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USP diploma e homenageia estudantes mortos durante a ditadura militar
Ao todo, 31 estudantes serão diplomados; no dia 15 de dezembro, uma cerimônia no Instituto de Geociências homenageou Alexandre Vannucchi e Ronaldo Queiroz
Alexandre Vannucchi e Ronaldo Queiroz recebem diplomação em homenagem após assassinato durante ditadura civil-militar - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Wikimedia Commons/Memorial da Democracia, Biblioteca Nacional, CPDOC/FGV via Tv Brasil/Flickr, Tortura Nunca Mais/Wikimedia Commons/CC BY 4.0, Reprodução/Youtube/"Maurina: o Outono Que Não Acabou" e Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Alexandre Vannucchi e Ronaldo Queiroz recebem diplomação em homenagem após assassinato durante ditadura civil-militar - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Wikimedia Commons/Memorial da Democracia, Biblioteca Nacional, CPDOC/FGV via Tv Brasil/Flickr, Tortura Nunca Mais/Wikimedia Commons/CC BY 4.0, Reprodução/Youtube/"Maurina: o Outono Que Não Acabou" e Reprodução/Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Em uma cerimônia carregada de emoção, foi lançado hoje, dia 15 de dezembro, o projeto Diplomação da Resistência, uma iniciativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e da vereadora paulistana Luna Zarattini (PT), em parceira com o Instituto de Geociências (IGc) da USP.
O projeto tem como objetivo conceder diplomas honoríficos a 31 estudantes da USP mortos durante a ditadura militar brasileira, a fim de reparar as injustiças e honrar a memória dos ex-alunos. Segundo a Comissão da Verdade da USP, as vítimas fatais na Universidade foram 39 alunos, seis professores e dois funcionários.
Os primeiros homenageados são Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto de Geociências na década de 1970 e também militantes do movimento estudantil da Universidade.
O evento de lançamento do projeto Diplomação da Resistência contou com a presença de autoridades da Universidade, militantes do movimento estudantil e de amigos e familiares dos dois alunos homenageados- Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Muitos colegas estão felizes em poder homenagear o Alexandre e o Queiroz, geólogos, colegas de profissão, que tiveram seus sonhos interrompidos pela estupidez e desumanidade da ditadura cívico-militar.”
Iara Weissberg, ex-aluna de Geologia e colega de turma de Queiroz
“O projeto de diplomação dos 31 estudantes mortos pela ditadura atende a um anseio antigo dos sobreviventes e familiares pelo reconhecimento, por parte da Universidade, de que estes estudantes tiveram suas trajetórias tragicamente interrompidas. É obrigação, tanto da instituição quanto da sociedade civil, refletir sobre esse cenário”, diz o coordenador da Diretoria de Direitos Humanos e Políticas de Memória, Justiça e Reparação da PRIP, Renato Cymbalista.
A iniciativa veio, a princípio, do gabinete de Luna Zarattini, junto com o coletivo de estudantes Vermelhecer. No entanto, a demanda já era um desejo de familiares e amigos dos estudantes assassinados. Camilo Vannucchi, jornalista, escritor e primo de Alexandre Vannucchi Leme, já havia proposto para a Reitoria da USP, em 2018, a ideia de diplomar seu primo, conforme revelou em entrevista para o Jornal da USP.
Renato Cymbalista - Foto: Arquivo pessoal
Quem foram Alexandre Vannucchi e Ronaldo Queiroz?
“Ele era um ponto de contato, uma pessoa que, no movimento estudantil, fazia e distribuía panfletos e folhetos com a ideia de aproximar e explicar para os estudantes a conjuntura, o contexto, por que aquelas ações armadas estavam sendo feitas”, diz Camilo.
Vannucchi aproximou-se da Ação Libertadora Nacional (ALN), uma das principais razões pelas quais foi perseguido e preso pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), em 16 de março de 1973. Nesta data, inclusive, já havia pelo menos 24 estudantes da USP mortos ou desaparecidos.
“Ele é preso pouco depois de uma ação da ALN em março de 1973, que culmina na morte de um agente da polícia. Tem um movimento de retaliação, em que um monte de gente é presa, inclusive Alexandre, com a ideia de desbaratar a presença da ALN dentro do campus da USP”, completa Camilo.
Camilo Vannucchi - Foto: Arquivo Pessoal
Após o rapto, Vannucchi foi vítima de inúmeras torturas que, supostamente, resultaram em uma hemorragia interna na região do apêndice. Dois meses antes, a região tinha sido operada em cirurgia.
O estudante foi enterrado como indigente e a causa da morte divulgada pelo governo foi atropelamento, que teria ocorrido enquanto Vannucchi tentava fugir da polícia. Apenas em 2014 sua certidão de óbito foi retificada, com a informação de que havia sido morto no DOI-Codi por tortura.
Ronaldo Mouth Queiroz, também estudante de Geologia, era um líder estudantil vinculado à ALN. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP e produzia um jornal independente com críticas políticas bem-humoradas, sob o pseudônimo de Mc Coes. “Talvez fosse essa a forma de ele trazer informações sobre a luta contra um regime que nos tirava a liberdade de manifestação, além de prender estudantes por se reunirem em congressos ou em centros acadêmicos e assembleias”, diz Iara Weisseberg, ex-aluna do curso e colega de turma de Queiroz, ao refletir sobre o objetivo do amigo na escrita desses materiais.
Após um período na clandestinidade, Queiroz foi morto a tiros por uma equipe do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em 6 de abril de 1973, três semanas após a morte de Vannucchi, enquanto estava em um ponto de ônibus. Na versão oficial divulgada, Queiroz teria morrido após uma troca de tiros com militares. No entanto, testemunhas que estavam naquele mesmo ponto de ônibus relataram ter visto o momento da execução.
“Queiroz era um estudante típico, preocupado com as aulas e com os relatórios que deveriam ser entregues. Nas aulas de laboratório, participava com interesse. Nos intervalos ele se reunia com colegas no Cepege [Centro Acadêmico dos alunos de Geologia], onde havia conversas sobre vários assuntos relacionados com o movimento dos estudantes preocupados com a repressão que existia”, relembra Iara.
“Ele terminaria o curso no ano seguinte, como eu, mas não aconteceu. Ele merecia esse diploma que, agora, se considerou justo receber. Fico feliz, mesmo tão tarde. Nosso saudoso colega geólogo Ronaldo Mouth Queiroz, graduado pela USP em 2023”, conclui a geóloga.
Iara Weissberg - Foto: Arquivo Pessoal
Diplomação da Resistência
A cerimônia de diplomação começou com falas de autoridades da Universidade, militantes do movimento estudantil e amigos e familiares dos dois alunos homenageados, muitos deles uniformizados com camisetas que faziam referência aos 50 anos da morte de Vannucchi e Queiroz.
“O Alexandre era um ótimo aluno. Vivia e participava de tudo que a Universidade oferecia, partilhava de todas as lutas comuns aos estudantes daquela época”, lembrou Beatriz Vannucchi Leme, uma das irmãs de Alexandre, emocionada. “Essa diplomação honorífica concedida ao Alexandre é uma satisfação a todos nós, é a conquista simbólica de um diploma da maior universidade da América Latina”, completou.
A vereadora Luna Zarattini (PT), uma das idealizadoras do evento, também marcou presença. “A cerimônia de hoje é bastante histórica, porque a gente sabe o quanto o Estado não reconheceu e não garantiu, de fato, a justiça para muitos que deram seu suor, que deram a vida para a gente lutar pela democracia e garantir direitos na nossa sociedade”, afirmou.
O diploma de Vannucchi foi entregue para as irmãs Beatriz e Miriam - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Adriano Diogo, geólogo, deputado estadual e amigo de Ronaldo Queiroz, convocou, durante a sua fala, a presença de seus colegas de turma, também colegas de Ronaldo e que estavam presentes uniformizados com roupas que relembravam os 50 anos da morte de Vannucchi e Queiroz. “A USP demorou 50 anos para diplomar duas pessoas. Esperamos que a Reitoria não espere mais 50 anos para reconhecer os outros 31 [estudantes]”.
Na visão da pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lucia Duarte Lanna, aspectos como memória e reparação “sempre foram uma questão central para nós, nos nossos atos de criação. Entendo que, aqui, estamos cumprindo uma obrigação imprescindível, necessária, porque é um compromisso político da Universidade, que articula os horrores do passado com seus compromissos para o futuro”.
Os amigos Alberto Alonso Lázaro e Lílian Meyer Frazão receberam o diploma de Queiroz - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O diretor do Instituto de Geociências (IGc), Caetano Juliani, endossou todas as falas em homenagem aos estudantes. “Hoje vivemos momentos difíceis para a humanidade em nosso país e no mundo, e pessoas como Alexandre e Ronaldo, dentre muitos outros, fazem enorme falta. Não apenas por terem sido alunos brilhantes, mas por terem sido idealistas, preocupados com o bem-estar da população e por buscarem um mundo melhor e mais justo”, considerou.
A vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda acenou para a mudança de pensamento dentro da Universidade. “Esse momento é importantíssimo, porque ele simboliza, sobretudo, um movimento no qual a Universidade se expressa de uma maneira forte para dizer ‘nós não aceitaremos mais isso’. A USP amadureceu no sentido de dizer ‘nós temos um compromisso com a liberdade, com a democracia, com a dignidade da pessoa humana’. A gestão atual não abre mão desses princípios”, finalizou.
Ao final, o diploma de Vannucchi foi entregue para as irmãs Beatriz e Miriam, e o de Queiroz, para seus amigos Lílian Meyer Frazão, que hoje é docente do Instituto de Psicologia (IP) da USP, e Alberto Alonso Lázaro.
*Estagiária sob supervisão de Adriana Cruz
**Estagiárias sob supervisão de Moisés Dorado
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