Vítima do regime militar, Antonio Benetazzo é diplomado como arquiteto e filósofo

Homenagem faz parte do projeto Diplomação da Resistência, iniciativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento e da Pró-Reitoria de Graduação

 Publicado: 04/11/2024 às 17:51     Atualizado: 18/11/2024 às 18:29

Texto: Erika Yamamoto

Arte: Beatriz Haddad*

Fotomontagem Jornal da USP feita com imagens do Memorial da Resistência de São Paulo e de Cecília Bastos/USP Imagens

Em uma cerimônia emocionante realizada no auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU), no dia 1º de novembro, o estudante Antonio Benetazzo, assassinado pelo regime militar em 1972, foi homenageado com os diplomas honoríficos de arquiteto e de filósofo. Nessa data, Benetazzo completaria 83 anos de idade. 

“Tem sido muito importante recuperar essas trajetórias, os projetos e as histórias desses estudantes que foram interrompidos pelo assassinato, pela repressão da ditadura, mas que sobrevivem e se atualizam nas práticas e memórias dos que ficaram. Esse é um reconhecimento formal, oficial da Universidade, que confere o título de graduado aos nossos ex-alunos e que, mais do que ser um projeto de reparação, atualiza o significado da luta pela liberdade, pela democracia, e da defesa das instituições públicas, que é o que eles defendiam”, afirmou a pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, Ana Lúcia Duarte Lanna.

A FAU é a sexta unidade da USP a homenagear, por meio do projeto Diplomação da Resistência, seus estudantes mortos pela ditadura militar brasileira. O projeto é uma iniciativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e da Pró-Reitoria de Graduação (PRG).

“A USP cultiva, desde a sua fundação, em 1934, valores que aliam a excelência acadêmica ao respeito à diversidade, ao pluralismo de ideias, à democracia e à dignidade de todos e todas, valores que certamente moviam Benetazzo em seu projeto de vida pela construção de uma sociedade brasileira mais justa”, lembrou o pró-reitor de Graduação, Aluisio Segurado.

A cerimônia foi realizada no Auditório da FAU, no dia 1º de novembro, data em que Benetazzo completaria 83 anos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O diretor de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, Renato Cymbalista, que também é docente da FAU, ressaltou que “o diploma que a família de Antonio Benetazzo está recebendo não é só um pedaço de papel impresso. É um diploma que tem uma vigência administrativa, que passou por todos os colegiados da unidade até ir para a Divisão de Registros Acadêmicos da Secretaria Geral da USP. Em cada unidade por onde o projeto Diplomação da Resistência passa, ele qualifica, ele constrói uma nova institucionalidade”.

A irmã de Benetazzo, Itália, recebeu o diploma de arquiteto do irmão das mãos do representante do Grêmio Estudantil da FAU, Denilson Colque. “Eu era uma menina quando ele faleceu, então não tive a oportunidade de conhecer bem meu irmão. A memória se faz ao se falar da história. Nesse momento em que vivemos no mundo, essa fala tem uma importância muito grande, porque, embora eu não tenha tido a oportunidade de conhecer meu irmão, fico muito sensibilizada com a possibilidade de que os jovens possam saber o que aconteceu, conhecer essa história para que ela nunca mais se repita”, afirmou Itália.  

Na cerimônia, Colque contou que os estudantes decidiram renomear o Piso do Museu, espaço onde está instalado o Grêmio, com o nome de Antonio Benetazzo. “Essa decisão visa não apenas eternizar a presença de Benê, mas também trazer para a memória coletiva da comunidade acadêmica e do público a importância de sua luta no movimento estudantil. Benetazzo, hoje, é arquiteto e filósofo, mas, no nosso Piso do Museu, ele nunca vai deixar de ser um de nós, estudantes”, disse o representante.

O diploma honorífico de filósofo foi entregue para a ex-companheira de Benetazzo, Maria Aparecida Horta, que é mãe de Maria Antonia, filha do casal, que faleceu ainda criança.

 

O estudante Denilson Colque entregou o diploma honorífico de arquiteto à irmã de Antônio, Itália Benetazzo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Muitas vezes essa cerimônia se reveste de um caráter triste, mas eu acho que hoje é um momento de homenagem, em que celebramos a vida do Benê e tudo o que ele fez. Então, é um momento de alegria”, afirmou o diretor da FAU, João Sette Whitaker Ferreira, ao anunciar que a Professora Emérita da faculdade, Erminia Maricato, havia doado um quadro pintado pelo próprio Benetazzo, que ficará exposto na biblioteca da unidade.

Marcos de Azevedo Acayaba falou em nome dos colegas de Benetazzo, que fez parte da turma ingressante da FAU de 1964, juntamente com Ricardo Ohtake, Cristiano Mascaro e Satiko Oiti Nakata, que estavam presentes no evento. Também participaram da cerimônia o vice-diretor da FAU, Guilherme Teixeira Wisnik; o diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e coordenador do Grupo de Trabalho Políticas de Reparação da FAU, José Tavares Correia de Lira; além de amigos e familiares do homenageado.

O diploma honorífico de filósofo foi entregue para Maria Aparecida Horta, ex-companheira de Benetazzo e mãe de Maria Antonia, filha do casal – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Antonio Benetazzo, o Benê

Nascido na cidade de Verona, na Itália, em 1941, em uma família perseguida pelo fascismo de Mussolini, Antonio Benetazzo chegou ao Brasil com nove anos de idade.

Na infância, morou em São Vicente e Caraguatatuba, no litoral paulista. Mais tarde, já na adolescência, mudou-se para Mogi das Cruzes, onde cursou o ensino médio no Instituto de Educação Washington Luiz. Foi no colégio que Benetazzo se engajou em atividades artísticas, esportivas e políticas, dando início à sua participação no movimento estudantil e filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro.

Em 1964, foi morar na capital após ingressar na USP, onde passou a cursar, simultaneamente, os cursos de Arquitetura, da FAU, e também de Filosofia. Teve início, então, um período de intensa criação artística, com a produção de mais de 180 obras de estilos variados, e de engajamento político. A partir de 1968, passou a integrar a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e a viver na clandestinidade. No ano seguinte, viajou para Cuba, para treinamento político.

Em 1971, mesmo em meio ao violento recrudescimento da ditadura, Benetazzo retornou secretamente ao Brasil. No dia 28 de outubro de 1972, Antonio Benetazzo foi detido por policiais e levado para a sede do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-Codi/SP), onde foi torturado e morto.

Em homenagem ao artista-militante, a cidade de São Paulo deu o seu nome a uma praça localizada atrás do Museu de Arte de São Paulo (Masp).

A obra de Benetazzo será instalada na Biblioteca da FAU – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Diplomação da Resistência

Resultado de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), a vereadora paulistana Luna Zarattini e o coletivo de estudantes Vermelhecer, o projeto Diplomação da Resistência é uma forma institucional de reconhecer e reparar as violências, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos ocorridos durante os 21 anos de ditadura. Os homenageados foram selecionados a partir das investigações conduzidas pela Comissão da Verdade da USP, que se dedicou a reconhecer e reparar as injustiças do passado.

Lançado em 15 de dezembro de 2023, o projeto teve como primeiros homenageados os estudantes Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto de Geociências (IGc) e militantes do movimento estudantil. Em seguida, foram homenageados os estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Faculdade de Medicina (FM), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Instituto de Psicologia (IP).

Ao todo, 33 estudantes da Universidade que foram vítimas do regime militar serão homenageados pelo projeto Diplomação da Resistência.

 

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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