Biblioteca Brasiliana da USP expõe obras inéditas de Siron Franco

Exposição do artista goiano - um protesto contra o garimpo ilegal, a violência contra povos indígenas e a destruição do ambiente - fica em cartaz até 3 de novembro

 14/09/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 20/09/2023 as 14:38

Texto: Adrielly Kilryann*

Arte: Gabriela Varão**

Obra de Siron Franco exposta na Praça Central do Espaço Brasiliana, na Cidade Universitária, em São Paulo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

É a primeira vez que a Cidade Universitária recebe obras de Siron Franco. Garimpo, o Carvão e o Ouro é o trabalho mais recente do artista goiano, que traz reflexões acerca da devastação e da violência resultantes do garimpo ilegal. A exposição está em cartaz na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP até 3 de novembro. 

São cinco obras inéditas que retratam a preocupação do artista com a exploração e a destruição do ambiente e dos povos originários – em particular, dos Yanomami, após os registros de ataques e invasões em Roraima no começo deste ano. Em entrevista ao Jornal da USP, Siron Franco conta que retratar essas temáticas através da arte “é inevitável”. “Essa motivação surgiu há muito tempo – eu tenho 76 anos. Costumo dizer que o último trabalho tem a minha idade. Eu tenho a ver com a região na qual vivo, o País onde vivo”, relata.

A trajetória de Franco na arte é longa. Nascido em 1947 em Goiás Velho (GO), suas experimentações artísticas tiveram início em meados de 1960. Mas foi nas décadas de 1970, 1980 e 1990 que o artista alcançou notoriedade, sobretudo com a série Césio, de 1987 – também chamada de Rua 57 –, que aborda o acidente radioativo ocorrido naquele ano em Goiânia, quando uma cápsula contendo césio-137, abandonada num terreno, foi aberta. Nessa obra, Franco já demonstrava a sua preocupação com o ambiente. Agora, na BBM, o artista dá continuidade ao seu trabalho em defesa da natureza, da democracia e da humanidade.

Para além de uma forma de expressão artística, a exposição funciona como uma ferramenta de reflexão e de ativismo político, afirma o professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Luiz Armando Bagolin, que assina a curadoria da mostra ao lado do pesquisador Fabrício Reiner. “Esses dois papéis que a arte sempre pautou simultaneamente e que estão presentes particularmente na obra de Siron Franco são um grande exemplo para a comunidade uspiana de um instrumento transformador da nossa sociedade.”

Siron Franco - Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil/CC BY 3.0 br

Siron Franco – Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil/CC BY 3.0 br

Ao chegar no local da exposição, é impossível não notar as 300 toneladas de carvão industrial que percorrem cerca de 200 m² do chão da Praça Central do Espaço Brasiliana, onde fica a biblioteca. O Carvão e o Ouro (2019-2023) é uma instalação externa composta por toras de madeira crestada, superfícies espelhadas e folhas de ouro falso.

A montagem de "O Carvão e o Ouro" foi pensada especialmente para instalação na Praça Central do Espaço Brasiliana, na Cidade Universitária - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Durante quatro anos, Siron Franco reuniu mais de 400 sacas de carvão para construir a obra - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Siron se propôs também a deliberadamente não apresentar a madeira em seu último grau de torrefação, ou seja, a madeira completamente transformada em carvão, quando não há mais possibilidade alguma de salvar o que restou”, escreve Bagolin na apresentação da mostra. O carvão remete ao “primeiro estado da matéria, morta e putrefata, da qual uma nova vida surgirá”, enquanto o ouro, extraído do garimpo ilegal, ”brilha como um signo da morte, como o pó radioativo do césio-137”.

O professor Luiz Armando Bagolin, curador da mostra - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O professor Luiz Armando Bagolin - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Os detalhes dourados que aludem ao ouro aparecem não só na instalação externa, mas também nas demais obras. Ao falar do elemento químico, Franco lembra a infância. “Meu pai era um grande defensor do Cerrado e uma vez o ouvi falar que ‘o negócio não era ouro; era água’. Eu achei estranho porque havia muitos rios no Brasil. E hoje a maioria deles é poluída”.

Bagolin acrescenta que “o ouro é visto como um mineral tão precioso e cobiçado pela exploração, mas ele está sempre associado à destruição”.

Entrando na Livraria João Alexandre Barbosa, da Editora da USP (Edusp), também instalada no Espaço Brasiliana, um móbile suspenso no centro do teto chama a atenção. Ponte Vertical: Braços e Mãos (2023) é uma escultura na qual braços de manequins brancos e pretos apoiam-se uns nos outros, criando uma cadeia que alcança o subsolo. “A obra sugere a fusão, a mistura, que é a gênese do povo brasileiro, como uma tentativa de vínculo, de união, para que a gente possa resistir a essa invasão, a essa violência a todas essas formas de exploração contra as nossas florestas particularmente”, comenta Bagolin.

Ponte vertical: braços e mãos (2023), vista do andar térreo da Edusp - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Detalhe da obra Ponte vertical: braços e mãos (2023) - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na Sala BNDES, no subsolo da livraria, a série Vestígios (2019-2023) é formada por três obras. São três mesas, que apresentam diversos materiais imersos em concreto, desde cerâmicas originais feitas por carajás, cápsulas e balas de carabina até uma pele de cobra aberta ao meio e banhada por cinco camadas de ouro, remetendo à degradação ambiental. “São registros de assoreamento, de destruição dos povos. Nós somos predadores horrorosos. A humanidade é muito feia nesse sentido, de destruir a sua própria casa”, critica Siron Franco. “Sou tocado pela vida, e o meu trabalho sempre esteve ligado a essa questão. Continuei a luta contra os problemas que vi meu pai combater quando era menino.”

Desde 2019, Bagolin procura apresentar exposições que conversem com o espaço da BBM. “A ideia é trazer para o Complexo Brasiliana exposições de arte contemporânea que são um pouco diferentes daquelas que já ocorrem tradicionalmente nesse espaço”, conta. Segundo ele, a exposição é também “um presente” para a biblioteca, que neste ano completa dez anos de inauguração. 

A exposição Garimpo, o Carvão e o Ouro, de Siron Franco, fica em cartaz até 3 de novembro, de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, no Espaço Brasiliana (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, São Paulo). Entrada grátis. Mais informações estão disponíveis no site da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP.

* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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