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USP diploma 15 estudantes que foram mortos durante a ditadura militar
O projeto “Diplomação da Resistência” é uma homenagem a 33 estudantes da Universidade que foram vítimas daquele período
Alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mortos pela ditadura – Foto: Reprodução/FFLCH-USP
Nesta segunda-feira, dia 26 de agosto, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizou a diplomação de 15 de seus estudantes que foram mortos durante a ditadura militar brasileira. O evento, realizado no Auditório Nicolau Sevcenko, do prédio dos Departamentos de Geografia e História, faz parte da iniciativa Diplomação da Resistência, que prevê conceder diplomas honoríficos de graduação aos 33 estudantes da USP vítimas daquele período.
Resultado de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e o coletivo de estudantes Vermelhecer, o projeto Diplomação da Resistência é uma forma institucional de reconhecer e reparar as violências, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos ocorridos durante os 21 anos de ditadura. Lançado em 15 de dezembro de 2023, teve como primeiros homenageados os estudantes Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto de Geociências (IGc) e militantes do movimento estudantil.
“Nesse momento, nós devolvemos para a sociedade todo o investimento que foi feito na Universidade. Infelizmente, esses estudantes tiveram suas oportunidades ceifadas de maneira violenta, mas, ainda assim, fizeram mudanças profundas em nossa sociedade através de suas lutas, para que hoje possamos viver em um País livre e democrático”, afirmou o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, que destacou a importância da concessão dos diplomas aos alunos de graduação.
Em sua fala, a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lanna, lembrou a trajetória para a formação da iniciativa, que teve início com a instauração de uma Comissão da Verdade da USP, responsável por identificar e reconhecer a história e a luta de cada um dos estudantes. “Essa comissão gerou uma série de recomendações que, mesmo tardiamente, nós estamos nos esforçando para cumprir. Dentre elas, está a diplomação dos estudantes da nossa Universidade, não só como forma de homenagem, mas como reconhecimento aos alunos e a seus familiares e para toda a sociedade brasileira”, afirmou.
O pró-reitor de Graduação, Aluisio Segurado, reiterou a importância do projeto de diplomação no ano em que o golpe militar completa 60 anos e a USP, 90. “A Universidade cultiva, desde a sua fundação em 1934, valores como o respeito à diversidade, ao pluralismo de ideias e à democracia, valores esses que com certeza moviam os estudantes que tiveram suas vidas e sonhos prematuramente interrompidos, mas que hoje recebem, como homenagem póstuma, esses diplomas”.
A vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda parabenizou a Universidade. “Não há reparação possível para a violência que foi concebida, mas essa iniciativa é um gesto simbólico que expressa indignação e repúdio por parte da nossa instituição em relação ao período da ditadura”, disse.
O diretor da FFLCH, Paulo Martins, foi responsável por ler o protocolo de diplomação, destacando que “esse é mais um passo em direção ao cumprimento das recomendações instituídas pela nossa Comissão da Verdade”.
A estudante Helenira Resende de Souza Nazareth, uma das vítimas da ditadura a ser diplomada, recebeu uma homenagem de sua sobrinha-neta, Yara Nazareth de Souto Santos. “Além de toda a sua luta de resistência à ditadura, eu fico imaginando como foi para Tia Nira (Helenira) se fazer presente nesse espaço acadêmico há 50 anos, sendo uma mulher negra. Ela abriu caminho para que eu e mais outras mulheres ocupássemos essas posições, sem nunca esquecermos da defesa da liberdade e da democracia”.
Na cerimônia, os alunos representantes dos Centros Acadêmicos de cada curso (Filosofia, Letras, História, Geografia e Ciências Sociais) foram responsáveis por entregar os diplomas aos familiares e amigos dos homenageados.
Também compunham a mesa do evento a vice-diretora da FFLCH, Ana Paula Torres Megiani; a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella Nunes da Silva; a presidenta da União Estadual dos Estudantes (UEE-SP), Bianca Borges dos Santos; e uma das presidentas do Diretório Central dos Estudantes Alexandre Vannucchi Leme, o DCE Livre da USP, Dany Oliveira.
Na próxima quarta-feira, dia 28 de agosto, será a vez de a Faculdade de Medicina (FM) da USP conceder mais dois diplomas honoríficos aos estudantes Antônio Carlos Nogueira Cabral e Gelson Reicher.
A história dos estudantes diplomados
Antonio Benetazzo
Estudante no curso de Filosofia da USP em 1967 e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), ajudou a fundar o Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi preso e torturado até a morte em 1972, pelo Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi/SP). Além de sua luta política, Antonio era artista plástico. Em São Paulo, uma praça próxima ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) leva seu nome.
Carlos Eduardo Pires Fleury
Estudante de Filosofia da USP e integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso e torturado em 1969. Em 1970, foi libertado com outros presos políticos em troca do embaixador alemão no Brasil, Ehrenfried von Holleben. Banido do País, refugiou-se em Cuba e retornou ilegalmente em 1971, ano em que foi assassinado, reforçando a ideia de que havia uma sentença de morte implícita aos militantes banidos que voltassem a atuar.
Catarina Helena Abi-Eçab
Ingressante no curso de Filosofia da USP em 1967 e militante no movimento estudantil, casou-se com João Antônio Santos Abi-Eçab, em 1968. A versão oficial afirma que ambos morreram em um acidente de carro no Rio de Janeiro, em novembro de 1968. Contudo, reportagens exibidas no Jornal Nacional em abril de 2001 desmentiram essa versão, revelando que o casal foi, na verdade, executado.
Fernando Borges de Paula Ferreira
Estudante no curso de Ciências Sociais da USP em 1965, destacou-se como líder estudantil e ativista sindical. Em 1969, foi emboscado e morto por agentes do Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil (Deic), em São Paulo. A versão oficial alegava troca de tiros, mas a necropsia gerou inconsistências.
Francisco José de Oliveira
Estudante de Ciências Sociais, ingressou na USP em 1967, militante na Ação Libertadora Nacional (ALN) e integrante do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi assassinado em 1971, por agentes do DOI-Codi/SP, após uma perseguição policial. O laudo de necropsia apresentou contradições em relação à foto do Instituto Médico Legal (IML) e foi registrado com um nome falso, apesar de ter anotações ao lado com a identidade verdadeira.
Helenira Resende de Souza Nazareth
Ingressou no curso de Letras da USP em 1965. Foi militante ativa: eleita presidente do Centro Acadêmico e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1968. Foi morta em 1972, segundo o Relatório Arroyo, após confronto com soldados enquanto atuava como guarda na região do Araguaia. Mesmo ferida, resistiu, mas foi capturada e torturada até a morte. Seu corpo nunca foi encontrado.
Ísis Dias de Oliveira
Estudante no curso de Ciências Sociais da USP, em 1965, passou a residir no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp). No início de 1972, Ísis se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi presa e, desde então, permanece desaparecida. Sua família buscou incessantemente por informações, mas não obteve sucesso. Em sua homenagem, o Centro Acadêmico de Ciências Sociais da USP foi renomeado como CeUPES Ísis Dias de Oliveira, reconhecendo sua importância no movimento estudantil.
Jane Vanini
Ingressante no curso de Ciências Sociais da USP em 1966, foi militante na Ação Libertadora Nacional (ALN), no Movimento de Libertação Popular (Molipo) e no Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Buscou asilo no Chile e, após o golpe de estado, em 1973, que levou Augusto Pinochet ao poder, viveu na clandestinidade. Após a prisão de seu companheiro, tentou resgatá-lo, mas foi presa após resistir por quatro horas contra agentes policiais. Em 1993, o governo chileno reconheceu a responsabilidade pela morte de Jane e concedeu uma pensão à sua família. Seu corpo nunca foi encontrado.
João Antônio Santos Abi-Eçab
Estudante de Filosofia da USP em 1963, foi ativo no movimento estudantil. Casou-se com Catarina Helena Abi-Eçab em 1968. A versão oficial de sua morte afirmava que o casal faleceu em um acidente de carro, mas reportagens posteriores revelaram que João e Catarina foram, na verdade, executados pelo DOI-Codi/RJ, versão confirmada por um ex-soldado do Exército.
Luiz Eduardo da Rocha Merlino
Ingressou na USP em 1969, no curso de História. Em 1970, viajou à França para participar do 2º Congresso da Liga Comunista. Após retornar ao Brasil, foi preso violentamente em Santos e levado ao DOI-Codi/SP, onde foi torturado por 24 horas ininterruptas até a morte. A família moveu uma ação judicial contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de ser o responsável por sua morte. Embora a justiça tenha inicialmente reconhecido a responsabilidade de Ustra, o coronel faleceu, em 2015, sem ter sido oficialmente punido.
Maria Regina Marcondes Pinto
Estudante de Ciências Sociais na USP em 1969, mudou-se para o Chile e atuou no Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Ao retornar para o Brasil em 1976, após uma breve estadia em Buenos Aires, desapareceu depois de se encontrar com o médico Edgardo Enriquez, também ligado ao MIR. O Estado argentino reconheceu sua responsabilidade no desaparecimento. Seu corpo nunca foi localizado.
Ruy Carlos Vieira Berbert
Ingressante no ano de 1968, no curso de Letras da USP, onde se envolveu ativamente com o movimento estudantil. Documentos indicam que ele foi torturado antes de sua morte, durante a Operação Ilha, que visava capturar guerrilheiros do Molipo treinados em Cuba. Ruy é considerado desaparecido político, pois seus restos mortais nunca foram entregues à família, impossibilitando seu sepultamento.
Sérgio Roberto Corrêa
Estudante de Ciências Sociais da USP em 1967, integrou a Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele teria morrido em 1969, quando o carro em que estava explodiu na Rua da Consolação, em São Paulo.
Suely Yumiko Kanayama
Em 1967, Suely ingressou no curso de Letras da USP. No final de 1971, chegou à região do Araguaia e, em 1973, durante a repressão à guerrilha, desapareceu após sair em missão. Segundo uma reportagem do Diário Nippak, de 1979, Suely foi morta por rajadas de metralhadora e enterrada em Tocantins.
Tito de Alencar Lima
Ingressou na Ordem dos Dominicanos em 1965 e foi ordenado sacerdote em 1967. Em 1969, iniciou o curso de Ciências Sociais na USP e foi preso, acusado de ligações com a ALN, sofrendo torturas intensas. Foi banido do Brasil em 1971, em troca da libertação do embaixador suíço, e instalou-se na França. Contudo, a tortura deixara nele marcas profundas. Em 1974, Frei Tito, como era conhecido, suicidou-se no convento dominicano de Sainte-Marie de la Tourette.
*Estagiária sob supervisão de Erika Yamamoto
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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