Coletivo Brincapoeirar produziu 25 quadros (pinturas) com rostos de mestres da Capoeira que irão compor a primeira exposição no dia 20 de maio - Foto: Marcos Santos

Projeto baseado em pesquisa da USP leva ensinamentos da capoeira à população

Desenvolvido pelo Coletivo Brincapoeirar, da Cidade Tiradentes, o projeto Ecos da Ancestralidade realizará mostra itinerante com retratos de mestres capoeiristas pioneiros e históricos, e de contemporâneos da cidade de São Paulo

 18/05/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Antonio Carlos Quinto

Arte: Jornal da USP

Manoel dos Reis Machado (1899-1974) e Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981) podem ser, para muitos, desconhecidos. Mas, no universo da capoeira, mestre Bimba e mestre Pastinha, como são conhecidos, representam parte importante da história desse esporte. A partir deste 20 de maio, os dois expoentes da capoeira terão pinturas de seus rostos em quadros que irão compor uma galeria com outros 23 retratos de mestres capoeiristas, a maioria deles da cidade de São Paulo. Os retratos poderão ser visitados numa exposição itinerante que deverá percorrer escolas públicas e espaços culturais comunitários da cidade, como parte do projeto Ecos da Ancestralidade, concebido pelo Coletivo Brincapoeirar, da Cidade Tiradentes. A mostra inaugural terá lugar no Instituto Pombas Urbanas, uma ONG localizada no mesmo bairro, no próximo sábado (20), a partir das 9 horas.

A iniciativa do Coletivo foi inspirada em um estudo de mestrado apresentado em 2017, na Faculdade de Educação (FE) da USP. Intitulada A roda de capoeira e seus ecos ancestrais e contemporâneos, a pesquisa foi realizada pelo também mestre de capoeira Valdenor Silva dos Santos, mais conhecido como mestre Valdenor. Atualmente, mestre Valdenor está no programa de doutorado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O projeto Ecos da Ancestralidade vem de encontro a um dos principais objetivos do estudo de mestre Valdenor, que é resgatar historicamente a prática da capoeira. “Entendo como uma extensão de nossa pesquisa, no viés da valorização dos(as) mestres(as), com um toque de criação artística e a promoção de reflexões para o público escolar e a comunidade”, avalia mestre Valdenor.

Mestre Valdenor, educador e aluno do programa de doutorado da FFLCH – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

De acordo com o professor de educação física e mestre de capoeira Carlos Bezerra da Silva, conhecido como mestre Raça, o projeto visa educar sobre a importância da capoeira na ancestralidade brasileira e salvaguardar, pelos retratos, as histórias e memórias dos mestres do passado e do presente. Em entrevista ao Jornal da USP, mestre Raça conta que há negociações avançadas para outras sete exposições na cidade de São Paulo. “Além das exposições, teremos palestras educativas sobre a importância da capoeira na cultura brasileira, inclusive, com a presença de alguns dos capoeiristas retratados”, antecipa, destacando que estão buscando patrocínios para o projeto seguir em escolas públicas, centros culturais e espaços de cultura.

Mestre Valdenor - Foto: Marcos Santos

Retrato de Mestre Valdenor que fará parte da exposição – Foto: Marcos Santos

Nesta primeira mostra, serão expostos quadros de 25 mestres capoeiristas, que foram confeccionados por meio de uma técnica mista que utiliza luz e sombra, a partir de fotos dos personagens que serão retratados. “Essa técnica foi aplicada num primeiro momento pelo artista plástico Igor Rodrigues, que também é capoeirista. Inicialmente ele confeccionou quatro quadros e ensinou a técnica ao mestre Raça, que vem nos transmitindo todo o procedimento. Estamos hoje numa produção coletiva”, relata Evaldo Sena da Silva, o mestre Silva, que, juntamente com Carlos Bezerra, é coordenador do coletivo Brincapoeirar, que já existe no bairro de Cidade Tiradentes há 15 anos.

Preservar a memória

Segundo Carlos Bezerra, a ideia é produzir cada vez mais quadros como forma de preservação de memória dos personagens da capoeira. “Mestre Silva, por exemplo, foi o pioneiro na introdução da capoeira aqui em Cidade Tiradentes, na década de 1980”, destaca. Segundo ele, a ideia é continuar a produzir as imagens. Para tanto é preciso realizar um mapeamento da cidade de São Paulo para saber o número de mestres capoeiristas. “Ainda não conseguimos, sequer, mapear os bairros da zona leste da cidade”, lembra mestre Raça.

De acordo com os coordenadores do projeto, após o final da mostra itinerante, a ideia é doar parte do acervo a casas de cultura e centros culturais que tenham interesse em preservar as obras.

Carlos Bezerra da Silva - Foto: Marcos Santos

Além dos mestres Bimba e Pastinha, há retratos dos próprios coordenadores do Brincapoeirar, mestres Silva e Raça, de mestre Valdenor, mestre Canhão e mestre Ananias, entre outros. “Esse mestre [Ananias] foi por muito tempo o guardião da capoeira na Praça da República, no centro de São Paulo. Infelizmente nos deixou no ano de 2016”, conta Carlos Bezerra.  

Mestranda Alê

Na galeria dos mestres que irão compor essa primeira mostra, destaque para o retrato de Alessandra Aparecida Pontes, do grupo de capoeira Beija Flôr. Praticante do esporte há 25 anos, a contra-mestre Alê, como é conhecida, ministra aulas no bairro do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, há 13 anos, em associações, projetos comunitários e escolas particulares.

“Hoje tenho a graduação de mestranda e a capoeira me trouxe muitos benefícios. Já ministrei aulas no México, com meu mestre Vica, levando a nossa cultura e um pouco de nosso conhecimento àquele país”, conta. Alê destaca que a mulher ganhou seu espaço no mundo da capoeira. “Ensino homens, mulheres e crianças. A capoeira é disciplina, é esporte e cultura. Tenho, inclusive, alunos com autismo e portadores da síndrome de Down. A capoeira os ajuda muito”, garante.

Alê também ressalta que a mulher tem seu espaço garantido na capoeira, onde ela pode opinar sobre o esporte de maneira geral. “A mulher canta, joga capoeira e toca os instrumentos. Há muitas mestras e professoras ministrando aulas em diversos lugares do mundo”, afirma Alê.

Alessandra Aparecida Pontes - Foto: Arquivo pessoal

Projeto Brincapoeirar

O Projeto Brincapoeirar é um trabalho que estuda e pesquisa práticas das brincadeiras de capoeira nas relações de arte e educação. De acordo com o mestre Raça, uma das bandeiras do projeto é a conscientização e prevenção da obesidade infantil. Além disso, colabora na formação da identidade cultural, na cidadania, na pacificação e no bom convívio das regras sociais.


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