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Obra literária também é a investigação central do doutorado de Anna Carolina Longano na EACH/USP - Foto: Cia. Ruído Rosa
Para Mulheres Porcas, Malvestidas e Descabeladas traz nova geração da literatura feminista
Com questões históricas ainda atuais, publicação mergulha nas violências cometidas contra as mulheres numa obra de ficção; doutoranda da USP, a autora normaliza o mau comportamento feminino
“Este livro não é para heroínas; é para mulheres porcas, mal vestidas e descabeladas”, conta Anna Carolina Longano, escritora, atriz, pedagoga e doutoranda em Mudança Social e Participação Política pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, na zona leste de São Paulo. Pesquisando mulheres, feminismos, corpo e arte desde o mestrado, Anna Carolina lança, neste sábado (17), o livro Para Mulheres Porcas, Malvestidas e Descabeladas, que também se tornou a investigação central de seu doutorado. O lançamento será na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, às 17 horas. O e-book e a versão física do livro ficarão disponíveis para venda na Amazon e no site da produtora Cia. Ruído Rosa.
No programa de doutorado na EACH, Anna conta com a orientação da professora Marilia Velardi. Em seu quarto livro, a autora premiada e considerada uma representante da nova geração da literatura feminista traz dez contos distópicos com mulheres como protagonistas. A obra é permeada de questionamentos, deboches e críticas aos retratos apresentados, até hoje, por sociedades patriarcais.
O projeto deste livro teve início em 2018, resultado de uma disciplina ministrada pela orientadora de Anna, que é responsável pelo prefácio da nova publicação. “A Marilia nos provocava a entregar algo que fizéssemos artesanalmente. Eu tinha acabado de lançar meu primeiro livro e decidi entregar algo escrito, partindo das minhas investigações sobre abusos sofridos por mulheres em diferentes aspectos”, relata a autora, que transformou em ficção as histórias reais de violências cometidas contra os corpos das mulheres.
Anna Carolina Longano é autora de três dramaturgias feministas - Foto: Cia. Ruído Rosa
Os contos são especialmente focados em abusos de natureza física, psicológica, econômica e social, abordando situações e temas como estupro, suicídio, pressões estéticas, papéis sociais de gênero, sexualidade, maternidade e opressões de raça e classe. Em todas as histórias, os estereótipos e comportamentos associados ao feminino são contrariados.
As personagens dos contos se identificam como mulheres adultas, entre 25 e 40 anos, que não buscam ser “heróis”. Sim, heróis, no masculino, pois, de acordo com a autora, o significado de “heroína” não é diretamente proporcional ao de herói. “Essa provocação foi um dos pontos de partida do projeto. Eu não queria fazer mulheres que vão sofrer, no final, pelo bem de outrem. Mas também não era um desejo fazer um herói, no sentido de ser um bom exemplo a ser seguido e admirado”, explica. Anna conta que essa condição fica nítida nas personagens dos contos que, muitas vezes, são pessoas horríveis. “Porque as pessoas são horríveis, isso não é uma questão de gênero. Como elas podem ser ótimas!”, diz.
Outra delicada questão abordada pela autora é a associação entre o estereótipo de “desajustada” e a recusa em exercer papéis considerados heroicos. “Nos comportamentos, não é buscado o bom exemplo. [As personagens] não são apresentadas como mocinhas, mães salvadoras ou perfeitas, mas com qualidades, defeitos, medos, dúvidas e certezas, reagindo como conseguem a um mundo violento”, descreve. “Elas não buscam vencer grandes batalhas, não desejam a glória, a eternidade e, definitivamente, não resolverão os problemas de nenhuma sociedade”, completa.
Embora seja regida por temas difíceis, uma característica marcante da narrativa é o humor debochado. De acordo com a pesquisadora, uma das vertentes marcantes do início do movimento feminista no Brasil foi o senso de humor. Mesmo assim, as feministas ficaram conhecidas como amargas, mal-amadas e chatas.
Rústico
O primeiro contato com o livro evoca a sensação de incompletude. Para Mulheres Porcas, Malvestidas e Descabeladas não apresenta uma capa formal; apenas uma folha em branco. O convite da autora é para que cada pessoa que lê manufature a própria capa: escrevendo, rasurando, cortando, colando, como quiser. A proposta é resgatar e valorizar o saber artesanal, historicamente ligado às mulheres. Além da capa em branco, o livro é envolto em uma espécie de embalagem propositalmente rústica, em papel kraft amassado. Esse estilo despretensioso é, ainda, percebido na lombada do livro que, na verdade, não existe. A costura fica propositalmente aparente. Para ler o livro, é preciso rasgar.
A experiência sensorial está ligada à proposta da autora, de um envolvimento ainda maior e de uma outra relação com o objeto livro. Por fim, no miolo do livro, cada conto tem um design próprio, com fontes e estilos completamente diferentes, brincando com a sensação do universo de cada história.
Para a autora, não basta fazer das mulheres protagonistas. É preciso apresentar diferentes entendimentos de mulheres nesse protagonismo. “Mulheres desconstruídas, mulheres por opção, não por nascença, mulheres que fogem do padrão de feminilidade baseado na mulher branca burguesa do século 19. Mulheres que representam as mulheres de hoje em dia, mulheres brasileiras que aprendem diariamente mais sobre si e seus direitos, que temem e lutam com e pelos seus corpos e direitos. Mulheres que querem e precisam ser representadas na política, na sociedade e também na ficção”, afirma.
O livro de Anna Carolina Longano não tem abertura, nem fechamento convencionais. Segundo a autora, o leitor poderá cortá-lo, rasgá-lo, mordê-lo, molhá-lo ou o que sua criatividade permitir - Foto: Cia. Ruído Rosa
Sobre a autora
Anna Carolina Longano é escritora, atriz, pedagoga e pesquisadora. Doutoranda pela USP, investiga Mulheres, Feminismos, Corpo e Arte. Mestra em Ciências e bacharela em Artes Cênicas pela USP, suas produções artísticas e acadêmicas sempre tiveram o corpo como foco.
É autora de Dia de Mudança, dramaturgia infantil feminista com aventura sobre equidade de gêneros; Aconteceu às 19:22, dramaturgia infantil feminista sobre Anita Malfatti e o espaço da mulher na arte; e de Sussurros: o que aconteceu antes do grito, dramaturgia adulta feminista sobre a atuação de D. Leopoldina no processo de Independência do Brasil. Todos receberam prêmios de incentivo à cultura, estaduais ou nacionais.
Para Mulheres Porcas, Malvestidas e Descabeladas é premiado pelo edital ProAC 19/2021, do governo do Estado de São Paulo, na categoria Literatura, e é uma realização da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado.
Serviço
O lançamento de Para Mulheres Porcas, Malvestidas e Descabeladas será na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, no dia 17/9, da 17 às 20 horas, na Av. Higienópolis, 618, Loja 2009/2010/2011 – Piso Pacaembu – Higienópolis, em São Paulo. Preço de capa: R$ 50,00. O e-book e a versão física do livro ficarão disponíveis para venda na Amazon e no site da produtora Cia. Ruído Rosa – www.ciaruidorosa.com
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