Publicidade pode ser ponto de partida para conversar com crianças e jovens sobre questões LGBTQIA+

Em novo livro, pesquisador da USP reflete sobre a repercussão de anúncios contraintuitivos no cotidiano das famílias brasileiras

 23/06/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 27/06/2023 às 11:45

Texto: Silvana Salles
Arte: Carolina Borin Garcia

O anúncio publicitário pode servir como ponto de partida para conversas em família sobre temas relevantes da atualidade - Foto: Divulgação/ECA USP

Para além de vender um produto, o anúncio publicitário pode servir como ponto de partida para conversas em família sobre temas relevantes da atualidade. É o que mostra o livro Afetividades LGBTQIA+ anunciadas: olhares de famílias brasileiras, de autoria do pesquisador Francisco Leite, que será lançado no dia 29 de junho durante o “Colóquio Comunicação, Consumo e Questões LGBTQIA+”, promovido pelo grupo de pesquisa Estudos Antirracistas em Comunicação e Consumos (ArC2), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O evento será on-line e gratuito.

Francisco Leite é vice-líder do ArC2 e já teve um livro de sua autoria entre os finalistas do prêmio Jabuti. Publicado pela editora Annablume com apoio da Fapesp, o novo Afetividades LGBTQIA+ anunciadas nasceu dos resultados da pesquisa de pós-doutorado do autor.

Na pesquisa, Francisco procurou compreender as percepções e experiências de mães e pais, sejam homoafetivos ou heteroafetivos, quando se deparam com anúncios publicitários que retratam positivamente as relações de afeto e cuidado de pessoas da comunidade LGBTQIA+. Esses anúncios são chamados de contraintuitivos, pois utilizam em suas narrativas novos conteúdos e informações positivas acerca de grupos tradicionalmente minorizados, como pessoas negras, LGBTQIA+, mulheres e indígenas.

“São narrativas que buscam sair do óbvio e tentam violar, modificar ou, de alguma forma, afetar positivamente as expectativas intuitivas (automáticas) que as pessoas esperam ver associadas a indivíduos alvos de estereótipos nas produções midiáticas”, explica o pesquisador.

Francisco Leite é um pesquisador negro. Na foto, ele veste um terno azul - Foto: Arquivo Pessoal

Francisco Leite - Foto: Arquivo Pessoal

Francisco procurou também identificar os pensamentos, sentimentos e ações investidos pelos agentes parentais nos espaços das famílias, quando confrontados por esses anúncios. Assim, o livro mostra que, para a maioria das famílias, os anúncios podem ser um ponto de partida para conversar com as crianças e adolescentes sobre temáticas LGBTQIA+, sempre considerando a maturidade psicológica de cada um.

Lembrando de duas campanhas publicitárias dos anos 2000 que incluíram protagonistas LGBTQIA+, o pesquisador destaca o papel vanguardista da publicidade ao dar visibilidade a representações positivas das famílias homoafetivas. “Esses anúncios sinalizam a vanguarda da publicidade para acompanhar e implicar os debates e as transformações sociais, tendo em vista que só em 2011 o Superior Tribunal Federal reconheceu as uniões homoafetivas no Brasil, bem como, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a celebração de casamento civil ou a conversão em casamento da união estável, relacionados a pessoas do mesmo sexo”, diz ele.

Campanha de 2008 para a pomada Nebacetin deu destaque para um casal gay feliz, passeando com um bebê de colo - Vídeo: Reprodução/YouTube

O filme publicitário "Escola", produzido para promover o carro Fiat Palio em 2002, é protagonizado por um casal lésbico - Vídeo: Reprodução/YouTube

Anúncio do perfume Egeo para o Dia dos Namorados de 2015 colocou lado a lado casais hetero e homoafetivos - Vídeo: Reprodução/YouTube

Nem tudo são rosas, porém. A repercussão de um anúncio publicitário mais recente, lançado para promover um perfume de marca O Boticário, no Dia dos Namorados de 2015, gerou posicionamentos sociais tanto de apoio quanto de desaprovação. O anúncio apresentava em sua narrativa diversos casais felizes trocando presentes para celebrar a data. Um desses casais era formado por mulheres lésbicas e outro, por homens gays. Para Francisco Leite, a repercussão refletiu a polarização sociopolítica da sociedade brasileira na última década. “Os efeitos adversos também são considerados nas pesquisas sobre a publicidade contraintuitiva”, explica.

Na pesquisa que deu origem ao livro, Francisco observou que uma minoria das famílias heteroafetivas entrevistadas tenta bloquear ou neutralizar a circulação desse tipo de anúncio dentro de casa. Isso ocorre por meio de práticas como o controle dos conteúdos que as crianças e jovens consomem, o cuidado de evitar falar sobre a temática LGBTQIA+ e uma ênfase constante nos valores da dita família tradicional.

“Esses agentes parentais apontam um esgotamento mental nesse esforço de proteger as crianças e jovens, segundo eles, da exagerada exposição LGBTQIA+ na mídia”, conta o pesquisador.

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Livro será lançado em um colóquio virtual - Foto: Divulgação/ECA USP

Além do lançamento de Afetividades LGBTQIA+ anunciadas, o Colóquio Comunicação, Consumo e Questões LGBTQIA+ contará com conferências de importantes pesquisadores do campo da comunicação, que debaterão as maneiras como a publicidade se cruza com o diálogo cultural sobre as questões LGBTQIA+ no Brasil. Estão confirmados como conferencistas do evento André Iribure Rodrigues, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Izabela Domingues e Leo Mozdzenski, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pablo Moreno, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Leandro L. Batista, professor da ECA e coordenador do ArC2.

Foto: Divulgação/ECA USP


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