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Equipe e bolsistas do Nova Rota - Foto: Divulgação/Nova Rota
Ex-alunos da USP oferecem educação como novo caminho para quem saiu da prisão
Formados na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, criaram o projeto Nova Rota de apoio a egressos do sistema carcerário; iniciativa recebe doações
14/06/2021
Karina Tarasiuk
O Brasil é um dos países com maior população carcerária do mundo, com cerca de 700 mil pessoas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Também é um dos países com maior desigualdade social. E esses dois índices não são coincidência. Quando uma pessoa sai da prisão, é muito difícil a reintegração à sociedade. A estigmatização, o preconceito e, muitas vezes, a falta de capacitação profissional dificultam a busca por um novo emprego, por uma nova vida.
Audrey, Camila e Cristiano são exemplos dessa dificuldade de reinserção social. Ao sair da prisão, cada um, a seu modo, encontrou obstáculos para seguir a vida longe do crime. Mas tiveram uma nova chance através da educação. Hoje, são universitários. Audrey cursa Educação Física; Camila, Assistência Social; e Cristiano, Tecnologia em Logística.
Os três são bolsistas do Nova Rota, uma iniciativa sem fins lucrativos que oferece bolsas de estudo a pessoas egressas do sistema carcerário. O projeto surgiu de um desejo dos advogados Leandro Félix e Vitor Jardim Barbosa de mudar a realidade de ex-presidiários. Eles eram colegas na Faculdade de Direito (FD) da USP, em São Paulo, quando perceberam que viviam em um país com oportunidades escassas para pessoas egressas do sistema carcerário. E vislumbraram no Nova Rota a chance de fazer algo, que nasceu no final de 2019 e se concretizou no início de 2020.
A organização não governamental de apoio à educação, além das bolsas de estudo, oferece também mentoria, acompanhamento psicológico e apoio multidisciplinar. Entre as bolsas de estudos financiadas, existem oportunidades para cursos profissionalizantes, técnicos, de idiomas, de graduação e até preparatórios para o vestibular.
Leandro Félix e Vitor Jardim Barbosa, criadores do Projeto Nova Rota - Foto: Divulgação/Nova Rota
O Nova Rota possui atualmente nove bolsistas, que realizam cursos técnicos e universitários, uma psicóloga supervisora contratada e cerca de 50 pessoas voluntárias, entre elas profissionais de psicologia responsáveis pelo acompanhamento individual. Além disso, o projeto também auxilia uma ex-bolsista, que concluiu um curso profissionalizante.
Cada bolsista é acompanhado por dois voluntários, que mantêm contato constante via Whatsapp e realizam encontros a cada dois ou três meses. De acordo com Vitor, a relação entre bolsistas e voluntários é uma troca de experiências. Ao mesmo tempo que os mentores formam uma rede de apoio para as pessoas egressas, obtêm aprendizado e conhecimento de uma realidade muito diferente, a realidade do sistema carcerário.
A seleção é feita por meio de um processo seletivo, realizado duas vezes ao ano, que convida egressos do sistema carcerário a tentar uma bolsa de estudos. Além das mentorias e do atendimento psicológico, o projeto oferece apoio financeiro para alimentação e transporte. Toda a equipe fica à disposição do bolsista para qualquer tipo de suporte.
Cristiano Alves Rosa tem 46 anos e é estudante de Tecnologia em Logística. Ele encontrou bastante dificuldade ao sair do presídio mas acredita que o estudo pode ajudá-lo a alcançar seus objetivos. Ao receber o apoio do Nova Rota, sentiu que novas portas estavam se abrindo e viu uma segunda chance. Para Cristiano, não é só a sua vida que está mudando, mas a de todas as pessoas beneficiadas pelo projeto, que sairão das estatísticas de reincidência na prisão.
Cristiano Alves Rosa, 46 anos, bolsista do projeto Nova Rota, e a esposa Cris - Foto: Divulgação/Nova Rota
Os bolsistas realizam cursos em diversas áreas profissionais, como enfermagem, administração, logística e assistência social. Embora sejam apenas nove pessoas que recebem benefícios diretos do projeto, toda a família e rede de amizades é beneficiada indiretamente, o que mostra a importância dessas ações.
No ano passado, por exemplo, foi realizado um evento de debates próximo às eleições municipais. O tema foi Direito de Voto, Cidadania e Cumprimento de Pena. “O debate foi uma maneira de engajar a sociedade civil cada vez mais no tema, gerar maior conscientização e quebra de paradigmas, além de ser um espaço importante para que a pessoa egressa tenha voz, protagonismo e possa interagir com outros agentes de nossa sociedade”, conta Daniela Altenfelder, uma das coordenadoras do projeto e formada em Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
O Nova Rota realiza parcerias com outras organizações, como o Instituto Recomeçar e o Instituto Responsa, que têm atuação mais focada no mercado de trabalho. Entre as trocas dos projetos, há indicações de pessoas que podem se tornar bolsistas. A organização também firmou uma parceria com a faculdade Estácio de Sá, que oferece bolsas de estudos para os selecionados.
O grupo está próximo de celebrar uma parceria com o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), que atua em políticas públicas para ressocialização de pessoas em situação de cárcere. O início das atividades está previsto para o segundo semestre deste ano.
Reunião dos integrantes do Nova Rota com representantes do Governo do Estado de São Paulo - Foto: Divulgação/Nova Rota
Camila Felizardo, 30 anos, é outra bolsista do projeto. Ela cursa Assistência Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e se tornou liderança nas pautas relacionadas ao sistema carcerário e feminismo. Camila conta que o apoio do projeto é muito importante para a sua trajetória. A coordenação dos mentores e a terapia semanal são de grande ajuda.
Camila Felizardo, 30 anos, bolsista do projeto Nova Rota - Foto: Divulgação/Nova Rota
O projeto foi inspirado no educador Paulo Freire, que influenciou o movimento da pedagogia crítica e participou de projetos de educação popular, uma educação que transcende os conceitos formais e visa a uma evolução horizontal, na qual todas as pessoas envolvidas podem se emancipar.
“Ele traz a ideia de que grupos oprimidos tomem consciência da sua situação por conta própria e, através de ferramentas de autonomia, consigam tomar consciência e transcender essa situação de vulnerabilidade e acessar outras pessoas, de forma a mudar o cenário social”, explica Katherine Martins, uma das coordenadoras do projeto e formada em Direito pela USP.
Ela ainda conta que não é só Freire que influencia o projeto, mas a própria dinâmica da sociedade contemporânea, que “valoriza a existência da pessoa no meio social através do papel de cidadão e da ocupação de papéis sociais específicos, embasados em padrões. A educação formal, a capacitação profissional, o exercício de uma atividade profissional, de alguma forma, são um parâmetro de valorização e reconhecimento pessoal na sociedade”.
Daniela Altenfelder e Katherine Martins, coordenadoras do Nova Rota - Foto: Divulgação/NR
Audrey Baz Cunhana tem 28 anos e estuda Educação Física, graduação auxiliada pela Nova Rota. Após a experiência difícil na prisão, mantém-se otimista e pretende criar um time de futebol para crianças em situação de rua. Será uma forma de levar as crianças a um bom caminho, e acolhê-las através do esporte.
Audrey Baz Cunhana, 28 anos, bolsista do projeto Nova Rota - Foto: Divulgação/Nova Rota
O principal meio de obtenção de recursos para o Nova Rota são iniciativas anuais de campanhas de doações em plataformas de crowdfunding. Além disso, o projeto se inscreveu em editais para captação de recursos para o terceiro setor e está aberto ao recebimento de doações de empresas e organizações não governamentais.
No primeiro ano de campanha, em 2020, foi possível chegar a mais de 100 doações por plataformas colaborativas em menos de um mês. No ano passado, o Nova Rota foi vencedor de uma campanha de apoio a instituições sociais realizada pelo escritório Stocche Forbes Advogados, o que resultou em uma doação relevante para o projeto em 2021.
Para saber mais, acesse:
Site:
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