Trilogia valoriza arte, vida e luta de mulheres negras latinas e caribenhas

A série “Narrativas contemporâneas de mulheres latinas no poder, na política, na arte, na cultura e comunicação” pode ser baixada gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP

 Publicado: 24/07/2024
Capas dos livros da trilogia
Capas dos livros da trilogia que destaca vivências de mulheres da América Latina e do Caribe – Imagens: Divulgação/ABCD-USP

 

“Um caleidoscópio de olhares” sobre a ação coletiva e as histórias de vida de mulheres latino-americanas e caribenhas. É desta maneira que os organizadores da série Narrativas contemporâneas de mulheres latinas no poder, na política, na arte, na cultura e comunicação definem esta trilogia lançada recentemente e disponibilizada no Portal de Livros Abertos da USP. Das páginas dos livros saltam personagens como as atrizes santistas Cleide Queiroz e Lizette Negreiros, a vereadora carioca Marielle Franco, a poetisa uruguaia Virginia Brindis de Salas e a artista e ativista peruana Victoria Santa Cruz. Também somos apresentadas à “tia Aurora”, uma mulher indígena descrita a partir das memórias de infância de uma professora universitária que cresceu no Paraná, e a Vera Lúcia Rodrigues dos Santos, liderança quilombola de uma comunidade localizada no Mato Grosso do Sul.

Organizados pelos docentes Júlio César Suzuki e Rita de Cássia Marques Lima de Castro, ambos do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (PROLAM) da USP, e pela pesquisadora Andrea Rosendo da Silva, os três volumes da série são compostos por artigos de autorias majoritariamente femininas. Entre resultados de estudos e reflexões de ordem mais pessoal, os textos valorizam as biografias e a agência de artistas, ativistas, lideranças comunitárias, professoras, jornalistas; de mulheres famosas e também de anônimas.

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O volume 1, Arte, cultura e comunicação sob distintas perspectivas de mulheres na América Latina e no Caribe, é voltado ao campo das artes e das comunicações. O volume 2, Mulheres latinas e caribenhas, poder e política: espaços de luta e resistência, trata da ação coletiva de mulheres afro-latinas e caribenhas em comunidades, movimentos sociais, instituições políticas e no enfrentamento à violência estatal. Já o terceiro volume, Práticas e produções culturais e acadêmicas de mulheres latinas e afro-caribenhas, reúne reflexões sobre o fazer acadêmico, a produção cultural e o ativismo das mulheres da região.

Boa parte dos artigos são fortemente apoiados no conceito de interseccionalidade. A interseccionalidade propõe que não é possível olhar para as questões de raça e de gênero separadamente, de forma estanque, pois, na experiência das mulheres racializadas as opressões do racismo e do sexismo se combinam. Para autoras de referência no tema, como Kimberlé Crenshaw, Patricia Hill Collins e Carla Akotirene, a dupla opressão do racismo e do sexismo organiza estruturalmente a sociedade patriarcal e os modos de vida no capitalismo a partir de uma lógica colonial.

De maneira prática, calibrar o olhar a partir da lente da interseccionalidade implica em reconhecer que uma solução para um problema social formulada a partir das vivências de mulheres brancas de classe média dificilmente será uma solução efetiva para mulheres negras e indígenas, por exemplo.

Um dos pontos altos da coleção é o texto de Sheila Perina de Souza, elaborado à maneira da escrevivência proposta por Conceição Evaristo. Em primeira pessoa, Sheila escreve uma carta destinada às suas colegas educadoras, refletindo sobre a violência colonial à que são submetidas as professoras, sobretudo na educação infantil, quando a escola insiste em reforçar que as crianças as chamem de “tias”.

Citando Paulo Freire, ela argumenta que a redução das docentes ao papel de “tia” nega o compromisso político das professoras de crianças pequenas, profissionais que são em sua maioria mulheres negras. A autora conta um pouco da história de sua avó para colocar de forma explícita a contradição entre a luta de gerações de mulheres negras para educar seus filhos e o papel de cuidadoras a que suas descendentes frequentemente são reduzidas, mesmo quando completam o ensino superior:

“Minha avó Perina nasceu em Carandaí, Minas Gerais, casou-se e veio morar em São Paulo, aqui ela sofreu humilhações e jurou: “na minha família há de ter professores e doutores”. Para minha avó, que nasceu na década de 30, a profissão de professora tinha muito valor. E penso que a desagradaria muito saber que suas netas, que se tornaram professoras, depois de tanto esforço seu e de seus antepassados, hoje são reduzidas a tia.”

Os três volumes da série Narrativas contemporâneas de mulheres latinas no poder, na política, na arte, na cultura e comunicação podem ser baixados gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP: https://e.usp.br/qsw.

Conheça algumas mulheres mencionadas na trilogia

Lizette Negreiros, Virginia Brindis de Salas e Cleide Queiroz
Lizette Negreiros, Virginia Brindis de Salas e Cleide Queiroz – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Joca Duarte/Governo do Estado de São Paulo, domínio público e Flavio de Souza/Youtube

Cleide Queiroz

(Santos-SP, 1940)
Cleide Queiroz é atriz e professora de expressão vocal. Iniciou sua caminhada no teatro junto com a amiga Lizette Negreiros.Juntas, elas atuaram durante uma década no teatro amador de Santos. Novamente juntas, estrearam no teatro profissional em 1969, na peça Morte e Vida Severina, baseada no poema de João Cabral de Mello Neto. Após o sucesso da peça, Cleide permaneceu em São Paulo e, para driblar a falta de personagens para mulheres negras no teatro brasileiros, se dedicou a estudar voz, canto e diferentes estilos de dança, além de trabalhar com teatro infantil. Sua trajetória nos palcos é diversificada, passando por musicais, peças infantis e espetáculos de dança. Ela também atua na televisão e no cinema. Seus trabalhos incluem os espetáculos O Poeta da Vila e Seus Amores (1977), do escritor Plínio Marcos, e Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas (1983), da autora portuguesa Maria Adelaide Amaral; e os filmes Pixote, a lei do mais fraco (1980), dirigido por Hector Babenco, e Domésticas (2001), dirigido por Fernando Meirelles. Em 2001, Cleide foi indicada ao Prêmio Shell por sua atuação na peça Gota d’Água. A atriz é reconhecida por sua forte presença cênica e por seu compromisso com a arte e a educação, contribuindo para a formação de novos talentos.


Lizette Negreiros

(Santos-SP, 1940 – São Paulo, 2022)
A atriz e curadora Lizette Negreiros iniciou sua trajetória no teatro ao lado da amiga Cleide Queiroz, primeiro no teatro amador de Santos, depois no teatro profissional, com a estreia na montagem de Morte e Vida Severina em 1969, ao lado de Paulo Autran. Lizette transitou entre o teatro, a televisão e o cinema e se consolidou como um importante nome do teatro negro paulista, construindo uma carreira premiada. Recebeu o Prêmio Molière por seu trabalho na peça Antes de ir ao Baile. Participou de filmes como Eles não usam black-tie (1981) e A hora da Estrela (1985) – este último, também ao lado de Cleide Queiroz. Atuou em novelas e minisséries na TV Tupi, na Rede Record e na Bandeirantes. Foi curadora de Teatro Infantil e Jovem do Centro Cultural São Paulo, localizado na região central da capital paulista, durante 30 anos.


Virginia Brindis de Salas

(Montévidéu, Uruguai, 1908-1958)
Considerada a principal poetisa negra do Uruguai, Virginia Brindis de Salas deixou versos que elaboram as experiências afro-diaspóricas do ponto de vista das mulheres. Ao mesmo tempo em que seus poemas eram estudados por acadêmicos no exterior, sua obra foi silenciada em seu próprio país, onde foi até mesmo acusada de plágio. Devido a esse silenciamento, há muitas lacunas no que se sabe sobre sua vida e obra. Os pesquisadores atribuem a ela a autoria das antologias Pregón de Marimorena (1946) e Cien cárceles de amor (1949). Além da produção poética, Virginia fez parte do Círculo de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores Negros do Uruguai (Ciapen) e escreveu para a revista Nuestra Raza, uma das principais publicações articuladoras do pensamento negro uruguaios. A poeta era conhecida pelo ativismo no movimento negro e nas favelas uruguaias, bem como por denunciar as condições miseráveis de vida que negros e pobres enfrentavam no país. Em 2012, foi homenageada pelo Correio uruguaio e pela Casa da Cultura Afrodescendente com um selo da coleção Personalidades Afrouruguayas.


Victoria Santa Cruz

(La Victoria, Peru, 1922 – Lima, Peru, 2014)
Poeta, estilista, compositora e coreógrafa, Victoria Santa Cruz teve uma atuação muito importante para chamar a atenção para a história, cultura e questões sociais do negro no Peru e no restante da América Latina. Começou sua carreira como estilista, tendo emigrado para a França em 1961 para estudar em Paris. De volta a seu país de origem, Victoria fundou a companhia Teatro y Danzas Negras del Perú, que estreou em 1967 em Lima, no Teatro Segura – casa de espetáculos que é considerada a mais antiga da América Latina. Ativista e estudiosa, foi diretora do Centro de Arte Folclórica de Lima e do Instituto Nacional de Cultura Peruana, e também professora da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Sua performance do poema musicado Gritaram-me Negra, de sua autoria, é até hoje uma referência fundamental para os coletivos de mulheres afro-peruanas.

 


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