Publicação internacional reúne pesquisas de mulheres no turismo em busca de representatividade

Iniciativa traz 132 contribuições de mulheres na pesquisa em turismo em todo o mundo; Mariana Aldrigui, pesquisadora da USP, é a única brasileira no projeto

Fotomontagem com ícones Freepik – Arte: Ana Júlia Maciel/ Jornal da USP

 11/10/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Camilly Rosaboni

Arte: Ana Júlia Maciel

Pesquisadoras da Universidade de Queensland, na Austrália, e da Universidade do Algarve, em Portugal, acabam de lançar a segunda edição do livro Women’s voices in tourism research (em tradução livre: “Vozes femininas na pesquisa em turismo”). A versão digital, em inglês, está disponível para download gratuito neste link. O livro, cujo lançamento foi no dia 27 de setembro, destaca produções teóricas de mulheres para o avanço da pesquisa em turismo, além de dispor de conselhos e orientações para as futuras pesquisadoras da área. A versão em português deve ser publicada em 2023. 

Organizada pela cientista social especializada em turismo sustentável, Sara Dolnicar, e pela professora de Economia do Turismo, Antónia Correia, a publicação reúne produções teóricas de 132 mulheres em 31 países. Entre elas, a professora Mariana Aldrigui, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, única brasileira do projeto. 

O livro surgiu a partir da percepção das pesquisadoras de que não eram chamadas para conferências ou não tinham a mesma representatividade que pesquisadores homens. Antónia e Sara, então, passaram a estudar a igualdade de gênero no turismo com a contribuição de outras mulheres. As pesquisadoras criaram grupos de Facebook (como o Mulheres do Turismo em Rede), listas de transmissão de e-mail e outros meios de comunicação que reuniram relatos de outras mulheres que passavam por situações de desigualdade similares. A rede de troca de informações possibilitou discutirem sobre alternativas de visibilidade feminina. 

Antónia e Sara convidaram outras pesquisadoras para apresentar o que elas acreditavam ser suas principais contribuições para o conhecimento ou metodologia da área do turismo. Em uma seção separada, essas mulheres referências na área puderam apontar observações que fizeram ao longo de suas trajetórias, e que poderiam ser úteis para pesquisadoras em início de carreira. 

“Enquanto estávamos pensando no conceito do livro, percebemos que realmente haveria um enorme valor para essas mulheres também compartilharem suas experiências como acadêmicas”, afirma Sara. De acordo com a pesquisadora, desta forma, as pesquisas feitas por elas poderiam ser mais avaliadas, criticadas e divulgadas no ramo acadêmico. 

As organizadoras da publicação também pediram que cada pesquisadora convidada a disponibilizar seus trabalhos acadêmicos no livro, assim como outras estudiosas – como Mariana -, escrevessem cartas para as futuras gerações femininas no turismo. A iniciativa se mostrou tão promissora que mais pesquisadoras, de outros países, entraram em contato com as organizadoras para contribuírem nas próximas edições do livro.

Para Mariana, a importância dessa iniciativa se dá em promover uma ação concreta que evidencie o papel das mulheres na sociedade. “Eu sinto que, muitas vezes, sendo mulheres, a gente pensa que basta conversar um pouco que o esclarecimento já está dado, mas não. Não é só uma bandeira, a gente tem que agir”, afirma. “Eu vou ter que continuar falando, vou ter que continuar escrevendo, vou criando caminhos e, ainda assim, não vai ser suficiente, mas provavelmente mais gente vai se juntar e a gente pode chegar a uma situação mais igual”, complementa Mariana, que leciona no curso de Lazer e Turismo da EACH.

Mariana Aldrigui - Foto: Reprodução/Twitter
Sara Dolnicar - Foto: Wikimedia

A professora brasileira contou ao Jornal da USP sobre o uso de uma figurinha entre as pesquisadoras, quando os organizadores das conferências convidam apenas homens para os debates. O meme congrats, you have an all male panel (em tradução livre: “parabéns, você tem um painel todo masculino”) é usado para criticar a desigualdade existente nesses eventos. “Nas primeiras vezes, a pessoa achava engraçado. Na quinta vez que o mesmo cara recebeu, ele saiu do grupo”, conta a professora. “A gente vai pela insistência, né? Não tem outro jeito”, completa.

As cartas

As mais de 100 cartas das duas publicações do livro são formas de mentoria, conselhos e, sobretudo, legados para auxiliar as carreiras de futuras pesquisadoras no turismo. Ao Jornal da USP, Sara Dolnicar disse perceber o ambiente de trabalho cada vez mais complicado, de modo que a orientação se torna ainda mais necessária, mas não como algo individual. “Esse livro é o que chamamos de mentoria coletiva – ao longo dos anos, cada carta pode beneficiar dezenas, centenas e até milhares de leitores, homens e mulheres”, afirma a pesquisadora.

Para Mariana, a iniciativa serve como uma recomendação a todos os estudantes da área, que não poderia ser dada individualmente a cada um. “É menos efêmero. Não é um vídeo no Instagram, não é uma palestra; é um documento que, além de virar história, está ali disponível. Quando você precisar de uma inspiração, pode dar uma lida. Pode ser que tenha algo ali que te chame a atenção”, informa a professora brasileira.

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O primeiro “conselho” dado pela professora de turismo foi em defesa da leitura. “A gente vai convivendo cada vez mais com os alunos e muitos deles têm uma energia muito legal, mas com pouquíssimo repertório”, lamenta Mariana. “Por meio da leitura, você participa e tem ideia do que está acontecendo em países diferentes. Ela estimula uma criatividade que, para o nosso setor, é fundamental”, complementa.

Em sua carta, a professora também evidencia a importância de relações interpessoais diversas. “Através de diferentes conexões, você terá a chance de entender diferentes realidades, aprender coisas novas e se inspirar em outras. Conheça as pessoas e suas trajetórias”, recomenda Mariana em sua carta. Ao Jornal da USP, a educadora disse que “trabalhar com turismo e não respeitar e estimular a diversidade não dá certo”.

Amplificando mais vozes

Por se tratar de um livro de acesso aberto, novas edições são feitas a partir das colaborações femininas que chegam às organizadoras. “Continuamos adicionando novas contribuições e cartas conhecidas e depois lançamos uma nova edição anualmente. Dessa forma, o livro cresce e cresce e se torna cada vez mais rico em contribuições de conhecimento e experiência compartilhada”, expõe Sara. “Agora estamos fazendo um esforço extragrande para incluir mais vozes de mulheres que trabalham em regiões geográficas tradicionalmente sub-representadas”, completa. 

Mais informações: Mariana Aldrigui – aldrigui@usp.br 


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