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Foto: Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE)
USP oferece formação em museu com professoras indígenas
Todo o acervo da exposição foi escolhido em conjunto com grupos indígenas das culturas Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena; haverá encontro com os próprios integrantes dos grupos
O Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP promove a Formação Aberta: Educação Museal, com a exposição Resistência Já! Fortalecimento e união das culturas indígenas – Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena no dia 25 de outubro, das 15 às 17 horas. A exposição será usada como meio para expor elementos indígenas com os integrantes de cada cultura. O evento contará com a participação das indígenas Dirce Jorge Kaingang, Kujã* da terra indígena de Vanuire, e Susilene Elias, assistente e filha da Kujã Dirce. O evento é on-line e aberto ao público, mas é preciso fazer inscrição pelo link. Após a inscrição, a organização enviará o link de transmissão do vídeo, no YouTube do MAE. A mediação do evento será de Maurício André Silva, professor do MAE. No dia 27 de outubro, das 9 às 12 horas, haverá um encontro presencial com a dupla indígena.
Ao menos uma semana por mês, o MAE oferece atividades educativas com pelo menos duas pessoas indígenas envolvidas na curadoria da exposição. Na visita, os indígenas falam de suas culturas, com o auxílio da exposição. “Acaba sendo um processo muito rico, não só para os públicos, mas também para a instituição”, afirma Maurício Silva. “A grande contribuição da exposição é aproximar o nosso público da cidade de São Paulo das questões indígenas, porque a gente sabe que as pessoas ainda têm muitos equívocos sobre o que é ser indígena”, complementa.
No encontro do dia 25 de outubro, Dirce e Susilene vão falar da cultura Kaingang, descrevendo a exposição. A apresentação será feita em slide, com todo o acervo ancestral dessa cultura que está disponível no MAE. Além disso, essas mulheres relatam os desafios de ser indígena nos dias atuais. “A gente fortalece nosso território e as pessoas conhecem nossa cultura no Brasil e também no exterior. Isso é muito rico, porque quando o não indígena fala que aqui [no Brasil] não tem indígena, está aí a exposição”, pontua Susilene ao Jornal da USP. “A gente conheceu muitas peças que nem nós mesmos conhecíamos”, complementa.
Maurício André Silva – Foto: Reprodução
“Todo mundo que participa do trabalho educativo com os indígenas sai transformado. Sai com uma outra imagem e vê que os indígenas também são pessoas como a gente, que têm sentimentos, que tem desejos e que sonham. Então, é um trabalho de aproximar mesmo, mostrar que todos estamos juntos e tentar sensibilizar especialmente o não indígena para a temática indígena”, afirma o professor do MAE.
No dia 25 de outubro, a transmissão será feita unicamente on-line. Dia 27 de outubro, das 9 às 12 horas, haverá um encontro com as indígenas Dirce Jorge e Susilene Elias para um contato presencial, junto à exposição. Trata-se de um evento aberto, em que o público presente poderá conversar, tirar dúvidas e conhecer seus artesanatos.
Desenvolvimento da exposição
A partir de 1970, com os movimentos civis, os campos de conhecimento, como os museus, passaram a se recolocar em relação ao seu objeto de pesquisa, de forma a observar com mais atenção as demandas sociais por direitos a memórias, patrimônios e narrativas históricas. O pensamento museológico passou a abranger quatro perspectivas: patrimônio cultural, território, sociedade e autorrepresentação. “Nosso desafio hoje é com a interculturalidade, a começar na forma como as equipes de museus trabalham em colaboração com os grupos sociais e/ou identitários que veem no museu um lugar de participação”, explica Marília Xavier Cury, coordenadora-geral do projeto no MAE.
Marília Xavier Cury – Foto: Reprodução
A exposição Resistência Já! Fortalecimento e união das culturas indígenas – Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena surgiu da preocupação do MAE em fazer uma devolutiva aos grupos indígenas sobre os objetos de seus ancestrais coletados entre o fim do século 19 e metade do século 20, no centro-oeste paulista, pelos antropólogos Herbert Baldus, Harald Schultz e Egon Schaden. Desde 2010, Marília desenvolve pesquisas com os grupos Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena presentes nessa região de São Paulo, com o objetivo de estudar novas perspectivas entre indígenas e museus. A partir desta experiência, todo o conteúdo da exposição foi escolhido em conjunto com as culturas indígenas. “No processo autonarrativo, esses grupos foram trazendo outros elementos também e foram incorporados seus objetos atuais”, conta Maurício.
O projeto começou a ser desenvolvido em outubro de 2016. Em março de 2019, o MAE abriu a exposição ao público, com previsão de dois anos de duração. Entretanto, com a pandemia de covid-19, o museu permaneceu fechado. Os organizadores decidiram reabrir em fevereiro de 2022, quando a estrutura da exibição teve foco nos seguintes pontos: informar os grupos indígenas de objetos que se relacionam com seus antepassados, suas histórias e memórias; dar acesso a esses objetos; ressignificar as coleções e promover a autorrepresentação. “Respeitamos as reivindicações indígenas para falar da realidade deles no presente, valorizar o pesquisador indígena e promover o encontro entre gerações”, afirma Cury.
Segundo os organizadores, a exposição foi pensada em primeira pessoa, de forma que os próprios indígenas falam sobre suas coleções. “A gente está falando pela gente, mas também [é algo que] nós deixamos dentro do MAE quando não estivermos. Então, quem estiver organizando a exposição pode falar pela gente, mas do modo que nós deixamos”, afirma Susilene.
Na ausência dos grupos, os mediadores do museu buscam alternativas para continuar mostrando a versão indígena. A narrativa dos grupos originários se dá na exibição de pequenos vídeos com a fala de representantes indígenas. “[Isso ocorre] a partir da autorreflexão de como eu me relaciono com essa temática indígena. O processo de mediação vai muito nessa perspectiva, de valorizar a temática e a voz indígena”, ressalta o professor do MAE.
Susilene Elias – Foto: Reprodução/MAE
A coordenadora do projeto disse observar diversos benefícios nessa relação com os grupos indígenas. Entre eles, o exercício intercultural, de unir pesquisadores e autoridades como pajés, caciques e professores indígenas. Ela também destaca a possibilidade de manter as coleções atualizadas com as demandas contemporâneas e dispor ao público visitante do MAE a oportunidade de entrar em contato direto com falas indígenas. Marília ressalta a necessidade dos museus respeitarem os saberes tradicionais e as demandas sociais, visando ao exercício pedagógico da tolerância. “Para uma exposição como essa, é fundamental a pesquisa colaborativa que, ao longo do desenvolvimento curatorial, busca novas narrativas expográficas e novas estratégias de ensino”, afirma Cury.
O MAE disponibilizou um livreto contando a história de cada grupo indígena. A produção contém 27 páginas que descrevem os cantos, as danças, as plantações e a localização dos Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena. O livreto está disponível em PDF neste link.
Boas práticas
Em 2021, o MAE foi premiado pelo Comitê de Educação e Ação Cultural (Ceca), do Conselho Internacional de Museus (Icom) – ambas as siglas em inglês -, pela exposição Resistência Já! Fortalecimento e união das culturas indígenas – Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena. O Icom é uma organização não governamental ligada à Unesco, que executa parte de seu programa para museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU. O Ceca promove anualmente uma premiação a cinco textos sobre trabalhos educativos que foram desenvolvidos pelo mundo. Na última edição, o MAE foi um dos vencedores e recebeu o selo de Boas Práticas. Saiba mais sobre o prêmio neste link.
De título I’m here, and always have been!, o texto elaborado para a premiação contou com a explicação do projeto da exposição, como ela foi desenvolvida e como se deu a participação indígena na elaboração. “Um trabalho que tem que ser acompanhado, porque ele está indicando uma perspectiva de futuro educativo dos museus”, observa Maurício. Tudo isso com a autorização dos grupos indígenas envolvidos na exibição do trabalho. O texto está em PDF disponível no link.
A conferência da premiação foi em Bruxelas, capital da Bélgica, mas os organizadores da exposição no MAE não puderam ir. Então, gravaram um pequeno vídeo que explica o conteúdo do texto premiado, junto à participação dos grupos indígenas do trabalho. Assista ao encontro no vídeo abaixo:
Em seguida, os organizadores da exposição entraram em contato com os representantes do Ceca no Brasil e promoveram uma live para divulgar o prêmio recebido pelo MAE. O encontro teve a participação de Dirce Jorge, Susilene Elias, Marília Cury e Maurício Silva, além de outros participantes envolvidos no projeto, falando da importância de seu reconhecimento. Assista a essa exibição no vídeo abaixo:
Outra boa prática do MAE é o cuidado das peças exibidas nas exposições. Ana Carolina Delgado Vieira é a responsável pela conservação preventiva das peças indígenas do MAE. Ela explica que cada objeto passa por diversos tratamentos, como a exposição a raios gama para eliminar possíveis infestações. “Essas peças fazem parte dos antepassados desses indígenas, então o museu tem um compromisso social [em cuidar delas]”, expõe Silva.
Além dessa boa prática, no ano passado, o MAE inseriu códigos QR nas exposições para favorecer a acessibilidade ao público com deficiência, permitindo que o conteúdo seja acessado de várias formas. Esses códigos contêm audioguia, com audiodescrição para pessoas cegas, e videoguia, com intérprete de libras, para pessoas deficientes auditivas. O audioguia está disponível neste link e o videoguia neste link.
O museu fará novos encontros com duplas indígenas. De 7 a 11 de novembro, estará presente o grupo Terena, da Aldeia Ekeruá, da terra indígena Araribá, com o professor David Henrique da Silva Pereira e a liderança indígena Gerolino José Cezar. Em janeiro, virá o grupo Guarani Nhandewa para atuar com as atividades de férias no museu, que ainda não definiu detalhes. “As ações com esses grupos são contínuas, pois a pesquisa não se encerra com a exposição. Ao contrário, quanto mais estamos juntos, mais desdobramentos surgem e aprofundamentos se fazem necessários”, expõe Cury. “Não é uma ação episódica, mas uma pesquisa experimental a longo prazo que contribua com outros museus e, sobretudo, com a elaboração de políticas públicas museais, considerando os sistemas federais, estaduais e municipais”, complementa a pesquisadora.
*O Kujá é um curandeiro e líder espiritual dentro da aldeia, que possui guias espirituais (jagrẽ) que podem ser animais, vegetais e santos do panteão católico. Esses guias lhes dão ensinamentos sobre os remédios do mato e os acompanham nas práticas de cura. Eles possuem a função de proteger a aldeia espiritualmente, inclusive na festa do kiki koj, de culto aos mortos, e protegem as pessoas das almas dos que já faleceram.
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