90 anos da FFLCH : uma história nas mãos dos estudantes

O desafio é buscar documentos, fotos, registros em livros, entrevistar professores e alunos dos grandes mestres; trabalho resultou em um site em constante atualização

 17/09/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Joyce Tenório*

Alunos em uma das áreas de convivência da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Foto: Julio Cesar Bazanini

Como contar a história de milhares de estudantes, de centenas de professores e mestres que vêm cumprindo o desafio de trazer a cultura, a arte, a história e refletir caminhos para um País com humanidade social, política, educação, pluralidade,  respeito à natureza e ao meio ambiente?

Imersos nesta pesquisa, um grupo de alunos, entre 19 e 25 anos, vem buscando os ideais dos 90 anos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP entre depoimentos, fotos, documentos, registros em livros, teses, jornais… E vão descobrindo sua própria história nas reflexões de Alfredo Bosi, Antonio Candido, Aziz Ab’Saber, Bento Prado Júnior, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Gilda de Melo e Souza, José Luiz Fiorin, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Maria Ligia Coelho Prado, Marilena Chauí, Milton Santos, Octavio Ianni, Ruth Cardoso, Sedi Hirano, Sérgio Buarque de Holanda, Sylvia Caiuby Novaes, Walnice Nogueira Galvão, entre tantos outros. 

A coordenação desta equipe de estudantes é de Abílio Tavares, da Assessoria Para Projetos Especiais da FFLCH-USP. Sua experiência como diretor do Teatro da USP (Tusp), ator, memorialista e pesquisador do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP incentiva os estudantes a viver o seu papel de pesquisador com sensibilidade. E desperta o grupo dos estudantes para reviver o passado dos mestres de hoje. O resultado deste desafio está sendo registrado no site FFLCH 90 Anos de História, disponível neste link.

“Toda a pesquisa está sendo divulgada no site FFLCH 90 Anos de História. É um trabalho em processo. E a meta é difundir a sua memória institucional, estabelecendo as bases para a criação de um novo Centro de Memória que dialogue com as iniciativas já existentes nesse campo”, explica Tavares. 

“Há links para materiais historicamente significativos como os Anuários e Guias da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, das décadas de 1930 a 1960, assim como novas produções feitas especialmente para este projeto, dentre elas, a linha do tempo com os principais marcos institucionais da FFCL e da FFLCH; podcast comemorativo versando sobre sua história; série de entrevistas apresentando memórias de professores, funcionários e ex-alunos; galerias de professores fundadores e professores eméritos; levantamento dos diversos espaços físicos ocupados pela faculdade na cidade de São Paulo, até a sua instalação definitiva na Cidade Universitária. Para além dos trabalhos desenvolvidos pelo projeto 90 anos, estão indicadas neste site iniciativas de memória realizadas em comemorações anteriores, como a dos 70, 75, 80 e 85 anos de sua fundação. Importante também destacar a participação de Maria de Fátima Gomes Morashashi, que acompanha a equipe de alunos.”
Abílio Tavares - Foto: Arquivo pessoal

Abílio Tavares , coordenador do projeto FFLCH 90 Anos de História- Foto: Arquivo pessoal

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Clique no player para conferir um pouco do trabalho dos estudantes. O resultado deste desafio está sendo registrado no site FFLCH 90 Anos de História no link: http://memoria.fflch.usp.br

Tavares está surpreso com as pesquisas que os estudantes vêm desenvolvendo. “A maior dificuldade deste levantamento são os dados controversos. Por exemplo, os espaços físicos que a FFLCH ocupou entre 1934 e 37, quando a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ocupou a Faculdade de Medicina, fundada em 1912 e instalada na Avenida Dr. Arnaldo. Detalhes importantes de data e espaço, que a equipe pesquisou para esclarecer e informar no site”, explica. “A seriedade e precisão nas informações são o mérito do trabalho da equipe.” 

A seguir, os depoimentos dos estudantes de diversas áreas que estão participando da pesquisa dos 90 Anos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Eles se apresentam e contam a sua própria história.

Sonhei estar neste lugar, que tem me proporcionado experiências muito marcantes, expandindo o horizonte dos meus sonhos e objetivos futuros, já que eu sou a primeira pessoa da minha família a ingressar no ensino superior“

“Sou Ana Paula Loberto Araújo, tenho 23 anos. Nasci em São Paulo e resido no extremo da Zona Leste da cidade, no encontro entre Itaquera, Guaianases e Cidade Tiradentes. Curso História na FFLCH e estou no fim da minha graduação, prevista para o ano que vem.
Sou estagiária na Assessoria de Projetos Especiais da FFLCH, atuando no Projeto de 90 anos da Faculdade de Filosofia, cujo objetivo é, além de comemorar este marco, estabelecer as bases para a criação do Centro de Memória da faculdade. Essa experiência foi e vem sendo muito proveitosa, enriquecedora e  prazerosa pela oportunidade de pesquisar a história da FFLCH, extremamente entrelaçada à história da Universidade, e compreender o lugar que ocupo e que, de alguma forma, ajudo a construir hoje.
Ana Paula Loberto Araújo - Foto: Julio Bazanini

Optei pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP  pela sua excelência em cursos e mestres. Desde que “descobri a história”, referenciando Philippe Ariès, balizada pelo conselho e apoio de professores, amigos e familiares, sonhei estar neste lugar, que tem me proporcionado experiências marcantes, expandindo o horizonte dos meus sonhos e objetivos futuros, já que sou a primeira pessoa da minha família a ingressar no ensino superior.

Há pouco tempo, foram diplomados 14 estudantes da faculdade que morreram pelas mãos do regime da ditadura civil-militar, por serem resistência e lutarem contra as opressões e cerceamentos sofridos pela sociedade. Pensando na célebre frase de Milton Santos, um mestre que admiro, o espaço é formado por uma acumulação desigual de tempos, portanto, é para mim muito significativo e gratificante estar nesse lugar cheio de temporalidades que outrora abrigou essas pessoas tão admiráveis, corajosas e combativas, espaço que também foi palco de lutas diárias, lugar de discussões e debates constantes, um ambiente formado por constelações diversas.”

Estar nessa faculdade que possui uma tradição de grandes intelectuais e que formou Gilda de Mello e Souza é extremamente motivador e gratificante…”

“Meu nome é Thamires Badu, tenho 23 anos e sou estudante de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Nasci no extremo leste de São Paulo, Guaianases, e hoje resido no Butantã, mais próximo à Universidade. Estou no meu quarto ano de curso, já me encaminhando para o final da graduação.
Atuo como estagiária na equipe de Assessoria para Projetos Especiais da FFLCH e faço parte da equipe responsável pela comemoração dos 90 anos da faculdade, que tem por objetivo resgatar a história da instituição e fornecer as bases para a criação de um futuro Centro de Memória. Essa experiência tem sido marcante por me proporcionar a oportunidade de conhecer a fundo a formação do espaço ao qual pertenço e me possibilita uma maior identificação e sensação de pertencimento para com a faculdade.
Thamires Badu - Foto: Julio Bazanini

A minha aproximação com as Ciências Sociais e a FFLCH parte da influência de figuras importantes na minha formação, especialmente da minha irmã mais velha. Nós somos a primeira geração com ensino superior e ela foi a primeira da família a se formar na USP. Tê-la como exemplo próximo foi primordial para que eu enxergasse a minha entrada na Universidade como um objetivo possível. 

Estar nessa faculdade que possui uma tradição de grandes intelectuais e que formou Gilda de Mello e Souza é extremamente motivador e gratificante. Abre um horizonte de possibilidades que me instiga a traçar metas inimagináveis para mim em outro momento da minha trajetória.”

É excelente ter contato próximo com depoimentos de professores sobre seus grandes professores, como o do mestre Sergio Miceli”

“Sou Eric Rinaldi, tenho 23 anos, paulistano e estudante do 8º semestre de Ciências Sociais. Sob responsabilidade da professora Ana Paula Torres Megiani, do Departamento de História, trabalho junto à Assessoria de Projetos Especiais da FFLCH, que visa à comunicação e difusão da memória institucional da faculdade em seus 90 anos. Por um lado, a experiência de organização e produção de materiais relativos à memória é desafiadora por me confrontar diretamente com uma faculdade muitíssimo distinta da que eu conheço hoje. Por outro lado, é excelente ter contato próximo com depoimentos de professores sobre seus grandes professores, como o do mestre Sergio Miceli sobre a convivência e o episódio envolvendo a discussão de sua proposta de dissertação de mestrado com Florestan Fernandes, em 1968, ainda na antiga sede da Maria Antônia. Além disso, é particularmente significativo, até mesmo do ponto de vista pessoal, registrar os relatos de integrantes do corpo funcional que há muito tempo trabalha na FFLCH, mas de quem não se conhecem as trajetórias e percepções sobre a última.”
Eric Rinaldi - Foto: Julio Bazanini

Ao investigar o processo de formação da Universidade, cotejando passado e presente, há todo um campo de complexidade que se abre para nós”

“Eu me chamo Natália Alves dos Reis, tenho 25 anos e nasci em Salvador, na Bahia, onde passei toda minha vida, até vir, em 2022, cursar a graduação em São Paulo, na USP. Agora, estou no quarto ano do curso de Ciências Sociais da FFLCH e, há um ano, iniciei minhas atividades como bolsista PUB do projeto de extensão sobre os 90 anos de história e da memória da FFLCH. Acredito que a experiência de ter feito duas iniciações científicas ainda durante meu ensino médio, no campo da sociologia, da filosofia e da história, ao lado da sorte de ter tido um ensino de qualidade no campo das ciências humanas naquele momento, foi decisiva do ponto de vista da escolha do curso de graduação. Eu estava muito entusiasmada com os temas e com a maneira como esses campos disciplinares me ajudavam a compreender problemas e processos, ao mesmo tempo em que organizam o mundo da vida.

Natália Alves dos Reis - Foto: Arquivo pessoal

Bem, nesse momento da minha graduação, estou tentando acompanhar o ritmo das disciplinas e iniciando uma nova iniciação científica, num subcampo disciplinar da filosofia que é a Estética. Mas eu destacaria uma experiência anterior como bolsista PUB num projeto que me pôs em contato, ao longo de um ano, com a história da faculdade e a memória registrada em documentos e materiais os mais diversos. A meu ver, foi uma experiência enriquecedora em vários aspectos, porque alargou meu ponto de vista acerca do processo de constituição histórica e política da USP e da própria FFLCH. E essa consciência adquirida no trato das fontes primárias e secundárias, produzidas em momentos variados da história da FFLCH, nos permitiu identificar e reconhecer a força decisiva de variáveis políticas, geográficas, sociais e de agentes da elite paulista no processo de criação da USP e da FFCL (antiga denominação), ainda que, depois, o próprio caminhar histórico da instituição seguisse mais ou menos de maneira autônoma em relação à concepção inicial atribuída a ela pelos seus membros fundadores. E isso é algo que uma parte dos estudantes conhece muito pouco ou apenas de maneira vaga, mas, ao investigar o processo de formação da Universidade, cotejando passado e presente, há todo um campo de complexidade que se abre para nós, mas também há um ganho fundamental que caracteriza a nossa formação no campo das ciências humanas que é o da autonomia intelectual, que se expressa, entre outras coisas, na capacidade de prescindir cada vez mais de mediação do outro para pensarmos por nós mesmos. 

Quando ingressei no curso de graduação, tinha a expectativa de encontrar uma formação que estivesse na vanguarda do ensino e da ciência, mas isso não ocorre se não houver investimentos sistemáticos em pesquisa, em boa remuneração dos profissionais da área e uma boa gestão dos recursos, algo que parece estar cada vez mais em falta. Então, sinto que uma parte de minhas expectativas vem sendo frustrada, sobretudo, quando penso no mercado profissional que empregará o futuro cientista social. É algo que nos desanima, porque conhecemos a desvalorização por que passa o trabalho do cientista social e o quão difícil é manter-se nessa profissão.”

Um dos pontos que mais têm me chamado a atenção são as entrevistas que realizamos com funcionários da faculdade. Com elas, é possível, acessar uma perspectiva pouco abordada"

“Meu nome é Cauê Harms, tenho 21 anos, nasci e vivo até hoje em Interlagos, na Zona Sul da cidade de São Paulo. Estou no sexto semestre da graduação em Ciências Sociais. Desde março de 2024, sob a responsabilidade da professora Ana Paula Torres Megiani,  faço parte desse projeto que visa à comunicação e difusão da memória institucional da faculdade em seus 90 anos. Ao longo desses meses, tive contato com a organização, estudo e produção de materiais que tratam da história da FFLCH. Nesse processo, encontrei dificuldades devido à imensidão de mudanças pelas quais a faculdade passou e, também, devido à forma como as informações encontram-se distribuídas em diferentes fontes. Ao mesmo tempo, considero gratificante poder contribuir para o resgate da memória dessa instituição. Um dos pontos que mais têm me chamado a atenção são as entrevistas que realizamos com funcionários da faculdade. Com elas, é possível acessar uma perspectiva pouco abordada nos materiais relativos ao resgate de memória da FFLCH e obter informações que dificilmente estarão em outras fontes.”
Cauê Harms - Foto: Julio Bazanini

Espero que todos os estudantes venham conhecer os caminhos dos 90  Anos da FFLCH”

Meu nome é Gabriel Ferreira Silvano, tenho 19 anos. Nasci na cidade de Registro, interior de São Paulo. E resido atualmente em Itapecerica da Serra. Estou cursando o primeiro ano de História. Minhas relações com a área surgiram desde muito cedo. Na infância sempre me interessei por leitura, queria sempre compreender a origem de tudo. Mas só em 2022 meus sonhos foram acordando. Estava cursando o último ano do ensino médio em uma escola pública estadual, imerso nas tensões pós-pandemia. Mas tive a oportunidade de conhecer educadores incríveis, em especial, a professora Leila Fernandes, de Língua Portuguesa, que abriu meus horizontes.

Diante disso, finalmente comecei a desenhar meus projetos e a FFLCH se tornou uma meta em 2023. Quando ingressei no Cursinho Popular Clarice Lispector da USP, totalmente gratuito, senti que o meu horizonte estava se abrindo. Os profissionais que lá conheci, principalmente Ana Beatriz Rodrigues, uma das minhas professoras e hoje amiga, me orientaram e fui aprovado. Estou no curso dos sonhos e ainda na empolgação de calouro.
Gabriel Ferreira Silvano - Foto: Julio Bazanini

Minha meta inicial foi ingressar no projeto dos 90 anos da FFLCH. E cá estou ouvindo palestras e eventos sobre essa efeméride. Percebo que meu interesse pela área da memória é o meu caminho. Sou o novato e caçula da equipe, portanto, o que posso dizer acerca da pesquisa é que estou extremamente animado e ansioso. A equipe me acolheu e me introduziu a tudo feito até aqui, espero poder contribuir o máximo possível… Espero também que todos os estudantes venham conhecer o idealismo e os desafios dos 90 anos da FFLCH.

Para conferir o trabalho de pesquisa dos estudantes, acesse o site FFLCH 90 Anos de História neste link.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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