Pesquisadora da USP é reconhecida por estudo sobre metabolismo no Prêmio L’Oréal

Para Mulheres na Ciência, da L’Oréal-Unesco, reconhece as notáveis realizações de Alicia Kowaltowski em bioquímica, que contribuíram para o avanço do conhecimento científico em todo o mundo

 14/05/2024 - Publicado há 6 meses

Texto: Tabita Said
Arte: Diego Facundini**

Alicia Kowaltowski é professora do Instituto de Química (IQ) da USP e responsável pelo Laboratório de Metabolismo Energético - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A brasileira Alicia Kowaltowski foi uma das pesquisadoras selecionadas na edição 2024 do Prêmio Internacional L’Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência. Todos os anos, o prêmio reconhece cinco mulheres pesquisadoras de destaque, uma por continente, pela sua notável contribuição para o avanço da investigação científica. O objetivo da láurea é promover globalmente os trabalhos e inspirar as gerações futuras.

Nesta edição, o prêmio L’oréal-Unesco selecionou cinco pesquisadoras excepcionais nas áreas das Ciências Ambientais e da Vida. Professora do Instituto de Química (IQ) da USP e responsável pelo Laboratório de Metabolismo Energético, Alicia foi a selecionada como representante da América Latina e Caribe. Ela deverá participar da cerimônia de premiação prevista para acontecer na sede da Unesco, em Paris, em reconhecimento ao seu compromisso e contribuição para o avanço da pesquisa científica.

“Eu não vejo esse prêmio como meu. É um reconhecimento a um grupo de pesquisa que envolve diversas pessoas: a Camille Caldeira da Silva, que é essencial nessa história. Ela é a especialista de laboratório de longo tempo do grupo, que ensinou todo mundo a fazer todas as técnicas e que mantém o laboratório funcionando. E envolve todos os estudantes e pós-docs, esses jovens cientistas que passaram por aqui e fizeram descobertas que eu acho muito legais”, pondera a cientista. 

O grupo a que ela se refere existe desde os anos 2000 e descreveu, entre outras coisas, mecanismos de resposta do metabolismo frente a diferentes dietas, bem como a relação entre metabolismo e doenças associadas à idade. Mais recentemente, o grupo demonstrou, pela primeira vez, que a adiponectina, um hormônio liberado pelos tecidos adiposos, pode restaurar a função de células do pâncreas comprometidas pela obesidade. Anteriormente, como parte do pós-doutorado de Alicia, o laboratório caracterizou alterações mitocondriais e metabólicas que levam o coração a ficar protegido contra o infarto.

Alicia Kowaltowski - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Além de seu grupo, Alicia também menciona a importância do Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina, o Cepid Redoxoma, para a vida acadêmica do grupo. “A gente discute ciência de alto nível, a gente se anima junto e mantém este ambiente efervescente que faz a gente melhor, faz nossos alunos melhores”, diz.

Vencedora do Prêmio Ester Sabino para Mulheres Cientistas, do Governo do Estado de São Paulo, em 2022; da bolsa Guggenheim, pela atuação em biologia molecular, em 2006; e do Prêmio Capes-Elsevier, por sua atuação em pesquisa e educação, em 2004, Alicia também acaba de ser eleita presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq). 

Confira a entrevista do Jornal da USP com a pesquisadora:

Qual era o sonho da estudante Alicia, no começo de tudo?

É meio circunstancial. Mas, primeiro: eu acho que todo mundo nasce cientista. A criança sempre é curiosa, pergunta. E eu tive a sorte de crescer com pais cientistas, meus pais são professores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Então, eu cresci no campus da Universidade, ganhei microscópio de presente, kit de química, aquelas coisas todas. Acho que a minha curiosidade nunca foi “morta” durante a minha formação. Depois eu entrei para a Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado, e eu fiz curso técnico em bioquímica. Super interessante que eu já sabia o que eu queria naquela época, não sei como.

Você vem de uma formação multidisciplinar. Acredita que estejamos caminhando para uma biologia sistêmica?

Eu me formei em Medicina, mas já trabalhava com bioenergética mitocondrial, já trabalhava com metabolismo desde a iniciação científica, sob orientação do Aníbal Vercesi. É muito importante isso, porque eu continuo mais ou menos na mesma área, ele foi um super orientador! Quando eu terminei a faculdade, eu estava completamente apaixonada pelo processo de fazer ciência. O que me encantou é que nunca é igual, cada dia você está fazendo perguntas diferentes. E aí que eu acho que a coisa se abrange: metabolismo é uma coisa muito central para a vida.

O que é a vida?

Na verdade, a definição de vida é ter metabolismo. É ter essas reações químicas que transformam moléculas dentro desse organismo vivo. No momento em que a gente para de ter essas reações químicas, a gente morre. E elas transformam tanto as moléculas que a gente come em moléculas que nos fazem, quanto as moléculas que a gente armazena e come em energia para a gente funcionar.

Como essa ciência “multidimensional” impacta sua carreira?

Metabolismo tem aplicações em vários aspectos diferentes da vida, porque ele é tão central na definição do que é um ser vivo. Eu acho que vem daí o fato de que eu continuo trabalhando com o metabolismo desde a minha iniciação científica até hoje. Tem aplicações em muitas áreas diferentes, né? A gente estuda vários modelos diferentes etc, mas eu não sei se eu sou “multi-áreas”. 

Você acha que aumentou o interesse? Por que o número de publicações com palavras-chave de mais de uma área juntas aumentou.

O número de publicações aumentou por vários motivos; eu sou, até, bastante crítica disso. Eu acho que a gente precisava voltar um pouco atrás e publicar menos e melhor. O número de publicações no geral aumentou muito. É muito difícil fazer interface entre áreas diferentes, a gente tenta, mas ainda temos algo a crescer, neste sentido. 

 

Alicia Kowaltowski - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Quando você começou, havia referências femininas na área?

Na verdade, tem muita mulher nas ciências biológicas no Brasil. Nunca foi uma dúvida na minha cabeça de que podíamos ser cientistas; nós éramos maioria no laboratório, embora meu orientador fosse um homem. Até fiquei surpresa quando eu fui para os Estados Unidos e de repente eu era a única mulher no laboratório, lá. Isso precisa ser estudado: por que tem tantas mulheres nas biológicas e em outras áreas, não. Eu acho que a gente precisa de ciência, também, para fazer melhor inclusão. Talvez seja por causa dos “role models” (modelo a ser seguido). Tem mulheres fazendo carreiras muito boas em ciências no Brasil. A Mayana Zatz ganhou esse mesmo prêmio em 2001, enquanto eu era uma jovem cientista.

Você quebrou o teto de vidro da ciência*?

Como eu estou nesse ambiente muito feminino, ajuda. A gente é protegida de grandes dificuldades, mas não vou dizer que nunca houve preconceito ou machismo. Mas eu acredito muito em você colocar luz numa pessoa – que talvez nem mereça aquilo tudo sozinha, porque há um grupo, junto. Isso cria uma representatividade, aquele modelo que uma criança aspira a ser. Tem uns estudos mostrando que se você coloca uma veterinária em uma novela, mais mulheres fazem veterinária porque se vêem naquela posição. Mas precisamos de ciência para entender esses mecanismos, e a ciência precisa de pessoas, as mais distintas possíveis. Porque quanto mais ideias diferentes tivermos, mais robusta será a ciência produzida.

Parece haver um novo fantasma pairando sobre a Fapesp e a alocação de recursos para a pesquisa no Estado de São Paulo…

Isso é uma coisa séria e grave. Tirar 30% das verbas da Fapesp afeta o investimento em ciência e tecnologia, não só pela diminuição, mas também porque a Fapesp não poderá se planejar. Todos os investimentos científicos são investimentos a longo prazo. Se você aprova um projeto que demora cinco anos, você precisa de um fundo de reserva que garanta que você tenha esse dinheiro pelos próximos cinco anos para desenvolvê-lo. É muito difícil uma agência de fomento poder assumir compromissos se ela não sabe quanto irá receber, efetivamente. Não tem nenhum motivo para pensarem em colocar isso em lei, exceto se estão pensando em tirar dinheiro de ciência. E tirar dinheiro de ciência é a maior besteira econômica que se pode fazer, porque é o que mais dá retorno em termos de crescimento do Estado. 

Integrantes do Laboratório de Metabolismo Energético da USP (à esquerda) e Débora Santos Rocha, pós-doutoranda no mesmo laboratório - Fotos: Marcos Santos/USP Imagens

Para mais mulheres na ciência

Desde sua criação, o Prêmio Internacional L’Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência já distinguiu 127 mulheres e reconheceu cerca de 4.200 jovens cientistas de mais de 110 países, premiando assim a excelência científica e inspirando as gerações mais jovens de mulheres a prosseguirem na ciência como carreira. 

“Ao reconhecer a excelência científica liderada por mulheres, pretendemos ajudar a quebrar o teto de vidro no mundo da ciência”, afirmaram em comunicado Myriam Hayatou, diretora do programa Para Mulheres na Ciência, da Fundação L’oréal, e Ana Persic, responsável pela Seção de Política de Ciência, Tecnologia e Inovação da Unesco.

“O mundo precisa de ciências e as ciências precisam de mulheres”, informaram os organizadores sobre a intenção da premiação.

* Teto de vidro: barreira invisível, que impede mulheres de alcançarem os cargos mais altos da carreira
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

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