Tsunâmi da Educação: manifestações ocorridas em 2019 contra o corte de verbas na educação durante o governo de Jair Bolsonaro - Foto: Wikimedia Commons

Acervo inédito pretende resgatar história de luta do movimento estudantil da USP

Em parceria com o Diretório Central dos Estudantes, Centro de Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP elabora o projeto Memória Estudantil para conservar documentos históricos referentes ao movimento estudantil da Universidade

 15/12/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 19/12/2022 as 12:42

Maria Fernanda Barros

Preservar a história de luta dos estudantes da USP é o objetivo do Memória Estudantil, novo projeto do Centro de Apoio à Pesquisa Sérgio Buarque de Holanda (CAPH), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Cerca de duzentas caixas de materiais, como cartazes, fotografias e até relatórios de assembleias, foram doadas pela gestão anterior do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, representada pela chapa Nossa Voz, que propôs a iniciativa com o intuito de conservar a documentação histórica dos estudantes.

“Recebemos milhares de documentos que estavam armazenados sem critério, e iam acabar se perdendo”, conta Everaldo Andrade, professor da USP, diretor do CAPH e coordenador do projeto. Agora, o centro se dedica ao tratamento e catalogação desses materiais, que constituem um relevante instrumento de pesquisa e consulta pública, explica Everaldo. Além do professor, há uma equipe de bolsistas e voluntários trabalhando na organização dos documentos. 

Vanessa Andrade, estudante de História na USP e uma das voluntárias no projeto, considera que o trabalho é uma forma de democratizar esses arquivos, ao mesmo tempo em que resgata a história da militância estudantil. “A meta principal é oferecer esse material de uma forma que facilite várias pesquisas sobre esse tema muito importante, recuperando a história do movimento estudantil e tentando combater esse imobilismo presente hoje”, afirma.

Everaldo Andrade, diretor do Centro de Apoio à Pesquisa Sérgio Buarque de Holanda da FFLCH - Foto: Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A inclusão de novos estudantes na USP, principalmente após a sanção da Lei de Cotas em 2012 e a aprovação da reserva de vagas para alunos de escolas públicas em 2017, torna a tarefa exercida pelo CAPH ainda mais valiosa, aponta Beatriz Oliveira, estudante de Ciências Sociais da FFLCH e bolsista do projeto. Segundo ela, relembrar a atuação política do movimento por meio desses documentos é lutar pela permanência dos estudantes no espaço universitário: “Por mais que falemos muito do movimento estudantil na USP, não tem nenhuma pesquisa escrita sobre a sua história. Por isso é importante resgatá-la, ainda mais no contexto em que vivemos, com o sucateamento da Universidade”.

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Nós precisamos que o movimento estudantil esteja ativo para continuar assegurando os nossos direitos, para que possamos continuar existindo nessa Universidade. Queremos que com esse projeto o movimento estudantil sirva como uma referência e, para isso, sua história precisa estar escrita.”

Beatriz Oliveira, bolsista do CAPH e estudante de Ciências Sociais na USP

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Beatriz Oliveira, Giovanna Santos e Vanessa Andrade, estudantes da USP participantes do projeto - Foto: Maria Fernanda Barros / Jornal da USP

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Cartaz de protesto elaborado na greve estudantil de 2002 - Foto: Maria Fernanda Barros / Jornal da USP

As memórias do passado que nos levam adiante

“O nome do DCE da USP homenageia Alexandre Vannucchi Leme, um estudante da Universidade que foi perseguido, torturado e morto pela ditadura. Então, a questão da memória e da verdade sobre os processos políticos sempre foi muito importante para a nossa gestão”, afirma Juliana Godoy, estudante de Ciências Sociais na USP e coordenadora-geral do DCE no período da gestão Nossa Voz, que foi responsável pela doação dos materiais ao CAPH. 

Juliana, que também é vice-presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo e representante dos estudantes da Universidade na Comissão de Direitos Humanos da USP, relata que desde o momento inicial, quando a chapa assumiu o DCE em 2018, havia o desejo de formular um projeto relacionado à preservação da história da luta estudantil. A ideia começou a ganhar forma quando centenas de documentos históricos do DCE foram encontrados pelos membros da gestão enquanto limpavam os espaços da entidade. Mas foi apenas quando foi feito o contato com o professor Everaldo que o projeto se materializou de fato: “Foi um alívio quando conseguimos, porque esses materiais não estavam recebendo o devido cuidado. E para nós é muito importante preservá-los e fazer deles objeto de estudo, porque somos mais um capítulo dessa história”, conta a estudante e líder estudantil. 

Juliana Godoy foi coordenadora-geral do DCE da USP - Foto: Arquivo Pessoal

Os alunos ficaram dois anos afastados da Universidade devido à suspensão do ensino presencial durante a pandemia e, segundo Juliana, isso acarretou uma perda de ritmo e uma desintegração da luta dos estudantes. “Vivemos dois anos longe da Universidade, naturalmente as coisas andam mais complicadas”, pontua. Em contrapartida, o projeto é visto por ela como uma forma de combater esse sentimento de desânimo em relação ao movimento estudantil: “Estudar a história do movimento estudantil, entender onde estamos pisando, ver quem pisou antes de nós, nos anima para continuarmos escrevendo essa história”.

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A história também anima. Ver quem construiu antes de nós e entender que hoje, se temos a oportunidade de reivindicar as mudanças que queremos ver na Universidade, é porque pessoas antes de nós lutaram por isso.”

 Juliana Godoy, estudante de Ciências Sociais na USP que foi coordenadora-geral do DCE

A Batalha da Maria Antonia, em outubro de 1968, retrata a oposição à ditadura civil-militar pelos estudantes da época - Foto: Acervo CEUMA USP

Estudantes da USP em manifestação na Avenida Paulista em 2022 - Foto: Reprodução/Redes Sociais/Jornal do Campus

A construção de um acervo que registre as ações do atual movimento estudantil é uma questão que fica em aberto. Nos dias de hoje, a comunicação das entidades é realizada, em maior parte, por meio das redes sociais, o que dificulta o processo de armazenamento e conservação dos materiais publicados. “Muitas reuniões não têm ata, é combinado pelo grupo do Whatsapp. É um dos grandes desafios que temos, muita coisa é apagada, muita coisa é perdida, o registro tem se tornado cada vez menos formal”, afirma a estudante. Ela reforça a importância de se continuar produzindo cartazes, panfletos e jornais, para que o material impresso continue servindo como objeto de estudo no futuro.

Jornal do DCE da USP, doado para o acervo do CAPH FFLCH - Foto: Maria Fernanda Barros / Jornal da USP

Recuperando a história: 20 anos da greve de 2002

Um dos trabalhos já realizados pelo CAPH a partir da doação de documentos pelo DCE foi a exposição 20 Anos da Greve de 2002, que esteve presente no vão da FFLCH/USP entre os dias 23 e 30 de novembro. Foram exibidos periódicos internos e externos, panfletos, cartazes, fotografias e materiais de propaganda referentes ao movimento grevista que lutou contra o sucateamento do ensino das ciências humanas. 

Dentre as reivindicações, a contratação de mais professores foi uma das mais urgentes. Rodrigo Ricupero, professor do Departamento de História da USP que participou da mobilização, comenta sobre a importância da exposição: “Foi uma greve histórica e vitoriosa, então é importante o resgate dessa memória, inclusive porque a questão da falta de professores é um problema que, vai e volta, ele se retoma”. 

Exposição apresenta registros do dia em que os estudantes grevistas, vestidos de palhaços, pressionaram o então governador Geraldo Alckmin para a reabertura das negociações com a Reitoria da USP para a contratação de professores. Na foto, Giovanna, bolsista do projeto, relembra e explica esse acontecimento histórico - Fotos: Maria Fernanda Barros / Jornal da USP

Necessidade de mais recursos

O CAPH é um centro de apoio à pesquisa na área de História criado em 1966. Atualmente, o grande desafio do centro é conseguir mais apoio para manter o funcionamento dos trabalhos realizados, pontua o coordenador. Há uma demanda por mais recursos para garantir a conservação dos documentos, que exige, entre outros fatores, uma refrigeração apropriada. “Filmes, fitas cassetes, são tecnologias que não se usa mais, mas precisam ser preservadas. Isso exige tratamento especial e um espaço adequado para eles não desaparecerem”, afirma.

Estudante voluntária Vanessa Andrade no acervo do CAPH - Foto: Maria Fernanda Barros /Jornal da USP

No momento, a sobrevivência do CAPH depende de editais ocasionais, o que preocupa a gestão do centro. “Isso é muito inseguro. Isso pode comprometer de maneira permanente a documentação. Se você perde o documento, nunca mais ele vai existir”, diz Everaldo. Ele ainda ressalta a importância de fortalecer o CAPH como um “laboratório vivo de formação de profissionais”, que oferece aos estudantes possibilidades de acesso a diferentes fontes de pesquisa.

O professor explica que o projeto Memória Estudantil procura não apenas preservar os documentos, mas também os tornar reconhecidos e fazer chegar até as pessoas interessadas. “Precisamos de profissionais capacitados, por exemplo, um arquivista profissional, para reconstruir uma política de difusão do acervo para a população”, diz. 

O CAPH fica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, na Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, bairro do Butantã, em São Paulo.

Fachada do CAPH - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Para visitar o centro e conhecer os acervos, de segunda a sexta-feira, das 9 às 21 horas, é necessário fazer agendamento prévio, enviando um e-mail para caph@usp.br, ou entrando em contato pelo número (11) 3091-3742. 

Saiba mais pelo site https://caph.fflch.usp.br


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