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Foto: Cecília Bastos. USP Imagens.
A língua das universidades:
laboratório da USP prepara alunos
para a escrita acadêmica
“Habilidades argumentativas estão em falta”, diz coordenadora do Laboratório de Letramento Acadêmico da USP; organização da leitura e prática são chave para bom texto
03/03/2021
Tabita Said
Na escalada do conhecimento, muitas vezes, apenas no final da graduação, alunas e alunos se dão conta: escrever para a academia é uma habilidade que não dominam. As variedades de publicação são inúmeras. Mas, junto das oportunidades de divulgação das pesquisas, habitam também os desafios que cada área e tipo de público exigem.
Embora a escrita acadêmica seja permeada por certos códigos linguísticos, o ingresso ao ensino superior amplificou uma deficiência que estudantes já trazem desde o ensino médio. Na língua materna, a experiência de escrita ficava restrita aos gêneros textuais mais comuns aos sistemas de avaliação e vestibulares. Já na língua estrangeira, o ensino de um segundo idioma no Brasil nunca esteve focado em uma escrita adequada.
A constatação é do Laboratório de Letramento Acadêmico da USP. Ligado ao Departamento de Letras Modernas, o LLAC foi fundado em 2011 pelas professoras Marília Mendes Ferreira e Eliane G. Lousada, das áreas de inglês e francês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em São Paulo. O objetivo do laboratório é contribuir para o letramento acadêmico de graduandos e pós-graduandos por meio de um sistema de tutoria baseado em feedback.
“O aluno da graduação vai escrever gêneros textuais ou discursivos da academia, de acordo com a habilitação de seu curso. Tradicionalmente as humanidades escrevem mais, mas, na pós-graduação, o cenário muda. Todos têm que escrever um produto: uma dissertação, uma tese; algumas áreas atrelam a obtenção do título à publicação de artigos em inglês. Não há produção de conhecimento sem registro escrito”, destaca Marília.
Marília Mendes Ferreira, coordenadora do Laboratório de Letramento Acadêmico da USP.
Para inglês ver
No atual modelo de comunicação acadêmica, a internacionalização representa bem mais do que aprender a escrever em outra língua. Compreender e produzir literatura internacional ampliam a rede de saberes. “Atualmente, não se pode falar em ciência sem lidar com língua estrangeira; seja para ler, publicar, comunicar ou colaborar”, lembra a coordenadora.
Em suas pesquisas internacionais, Marília observou que as publicações acadêmicas em inglês são mais puristas, aceitando menos informalidade e reivindicando uma estrutura sintática mais pragmática. “A retórica da língua inglesa ainda é aquela do ‘time is money’. Por isso, a ideia de word choice é fundamental. A escolha de palavras que bastam configura um exercício de economia, porque a produção acadêmica é uma atividade econômica cara”.
Em língua materna ou estrangeira, uma coisa é certa: fazer pesquisa primeiro e depois sentar para escrever o artigo científico de uma vez não é recomendável. “Definiu a metodologia? Escreva! Antes mesmo de coletar os dados. Porque escrita é mediação”, destaca Marília, mencionando o conceito de aprendizagem mediada, de Lev Vygotsky. Nele, o indivíduo é capaz de realizar representações simbólicas e alcançar processos psicológicos superiores – como desenvolver estratégias de ação e até imaginar objetos – por meio da interação.
Organizando as letras
Em movimento constante, os gêneros textuais produzidos no ambiente universitário não podem ser tomados como definitivos. No entanto, exercitar alguns desses tipos pode ajudar no percurso universitário.
Diário de Leitura - gênero livre, que estimula a construção de um leitor crítico e reflexivo - Fonte: Profa. dra. Eliane G. Lousada.
Tecendo a própria voz
Para a elaboração de um texto final, cada parágrafo conta. Converter a leitura em fragmentos escritos potenciais para um texto maior é uma das chaves para um bom texto. Mas não é tudo. De acordo com Marília, é necessário organização.
- Definir o que será citação direta e o que será reação
- Paráfrase: deixar evidente o que é a ideia do autor e o que é sua opinião
- Evitar modificar uma palavra ou outra. É necessário compreender e criar voz própria
- Exercitar os gêneros textuais praticando atividades de escrita
- Começar com linguagem reativa. Depois partir para o exercício de investigação e comprovação, para adequar a linguagem
Entre as consequências da desorganização está o plágio não intencional, no qual o autor produz um texto mas não consegue inferir se o fragmento escrito é um produto de suas reflexões ou uma colagem de suas leituras.
Além da organização da leitura, o bom escritor precisa desenvolver a capacidade de adaptar seu texto para diferentes audiências, que podem variar dependendo do público-alvo, área de estudo, tipo e até plataforma de publicação.
“A linguagem acadêmica tem um ethos. É preciso, primeiro, criar credibilidade na academia, por meio de sua produção. Mas as habilidades argumentativas estão em falta. Os escritores não encontram o que querem defender e faltam estratégias de contraponto. Perdeu-se a leitura crítica”, avalia a coordenadora do LLAC.
No entanto, ela aponta que a capacidade de pensar no contraditório, no que foi silenciado e na “escuta de diferentes lados” pode ser uma saída para a inovação e relevância, diante da atual economia e objetividade requeridas pelas publicações acadêmicas.
O Laboratório de Letramento Acadêmico é um Writing Center. No Brasil, há cerca de 14 centros de escrita, mas o LLAC se diferencia por ser, também, um centro de pesquisa e extensão universitária. Atuando em dois contextos, o LLAC está focado no auxílio aos alunos de graduação e pós-graduação da USP e no estudo dos gêneros discursivos específicos da academia. Os atendimentos, divididos entre inglês, francês e português, são agendados e realizados de forma on-line.