves, especialmente desde 2007”, comenta Motta-Junior.

Em 316 páginas, é possível apreciar uma profusão de cores e beleza de aves, muitas ameaçadas de extinção, como o galito (Alectrurus tricolor), que ilustra a capa do livro e está na lista dos animais “criticamente em perigo” no Estado de São Paulo. 

“A destruição e a simples alteração dos hábitats naturais são algumas das principais causas [da ameaça de extinção]. A redução de áreas naturais pelo desmatamento ou sua utilização para pasto, no caso das fisionomias de campos limpos e campos sujos, inviabiliza a manutenção de populações estáveis de aves exclusivas desses hábitats”, explica o pesquisador.

Outras causas de desaparecimento ou redução populacional de algumas aves são a caça ilegal, como no caso de perdizes, codornas e aves de rapina, e o tráfico ilegal de papagaios e pássaros de canto apreciado, que se tornam animais de estimação.

"Cabana móvel" para captura das fotos - Foto: Arquivo pessoal

Um dos últimos remanescentes de campo limpo natural no Estado (vegetação típica do Cerrado, com raros arbustos e ausência completa de árvores) fica na Estação Ecológica (EEcI) localizada na cidade de Itirapina. Foi lá que os pesquisadores realizaram os estudos e trabalhos fotográficos que compõem o livro. 

São apresentadas 967 fotos originais de 213 espécies de aves. As imagens são acompanhadas de textos resumidos ou “fichas” para cada espécie, trazendo informações básicas da história natural de cada ave. Entre as páginas 149 e 173, há boxes de textos explicativos sobre algumas curiosidades da vida das aves.

Algumas curiosidades sobre as aves

Preening ou autolimpeza

As aves apresentam cuidados corporais de manutenção das penas, as quais apresentam funções como voo, isolamento térmico e reconhecimento social. O preening, termo em inglês para a autolimpeza das penas, é uma das principais formas para esse cuidado. Envolve o uso do bico ou dos pés para reposicionar as penas, além da utilização de uma substância oleosa produzida por uma glândula uropigial, encontrada na base da cauda. Algumas aves gastam quase 10% do seu dia com essa manutenção corporal.

Membrana nictante

É uma película normalmente fina e translúcida encontrada entre as pálpebras inferior e superior e o globo ocular. Está presente em todos os vertebrados e é chamada de “terceira pálpebra”. Ao contrário das pálpebras comuns, abre e fecha horizontalmente, e é bastante móvel e desenvolvida nas aves. Sua função principal é proteger o globo ocular: evita o ressecamento da superfície, protege contra pingos de chuva e evita ferimentos nos olhos caso a ave esteja procurando alimentos em superfícies pontiagudas.

Dietas variadas

As dietas das aves são bem variadas. Existem as onívoras, que comem alimentos vegetais e animais, geralmente pequenos artrópodes – é o caso de sabiás e bem-te-vis. Os carnívoros são predadores de vertebrados tetrápodes (anfíbios, mamíferos, répteis e aves), como gaviões, falcões e corujas. Também existem aves que se alimentam de peixes, como garças; insetos, é o caso das andorinhas; frutos; sementes, como o periquito; folhas e flores; néctar, como beija-flores; e organismos mortos ou em decomposição – é o caso dos urubus.

Fotos retiradas do livro Aves e seus Ambientes na Estação Ecológica de Itirapina, em São Paulo

A importância das aves no ecossistema

As aves ocupam praticamente toda a gama de ambientes terrestres e aquáticos do domínio do Cerrado, o qual inclui não apenas o bioma, mas também matas ribeirinhas, matas secas e outros ambientes que não fazem parte do Cerrado. Com base nas compilações na literatura, o professor conta que há pelo menos 856 espécies de aves registradas para o Domínio do Cerrado Brasileiro. Apenas na Estação Ecológica de Itirapina, a equipe registrou 270. 

“Essa ampla diversidade de espécies desempenha papéis fundamentais ao ambiente, dentre os quais consumo e controle de invertebrados – insetos em especial – e pequenos vertebrados como roedores; dispersão de sementes e disseminação de plantas; e polinização de flores, facilitando a fertilização e a formação de frutos”, ressalta Motta-Junior. 

O professor completa sobre a relevância das aves ao ecossistema: “Não menos importante é a utilização do monitoramento de populações de aves como indicadoras ambientais, pois são fáceis de observar e registrar. Como usam praticamente todos os hábitats e micro-hábitats, o desaparecimento de algumas espécies indicadoras, como gaviões de grande porte, pode mostrar que algo está errado naquele local.”

Páginas do livro Aves e seus Ambientes na Estação Ecológica de Itirapina, em São Paulo [clique na imagem para o livro] - Fotos: Reprodução

Busarellus nigricollis (gavião-belo) -
Foto: Vlamir Rocha

Amazilia lactea (beija-flor-de-peito-azul) -
Foto: José Carlos Motta-Junior

Platalea ajaja (colhereiro) -
Foto: Anna Caroline Ritter

Myiothlypis (=Basileuterus) flaveola (pula-pula-amarelo)
Foto: José Carlos Motta-Junior

Synallaxis ruficapilla (pichororé)
Foto: José Carlos Motta-Junior

Anhima cornuta (anhuma) -
Foto: José Carlos Motta-Junior

Par Caracara plancus (carcará)-
Foto: José Carlos Motta-Junior

Nannopterum (=Phalacrocorax) brasilianus (biguá)
Foto: José Carlos Motta-Junior

Lepidocolaptes angustirostris (arapaçu-do-cerrado)
Foto: José Carlos Motta-Junior

“Conhecer para preservar”

Uma das intenções do livro é mostrar a necessidade de estudar e ler sobre aves para garantir sua preservação. Motta-Junior resume esse objetivo com um velho ditado: “Conhecer para preservar”. Ele conta que as pessoas em geral têm pouco ou nenhum acesso às áreas naturais, visto que 85% da população brasileira vive nas cidades, segundo o censo do IBGE de 2015. Muitas vezes, ironicamente conhecem mais a fauna africana ou norte-americana do que aquela do próprio país, já que a maioria dos documentários na TV trata dessas regiões. 

“Conhecendo ao menos um pouco mais a grande diversidade e beleza de ambientes e espécies da fauna e flora do seu próprio país, ou melhor, de sua região, certamente pode ser o início da conscientização das pessoas sobre o valor desse patrimônio natural que deve ser preservado e apreciado”.

O livro se encontra disponível no seguinte link: http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/535