“A FLORESTA É UM ESPAÇO SAGRADO”

No debate sobre Bioeconomia e Sustentabilidade, queixas sobre violência estrutural e sugestões para desenvolver a região norte, em especial a Amazônia

 15/08/2024 - Publicado há 4 meses     Atualizado: 16/08/2024 às 18:58

Texto: Luiz Roberto Serrano

Arte: Jornal da USP

Jacques Marcovitch, Carina Pimenta, Mary Helena Allegretti e Txai Suruí, em debate mediado pelo jornalista Herton Escobar (à direita), no terceiro dia do USP Pensa Brasil 2024 – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

“Sem a floresta não teremos nada”, advertiu a ativista indígena Txai Suruí, do povo Paité Suruí, na abertura do debate sobre Bioeconomia e Sustentabilidade do USP Pensa o Brasil 2024, realizado na última quarta-feira, 14, no Auditório István Jancsó, na Cidade Universitária, em São Paulo. Do debate, mediado pelo jornalista Herton Escobar, do Jornal da USP, também participaram Jacques Marcovitch, ex-reitor e Professor Emérito da USP, Mary Helena Allegretti, diretora do Instituto de Estudos Amazônicos, e Carina Pimenta, secretária nacional de Bioeconomia do governo federal.

“A floresta é mais que o lugar em que a gente vive, é um espaço sagrado, a mãe que nos dá tudo”, reforçou Suruí no relato dos dramáticos esforços que os indígenas são obrigados a fazer para sobreviver aos desmatamentos provocados por queimadas, garimpeiros e fazendas agropecuárias que ocupam as suas terras. Desafios que se estendem por Rondônia, pela Bahia, pelo Oeste do Paraná, entre outras regiões.

“Não há como falar em bioeconomia se não temos garantia de nossas vidas”, advertiu, lembrando que uma das ameaças são as discussões sobre o “marco temporal”, a legislação constitucional do tempo da Assembleia Nacional Constituinte que define a extensão das terras indígenas no País. “Sem defesa dos territórios indígenas não existe bioeconomia.” Defesa que, na sua visão, exige que as ameaças sejam enfrentadas agora, “senão nossos filhos serão prejudicados”. E deixou no ar a pergunta: “Que planeta deixaremos para as novas gerações?”.

Violência estrutural

“A violência está se tornando estrutural na Amazônia”, afirmou, na sua fala, Mary Helena Allegretti, lembrando que, em função dessa descontrolada evolução, os habitantes do rio Amazonas, que viviam às suas beiras, estão se escondendo dentro da floresta. A solução para essa dramática situação, na sua visão, converge para a criação de políticas públicas eficientes. “As atuais não dão conta”, constata, acrescentando: “Como serão essas políticas?”.

Allegretti recordou um ensinamento do saudoso Chico Mendes que defendia “empates ao desmatamento”, no sentido de paralisá-los. Nesse enfrentamento vão surgindo novas soluções, como a criação de Reservas Extrativistas exploradas por habitantes locais, que não desejam se afastar da região. “Na Amazônia, segundo sua exposição, as Reservas Extrativistas – Resex, federais e estaduais, totalizaram 98 unidades, que cobrem uma área de 16 milhões de hectares, representando 3% da Amazônia Legal, sendo que a definição de 31 novas Resex está na lista de prioritárias no ICMBIO”. As Reservas Extrativistas estão possibilitando o surgimento de seringais sem patrões, superando o antigo modelo de exploração do produto.

Bioeconomia sem discussão

“Nos encontros internacionais nunca ocorreu uma discussão sobre bioeconomia”, relatou Carina Pimenta, lembrando que, apesar disso, 60 países têm políticas relacionadas com o tema, o que configura uma oportunidade para amplificar o debate a respeito. Exemplificando a importância da questão, Pimenta lembrou que “no setor farmacêutico, 70% das novas drogas desenvolvidas nos últimos 20 anos são diretamente baseadas em biodiversidade”. Segundo o IPBES – Intergovernamental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services –, 80% da biodiversidade conservada no mundo se encontra protegida em territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais”. 

Dados, mostrados por Pimenta, informam que a bioeconomia gera um PIB de R$ 12 bilhões e estima que “com investimentos adicionais, esse valor seria de, pelo menos, R$ 38,6 bilhões em 2050, gerando 833 mil novos empregos, que substituiriam ocupações hoje ligadas à destruição da floresta na Amazônia”.

Métricas de desenvolvimento

O ex-reitor da USP Jacques Marcovitch fez questão de ressaltar, na sua fala, os vetores que devem orientar as ações em relação à Amazônia, apoiando-se em pontos referidos em intervenções de participantes do seminário. “A dimensão humana”, da vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda; “As necessidades locais”, do professor Manuel Tourinho, da Universidade Federal do Pará; e “A questão do meio ambiente é social”, do professor Eduardo Taveira, secretário do Meio Ambiente do Estado do Amazonas. E recomendou que as universidades do País, inclusive a USP, devem produzir métricas relativas aos problemas registrados no Norte, mas também colaborar com as atividades das congêneres da região, respeitando o conhecimento por elas desenvolvidas.

Marcovitch sugeriu e apresentou o quadro “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável na Amazônia”, que considera vários tópicos que, aplicados e renovados ao longo do tempo, revelariam o status quo da região em vários aspectos de seu desenvolvimento. A saber:

Social
  1. Segurança alimentar, sanitária e física;

2.   Bem-estar das comunidades locais e povos tradicionais;

3.   Valorização do conhecimento local;

4.   Participação nos processos decisórios.

Ambiental 

1. Redução do desmatamento;

2. Restauração das áreas degradadas;

3. Emissões negativas de GEC.

Econômico
  1. Geração de emprego e renda;

2. Equidade na distribuição da renda;

  1. Recebimento por serviços ambientais.

Governança

1. Monitoramento dos componentes das cadeias de valor;

2. Sistematização de práticas replicáveis nas cadeias de valor, incluída a economia circular;

3. Valorização das ações dos agentes locais, via métricas de resultados e impactos.

Antes do debate, o ex-reitor Jacques Marcovitch promoveu uma sessão de autógrafos do livro Bioeconomia para quem? Bases para um desenvolvimento sustentável na Amazônia, que organizou com Adalberto Val, pesquisador do Inpa e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Adaptações da Biota Aquática da Amazônia – INCT/Adapta. 

Ainda nesta quarta, 14, foi realizado, às 14h, o debate Mudanças Climáticas e Justiça Ambiental, com a participação de Patrícia Iglecias, Carlos Nobre, Júmior Aleixo e Rodrigo Gravina Prates Junqueira, com a mediação de Tadeu Malheiros. Às 16h30, ocorreu o debate Agenda Ambiental na Educação, com Rosana Louro Ferreira Silva, Rachel Andriollo Trovarelli, Marcos Sorrentino e Marília Torales, com mediação de Denise La Corte Baccim.

Assista, ao lado, ao debate Bioeconomia e Sustentabilidade, do terceiro dia do USP Pensa Brasil. Também é possível assistir aos demais eventos da programação


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