Posse de cacique em coordenadoria do governo de São Paulo é vista com bons olhos por indígenas da USP

Após cerimônia de posse em sua aldeia, Cristiano Kiririndju assume a recém-criada Coordenadoria de Políticas para os Povos Indígenas e promete levar políticas públicas aos territórios

 16/11/2023 - Publicado há 8 meses

Texto: Camilly Rosaboni* e
Guilherme Ribeiro*

Arte: Simone Gomes

A Coordenadoria de Políticas para os Povos Indígenas integra o governo Tarcísio, como parte da Secretaria da Justiça e Cidadania - Foto: Reprodução da Assessoria de imprensa da Secretaria / justica.sp.gov.br

O cacique Cristiano Kiririndju, da Aldeia Renascer, em Ubatuba, é o novo coordenador da recém-criada Coordenadoria de Políticas para os Povos Indígenas (CPPI). A cerimônia de posse ocorreu dia 11 de novembro, em sua aldeia, com dança e rituais ancestrais, além da presença de centenas de indígenas de diferentes etnias e também do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. 

Conhecido como Cacique Kiririndju, Cristiano de Lima Silva Awa Kiririndju, de 39 anos, é tupi-guarani, natural de Ubatuba da Aldeia Renascer. Formado em Pedagogia pela Faculdade de Educação (FE) da USP em 2008, Kiririndju atuou na Escola Estadual Aldeia Renascer como professor, e também é coordenador pedagógico da Secretaria de Estado da Educação.

A CPPI foi formada em agosto de 2023, partindo do desmembramento da antiga Coordenadoria de Políticas para a População Negra e Indígena (CPPNI), por meio do decreto 67.859/2023, como parte da Secretaria da Justiça e Cidadania (SJC) de São Paulo, com o objetivo de aprofundar as ações e ampliar a participação social das etnias localizadas no território paulista. Esta será, inclusive, a primeira vez que uma pessoa indígena irá ocupar um cargo na estrutura de uma secretaria do Estado de São Paulo.

Após a cerimônia de posse, em seu primeiro discurso como coordenador, Kiririndju ressaltou a importância de colocar em prática as políticas que são criadas. “A CPPI é uma solicitação antiga. É a voz que precisávamos ter. Não estamos aqui apenas para criar políticas públicas, precisamos também da execução dessas políticas!” 

Em entrevista ao Jornal da USP, Kiririndju destacou a possibilidade de articular novos diálogos junto ao governo, além de parcerias com a Secretaria da Saúde Indígena (Sesai) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). “Será um grande avanço com a esfera estadual e municipal no acesso a políticas públicas para as comunidades indígenas, como educação, saneamento básico, iluminação e pavimentação das ruas, questões que, há bastante tempo, vêm sendo esquecidas no cenário de governo”, afirma o novo coordenador.

Cacique Cristiano de Lima Silva Awa Kiririndju - Foto: Sergio Barzaghi/Governo do Estado de SP

Para Luar Sateré-Mawé, pesquisador do Instituto de Psicologia (IP) da USP, a posse de Kiririndju é uma tentativa de aprofundar diálogos e implementar políticas públicas destinadas aos povos indígenas. A indicação do parente Cristiano Awa Kiririndju é resultado de muita luta do Povo Guarani, que vem tentando uma maior aproximação com o governo desde a criação de uma pasta ministerial, como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI)”, afirma ele.

Cerimônia de posse aconteceu em 11 de novembro, com a participação de representantes indígenas, do secretário de Justiça Fábio Prieto e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – Foto: Reprodução da Assessoria de Imprensa da Secretaria / justica.sp.gov.br

Cerimônia de posse aconteceu em 11 de novembro, com a participação de representantes indígenas, do secretário de Justiça Fábio Prieto e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – Foto: Reprodução da Assessoria de Imprensa da Secretaria / justica.sp.gov.br

Luta pela representatividade indígena

Apesar da recente nomeação à CPPI, Kiririndju já havia atuado em outras frentes do governo, em busca da representatividade indígena. Em 2022, foi eleito presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo (Cepisp), escolhido pelas cinco etnias presentes em 37 territórios no estado, além das que vivem na área urbana de São Paulo. “Me sinto muito feliz e com uma grande responsabilidade, não só na CPPI, mas também na Cepisp, sempre lutando pela melhoria dos territórios”, ressalta o novo coordenador.


Porém, segundo Kiririndju, a gestão pode demandar muitos desafios. “Trata-se de uma coordenadoria nova que está sendo conhecida agora, por meio do governo Tarcísio. Com o nosso posicionamento político, nós podemos sofrer muitos ataques. Mas nós pretendemos nos manter firmes e fazer desta coordenadoria a voz dessa população indígena”, afirma.

Luar Sateré-Mawé - Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Para o novo coordenador, seus conhecimentos indígenas serão seus aliados para a superação das dificuldades. “Eu nasci no território e tenho meus saberes tradicionais. Então, a CPPI sabe como alcançar os povos porque existe um indígena os representando”, ressalta Kiririndju.

Chirley Maria de Souza Almeida Santos, coordenadora geral de Promoção a Políticas Culturais do Ministério dos Povos Indígenas, também conhecida como Chirley Pankará, vê a nomeação de Kiririndju de suma importância para a representatividade do povo indígena dentro do governo estadual. “A importância da criação da coordenadoria e da nomeação de Kiririndju é ter um parente indígena dentro do governo do Estado que entende da realidade que a comunidade indígena vive, como no caso do Cacique Kiririndju, que já estava à frente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo (Cepisp), então já vinha acompanhando a situação dos povos tanto nas aldeias quanto no contexto urbano; é como já ter meio caminho andado para termos nossas demandas atendidas”, diz Chirley, que é doutoranda em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Para Cristiano Kiririndju, os saberes tradicionais serão fundamentais para superar os desafios da nova gestão - Foto: Reprodução da Assessoria de imprensa da Secretaria / justica.sp.gov.br

O Cacique Cristiano Kiririndju e sua aldeia

A Aldeia Renascer Ywyty Guaçu é localizada na base do Pico do Corcovado, em Ubatuba, no Litoral Norte de São Paulo, e foi fundada em setembro de 1999 por cinco famílias de raízes Tupi-Guarani e Guarani, comandadas pelo Cacique Antonio da Silva Awá, pai do Cacique Kiririndju. Atualmente o território abriga um total de 105 pessoas, cerca de 23 famílias, e conta não somente com a escola estadual, mas também com posto de saúde, pontos de venda de artesanato, além de um extenso território de natureza preservada, e é também um dos principais pontos turísticos de Ubatuba.

Líder de sua aldeia, onde ainda reside, Kiririndju sempre foi ativo nas lutas de seu povo, foi dele inclusive que partiu a proposta de separar a Coordenadoria de Políticas para a População Negra e Indígena enquanto exercia o cargo de presidente da Cepisp. A ideia foi com o intuito de trazer uma atenção mais direta para as demandas dessas comunidades, que antes recebiam uma atenção fracionada de uma coordenadoria que não era dedicada a esses povos.

Chirley Pankará - Foto: Reprodução/Sâmia Bonfim via Flickr/CC BY 2.0

“Eu pretendo mostrar que os povos indígenas são os verdadeiros guardiões da terra. Essa população necessita de estruturação e oportunidades. Nós não podemos achar que eles conseguem, hoje, viver apenas de caça e pesca. Eles querem espaço e, para isso, nós precisamos de educação, saúde e saneamento de qualidade em um território protegido”, afirma Kiririndju ao Jornal da USP.

*Estagiários sob supervisão de Antonio Carlos Quinto e Tabita Said

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