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Racismo ambiental é conceito pouco usado na Universidade para analisar desigualdades
Pesquisador mostra como o movimento negro vem utilizando este conceito para falar sobre os efeitos desiguais da mudança climática
Artigo partiu da temática da mobilidade urbana e as mudanças climáticas para entender quais são os termos do debate sobre racismo ambiental feito pelo movimento negro – Foto: Marília Müller/LabHab
A noção de racismo ambiental vem sendo cada vez mais utilizada pelo movimento negro no Brasil para discutir os impactos da mudança climática e das decisões dos governos sobre a vida da população negra. Contudo, na universidade, ainda é pouco comum ver estudiosos usando esse conceito para analisar as desigualdades raciais quando o assunto é o clima. Quem faz essa reflexão é Huri Paz, mestrando em Sociologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e pesquisador do núcleo AFRO/Cebrap.
Huri Paz é autor do artigo Racismo ambiental e mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro: estudo de caso sobre a Perifa Connection, que integra a sexta edição da coletânea Desafio. A série de livros Desafio é resultado de um projeto do Cebrap em parceria com o Itaú-Unibanco, que seleciona pesquisadores para desenvolverem pesquisas inéditas sobre a temática de cada edição. A sexta edição foi voltada à discussão sobre mobilidade urbana e mudanças climáticas. Na última sexta-feira (7), uma live com as autorias de cada capítulo marcou o lançamento do livro.
O termo “racismo ambiental” foi cunhado pelo ativista Benjamin Chavis na década de 1980, durante protestos por justiça ambiental no condado de Warren, no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Os manifestantes eram contrários à instalação de um aterro sanitário para resíduos tóxicos em um território majoritariamente negro.
“O racismo ambiental surge como conceito pela primeira vez bem no final ali do processo de apartheid americano. A ideia de Benjamin Chaves era dizer como as externalidades negativas de um modelo de produção de lixo estavam sendo direcionadas a populações negras. Só que esse conceito passa por transformações para a gente conseguir interpretar outros fenômenos que também são associados ao racismo ambiental”, explica Huri.
Capa do livro – Mobilidade Urbana e Mudanças Climáticas – Foto: Divulgação
Um exemplo desses outros fenômenos é o das áreas de risco, suscetíveis a enchentes e deslizamentos de terra. “De acordo com a literatura brasileira e com os movimentos negros, isso também é racismo ambiental. Você não necessariamente precisa colocar um lixão ao lado da favela para que ela sofra racismo ambiental. Mas a partir do momento em que você tem uma cidade e um estado que joga a população negra para as periferias que têm risco de isso acontecer, você também está provocando racismo ambiental”, diz o pesquisador.
Ele compara o risco de deslizamentos nas áreas periféricas com a segurança dos bairros consolidados. “Perdizes é um bairro que tem muitos relevos. Mas quando acontecem essas chuvas de verão em São Paulo, não é o bairro de Perdizes que tem deslizamento de terra, que tem enchentes. É nas periferias. E a grande desculpa do governo é que essas periferias são muito íngremes, as construções são precárias. Mas isso demonstra como é falta de uma vontade política. Se Perdizes consegue enfrentar um temporal sem ter nenhum tipo de risco à vida, por que é que a gente não consegue garantir isso em outros espaços da cidade?”, questiona.
Desigualdades no construção da cidade
Huri Paz foi um dos cinco selecionados para a sexta edição do projeto Desafio. Para a pesquisa no projeto, sua ideia foi partir da temática da mobilidade urbana e as mudanças climáticas para entender quais são os termos do debate sobre racismo ambiental feito pelo movimento negro, bem como as atitudes práticas dos ativistas para enfrentar o problema. Focando no caso do Rio de Janeiro, ele escolheu duas organizações para estudar: a Perifa Connection e o Instituto Clima e Sociedade (ICS).
A Perifa Connection é uma plataforma de formação e articulação que faz política de baixo para cima. Tem alto engajamento com as comunidades das periferias do Rio de Janeiro, participa do debate nacional sobre periferias e tem projeção internacional na questão climática. Desde 2019 a organização participa da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP). Já o ICS é uma entidade filantrópica, que faz política de cima para baixo, por meio de apoio financeiro a projetos e instituições voltados ao enfrentamento das mudanças climáticas.
As duas organizações entendem que o racismo ambiental é um problema a ser enfrentado do ponto de vista das mudanças climáticas, mas suas estratégias e perspectivas são um pouco diferentes. Huri conta que, na questão da mobilidade urbana, o ICS tem defendido a eletrificação da frota de ônibus. A organização entende que essa política reduziria a poluição do ar à qual as comunidades periféricas estão expostas, uma vez que é nesses territórios que se localizam os ônibus mais velhos, com manutenção precária e maior emissão de gases de efeito estufa e outros poluentes. A Perifa Connection trabalha em um eixo diferente, tentando “colocar no barro” os pés da conversa sobre a mudança do clima.
“Nós, jovens negros da periferia, morremos a cada 23 minutos. Se as baleias morrerem num tempo maior, estão melhor que a gente”, diz Thuane Nascimento, articuladora popular e participante da Perifa Connection, entrevistada por Huri para o artigo.
O pesquisador lembra do caso da Vila São João, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. “Não tem um ônibus direto, por exemplo, para a praia. Não tem um ônibus direto para espaços da cidade em que você poderia ter lazer nos finais de semana, que seriam os dias em que os trabalhadores poderiam curtir. Os intervalos do trem aumentam, o número de ônibus rodando diminui. Para a Perifa Connection, isso também é racismo ambiental e tem a ver com como a cidade é construída de um modo que nem todas as pessoas acessam os mesmos espaços”, diz o pesquisador.
Nessa perspectiva, os ativistas da Perifa Connection fazem atividades de formação com lideranças comunitárias e procuram incidir no debate público sobre o clima. Na entrevista concedida a Huri, Thuane criticou fortemente o debate feito pelas pessoas que vão à COP, por considerá-lo “distante, global e irreal”. Ela não nega a importância de se discutir o carbono e a matriz energética, mas afirma que há assuntos mais urgentes que não são pautados, como o acesso à saúde e à educação, a falta de saneamento básico, a violência policial e o genocídio da população negra.
“Temos que salvar as baleias do Ártico? Sim, elas são superimportantes. Mas não tenho tempo de salvar a baleia porque eu preciso me salvar. Nós, jovens negros da periferia, morremos a cada 23 minutos. Se as baleias morrerem num tempo maior, estão melhor que a gente”, disse Thuane, na entrevista ao pesquisador.
Na avaliação de Huri, as perspectivas da Perifa Connection e do ICS não são conflitantes, “mas demonstram quais são os desafios que a gente tem de lidar com o tema das mudanças climáticas em uma sociedade tão desigual e violenta como a brasileira”, diz ele.
Para ler o artigo de Huri Paz na íntegra, é possível baixar o livro Desafio 6 em PDF neste link.
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