Discursos racistas acontecem sempre vitimizando alguém, é muito mais difícil encontrar um caso de racismo em que você tenha utilização de uma coletividade - Foto: Flickr

Jurisprudência é algo a ser combatido nos crimes de injúria racial e racismo

Na opinião de Ana Elisa Bechara, os tribunais mostram uma forma de racismo estrutural ao aplicarem a jurisprudência em casos desse tipo

 26/01/2023 - Publicado há 2 anos

Texto: Redação

Arte: Simone Gomes

 

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A Lei 14.532 foi sancionada dia 12 de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tipifica injúria racial como crime de racismo. “Os tribunais entendiam que, quando havia um ato discriminatório praticado contra uma coletividade, isso era crime de racismo, ou seja, mais sério, imprescritível e inafiançável. Quando essa ofensa racial era praticada contra uma pessoa, isso era entendido como injúria: um crime com uma pena bem menor”, explica a professora Ana Elisa Bechara, de Direito Penal, e também vice-diretora da Faculdade de Direito da USP.

A lei de crime racial coloca a injúria racial como crime e as principais mudanças são: inafiançabilidade, imprescritibilidade e a mudança de um a três anos de prisão para dois a cinco. Segundo um estudo realizado pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas, 84% dos casos de crimes raciais são registrados em São Paulo como injúria e não racismo.

 

No Código Penal de 1840, injuriar é ofender a honra de alguém e, dentro dessa classificação, tinha-se a injúria racial, que corresponde ao ato de atribuir um adjetivo pejorativo com relação à raça. Nesse caso, era necessário a vítima autorizar a intervenção do Estado na ofensa e ela deve ser feita num prazo máximo de seis meses. Com a nova lei, Ana Elisa pontua: “Temos a consideração desses crimes como crimes de ação penal pública, ou seja, a vítima não precisa ir lá, em até seis meses depois que foi ofendida, para autorizar o Estado”.

Ana Elisa Bechara - Foto: Reprodução/Canal USP
Ana Elisa Bechara - Foto: Reprodução/Canal USP

A Lei Antirracismo de 1989, que diz respeito à prática de atos discriminatórios contra a coletividade, e a injúria racial, presente no Código Penal, ficam a cargo da jurisprudência, ou seja, a interpretação dada pelos juízes. No caso da injúria, a vice-diretora comenta: “Era vista pelos tribunais simplesmente como uma modalidade de injúria que não constitui racismo. Isso não estava previsto na lei, era uma forma de entendimento dos tribunais, uma posição que é entendida em paralelo à existência da Lei Antirracismo”. Além disso, o racismo recreativo, mascarado por brincadeiras e piadas, também está incluído, já que “a brincadeira diminuindo a raça não tem nada de brincadeira, isso representa uma cultura racista”, diz a professora.

Denúncia

Como no caso do futebol, em que diversos jogadores negros já foram xingados, Ana Elisa coloca que essa é a forma como o racismo é praticado: “É uma pessoa ofendendo a outra, diminuindo a outra. Normalmente, esses discursos racistas acontecem sempre vitimizando alguém, é muito mais difícil encontrar um caso de racismo em que você tenha utilização de uma coletividade. [Nos casos do futebol] o que a gente vê não é manifestação contra a honra daquela pessoa exclusivamente, estamos vendo uma discriminação no sentido racial que atinge toda a coletividade e é um discurso seríssimo, porque é um discurso de violência”.

É preciso acabar com a cultura da jurisprudência, já que os tribunais, interpretando assim, mostram uma forma de racismo estrutural, comenta a professora. Ela ainda acrescenta que racismo não é apenas sobre raça, mas também sobre etnia, cor e procedência nacional: “A ideia do racismo leva em consideração um conceito mais social, de discriminar um grupo de pessoas em virtude de uma característica sua, que não é uma escolha”.

Além disso, o aumento de notícias sobre casos de racismo é bom do ponto de vista de mais pessoas expondo as situações: “As pessoas começam a perceber que vão ser ouvidas, porque é muito triste quando você é vítima de um crime, você procura o Estado e ele não faz nada. Aumenta agora o número de casos por conta desse efeito de exemplo, desse efeito multiplicador. As pessoas estão vendo que quem as vitimizou está sendo punido”. Para denunciar, a polícia pode ser procurada para que o Boletim de Ocorrência seja feito. A nova lei ainda prevê que as vítimas precisam ser sempre acompanhadas por um advogado ou defensor público para sua proteção.


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