Detetive climático traz atividades para professores e estudantes se tornarem agentes de mudança

Projeto de educação para ação climática da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP desenvolve kit didático para que estudantes percebam as mudanças do clima em suas comunidades e possam atuar como agentes transformadores da realidade local

 Publicado: 24/07/2024

Texto: Thais Helena Santos

Crianças participantes do projeto Detetive Climático na cidade de Eldorado, em São Paulo - Foto: Divulgação/ NOSS EACH USP

Uma atividade didática sobre estações do ano realizada em uma escola na zona rural do Vale do Ribeira, no sudoeste de São Paulo, buscou entender como as crianças e adolescentes percebem as mudanças climáticas em sua comunidade. As referências utilizadas em desenhos, como bonecos de neve para representar o inverno, evidenciaram a necessidade de discutir como aproximar as questões do clima à realidade local para que os estudantes pudessem se tornar agentes de mudança.

“Percebemos que os professores têm dificuldade em abordar o tema das mudanças climáticas em sala de aula por acharem um tema complexo e os alunos têm referências que vêm da mídia e que não correspondem à sua realidade”, explica Sylmara Gonçalves Dias, professora e pesquisadora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e líder do Núcleo de Pesquisa em Organizações, Sociedade e Sustentatibilidade (NOSS). “Ao final da atividade, com debate entre professores e alunos, chegamos à conclusão que as estações do ano eram marcadas naquela região pela mudança de cor do rio”.

A pesquisadora coordena o Projeto de Pesquisa Participativa em Ação: Educação para Justiça Climática no Vale do Ribeira, realizado pelo grupo da EACH em colaboração com a iniciativa internacional Climate-U: : Transforming Universities for a Changing Climate, implementada no Brasil em parceria com o Incline USP, programas voltados para universidades e formação de líderes para enfrentar desafios relacionados às mudanças climáticas. O projeto também conta com a parceria da University College London (UCL), da Inglaterra, e foi aplicado como projeto piloto em duas escolas rurais: a Escola Estadual Maria das Dores, que fica no Distrito de Itapiuna, em Eldorado, e a Escola Municipal de Castelhanos, em Iporanga, ambas no Vale do Ribeira, em São Paulo.

Para trabalhar o tema na escola, foi desenvolvido um kit didático chamado Detetive Climático, constituído por três materiais educacionais, que foram construídos a partir da participação e colaboração das comunidades escolares: um curso de difusão de conhecimento para educadores distribuído gratuitamente por meio digital e duas publicações para implementação das atividades participativas dos alunos, tendo o território como referência para reflexão sobre as injustiças ambientais e climáticas. As publicações foram disponibilizadas agora no Portal de Livros Abertos da USP nas versões em português e inglês, com o Volume 1, para estudantes, e o Volume 2, para professores. O download pode ser feito gratuitamente neste link. O formato permite a reprodução em qualquer impressora existente em escolas, em papel comum, como o sulfite.

Foto: Divulgação/EACH

Sylmara Gonçalves Dias, professora da EACH - Divulgação/EACH USP

Publicação para professores trabalharem a justiça climática em suas comunidades - Foto: Portal de Livros Abertos da USP

“Apesar de ter sido desenvolvido nas comunidades do Vale do Ribeira, o kit Detetive Climático tem potencial de ser escalonado, adaptado e implementado em outras realidades”, disse a pesquisadora, ressaltando que essa tarefa faz parte dos próximos passos do grupo de pesquisa, que agora trabalha com escolas da cidade de São Vicente, também em São Paulo. Ela destaca a importância do processo de co-construção do conhecimento proposto pelo Detetive Climático para manter o interesse interesse dos alunos na participação em atividades extracurriculares, na coleta de dados inéditos sobre as vulnerabilidades territoriais, mapeamento das problemáticas dos bairros e o protagonismo nos espaços políticos locais. “De desenho a texto, os exercícios do Detetive Climático fazem o aluno conseguir ver o seu ambiente, mostrando que a mudança climática não está só no Pólo Norte”, explica Sylmara.

Estudante realiza a leitura de mapa para entender os desafios climáticos de sua comunidade - Foto: Divulgação / NOSS EACH USP

O objetivo, de acordo com a pesquisadora, foi construir uma trilha com os desafios que apareciam no trabalho com a escola e, a partir de jogos e atividades lúdicas, aproximar os alunos da questão climática. Uma das propostas, por exemplo, é entrevistar as pessoas da região para saber mais sobre os eventos climáticos que já ocorreram por lá. “No final, eles já faziam a leitura de mapas e usavam o Google Earth para ampliar a visão do local, tudo na perspectiva de pensar a justiça climática”, disse.

O volume 2, dedicado ao professor, serve de apoio para segurança e autonomia na aplicação da proposta e para montar o plano de aula, em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério da Educação. E a publicação ainda promove o debate político, pois termina com a proposta de redação para órgãos públicos com solicitações relacionadas à questão ambiental.

Alunos e professores em atividades no Detetive Climático - Foto: Divulgação / NOSS EACH USP

“A ação do Detetive Climático desperta o protagonismo juvenil, uma vez que o educando abre a janela do conhecimento, a partir da pesquisa científica, da observação do meio em que vive e de registros compartilhados, fomentando a interação social, a transversalidade dos conhecimentos e o exercício da cidadania”, afirmou o professor Menevaldo Pinto Cunha, da Escola Estadual Professora Maria das Dores Viana Pereira, em Eldorado, na introdução da publicação.

Promoção da justiça climática

As publicações fazem parte de um projeto maior, que une pesquisa, ensino e extensão, e tem como objetivo contribuir para que a escola transforme-se em centro estratégico na promoção da justiça climática. A ideia do Projeto de Pesquisa Participativa em Ação: Educação para Justiça Climática no Vale do Ribeira é inspirar os professores para que sejam difusores de conhecimento para ação climática e, consequentemente, para que os alunos se tornem agentes para mudança de suas comunidades. 

A estratégia metodológica do projeto fundamenta-se na pesquisa-ação participativa, baseada na educação dialógica de Paulo Freire, e busca “implementar atividades que valorizem os conhecimentos tradicionais, explorem diversas linguagens, promovam a resolução de problemas, contribuam para a reflexão crítica e fomentem o protagonismo dos estudantes e de toda comunidade escolar”, como descrito na apresentação do projeto.

Gravações sobre o projeto e a publicação impressa e entregue aos estudantes - Foto: Divulgação / NOSS EACH USP

O projeto tem a colaboração do Incline USP, centro de apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas, criado em 2011 na USP, que tem como coordenadores os pesquisadores Tercio Ambrizi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), e Paulo Artaxo, do Instituto de Física (IF), ambos da USP. O centro tem como um dos objetivos a produção e disseminação de conhecimento e promoção de atividades em torno do tema das mudanças climáticas.

Uma produção em vídeo mostra o trabalho realizado nas cidades de Eldorado e Iporanga. O webdocumentário  (in)Justiça Climática no Vale do Ribeira, financiado pela UK Research and Innovation (UKRI) e Climate-U, está disponível no Youtube neste link ou no player abaixo.

Alunos acompanham entrevista do projeto Detetive Climático - Foto: Divulgação / NOSS EACH USP

“O vídeo traz uma parte dos exercícios realizados com os professores e alunos, e comunidades escolares envolvidas, onde foi desenvolvido o conjunto de ferramentas que chamamos Detetive Climático”, comentou a coordenadora do projeto, acrescentando que o filme traz um percurso desses alunos sob a perspectiva de levantar memórias, e de uma leitura mais acurada de sua realidade. Para isso, reúne entrevistas com familiares e lideranças comunitárias, gravadas durante o trabalho de campo pela equipe de pesquisa imersa nessas comunidades.

Para Sylmara, o grande mote do projeto é que a Universidade faça parte da transformação de um mundo em emergência climática. “Que a Universidade possa ser e ter contribuição na tradução de adaptação e resiliência das comunidades que vivem e viverão cada vez mais eventos climáticos extremos”, conclui.

Para saber mais sobre o projeto Detetive Climático acesse o site do projeto neste link.

Clique no player para conferir o vídeo do projeto (in)Justiça Climática no Vale do Ribeira


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