Nova edição da Revista Aspas destaca a presença negra nas artes

Idealizada pelos primeiros estudantes cotistas da pós-graduação em Artes Cênicas, a edição apresenta referências ao movimento negro e discussões sobre a presença e permanência na Universidade

 14/10/2024 - Publicado há 1 mês

Texto: Gabriela Varão*
Arte: Diego Facundini**

As edições 13.1 e 13.2 da Revista Aspas foram produzidas por estudantes majoritariamente negros da ECA - Foto: Revista Aspas

Revista Aspas, produzida por estudantes de pós-graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, lançou seu 13° volume com o tema Raça, Cena e Corporeidades no dia 11 de outubro. Desde 2011, a produção divulga pesquisas na área das artes cênicas. Pela primeira vez, o periódico foi elaborado por uma equipe de editores majoritariamente negros, como resultado da adesão de políticas afirmativas na pós-graduação em 2022. A publicação desse volume, com a edição 13.1 já disponível e a 13.2 em desenvolvimento, foi idealizada por dois estudantes negros da pós-graduação da ECA, que entraram por meio das cotas em 2023.

Os estudantes Elinaldo Nascimento, mestrando, e João Petronílio, doutorando, organizaram a produção de um volume inédito na história da revista, com a presença de autores negros e a colaboração das editoras convidadas Amélia Conrado e Onisajé, professoras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com estudos voltados para as artes cênicas e as relações étnico-raciais. A primeira edição conta com sete artigos e a participação da convidada Régia Mabel Freitas, pós-doutoranda na USP e referência em educação antirracista e teatro negro. Também compõe o corpo editorial a professora Maria Lúcia Pupo e o doutorando Valmir Santos de Artes Cênicas da ECA.

O periódico pode ser acessado no portal de revistas da USP. Para a edição 13.2, os editores entrevistaram Leda Maria Martins, intelectual das performances negras e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A revista divulga pesquisas de âmbito nacional e internacional, com artigos do continente africano e de vários espaços do Brasil.

“É um número que fala muito sobre as nossas presenças, as estéticas negras, que os pesquisadores e os artistas trazem enquanto prática metodológica e poética artística. É muito bom poder demarcar isso dentro desse espaço, que é um lugar ainda muito excludente. Mesmo entrando por meio das políticas afirmativas no sistema de cotas, a gente reconhece que as universidades brasileiras e, especificamente, a USP têm ainda muita dificuldade com as políticas de permanência”, comenta Nascimento.

Elinaldo Pereira Nascimento - Foto: Diney Araujo/Arquivo pessoal

Representatividade negra

Os editores explicam que a escolha de um tema com foco nas práticas negras surgiu após uma crise editorial dentro da própria revista. Em 2022, a Revista Aspas foi criticada nas redes sociais por ter apenas editores brancos. 

O doutorando Petronílio conta que a “revista começa a se movimentar depois que a Aspas libera o seu número de editores e só tem pessoas brancas. As pessoas da graduação e da audiência começaram a comentar porque o tema era sobre descentralização nas artes cênicas. É uma coisa muito acrítica propor falar sobre descentralização e só ter pessoas brancas. Eles pararam a revista e não souberam lidar com esse questionamento”.

Quando entraram em 2023, Nascimento e Petronílio decidiram mudar a estrutura da revista. Sendo os primeiros cotistas na pós-graduação da ECA, eles entenderam que era preciso promover uma transformação e refletir sobre a ausência de pessoas negras no espaço acadêmico. 

“A gente fez essa transformação. A nossa presença já é disruptiva. Inicialmente, a gente foi chamado para solucionar um problema, mas a gente viu que não bastava só chegar e se posicionar em uma rede social. A gente precisava fazer alguma coisa maior em relação a isso, essa edição vem um pouco dessa demanda”, explica Nascimento.

João Petronílio - Foto: Arquivo pessoal

Imagem: da esquerda para a direita, uma mulher negra usando colares afros,; ao centro, outra mulher negra com cabelos curtos usando camiseta amarela; à direita, home branco de cabelos encaracolados e usando óculos

O novo volume da revista contou com a presença das editoras convidadas Amélia Conrado e Onisajé, além da participação de Valmir Santos - Fotos: José de Holanda e arquivo pessoal

Políticas afirmativas na pós-graduação

A USP adotou tardiamente as cotas raciais para ingresso na graduação, incluindo essa política apenas em 2018. Na pós-graduação de Artes Cênicas, as cotas raciais foram aderidas no processo seletivo de 2022 para ingresso em 2023, quando os dois estudantes entraram na ECA. Por conta dessa distância entre o estabelecimento de políticas afirmativas no nível da graduação e na pós-graduação, Petronílio enfatiza que a continuidade do ensino não era uma possibilidade para todos.

“Em 2018, a USP abre as cotas para a graduação, mas as pessoas não conseguiam se adequar, não se viam representadas fisicamente e simbolicamente na pós-graduação. É como se o programa de pós-graduação dissesse: ‘até a graduação, vocês podem ficar’. Não havia esse vínculo de continuidade.”

Isso se refletia no próprio corpo editorial da revista, composto apenas por pessoas brancas. A ausência de políticas públicas dificultava o aprofundamento no processo de formação de estudantes negros. Ao questionar essa estrutura, Nascimento afirma que a nova edição da revista discute como os currículos acadêmicos são baseados em padrões eurocêntricos dentro da arte. Para mudar essa narrativa, o periódico traz artigos com uma abordagem a partir de uma perspectiva negra, com autores majoritariamente pretos.

A publicação traz pesquisas sobre a estética e as práticas negras no teatro, na dança e no audiovisual. “Essa revista busca reunir esses artistas pesquisadores que pensam profundamente as práticas negras, que vem não só da universidade, mas também de outras matrizes de conhecimento, como os terreiros de candomblé, os quilombos, as escolas de samba e os grupos de movimento negro educador”, destaca Nascimento.

Revista Aspas é uma publicação com classificação A1 — classificação mais alta — no Qualis, lista de ranqueamento de periódicos feita pela Capes para avaliar programas de pós-graduação. A edição 13.1 já está disponível para leitura no portal de revistas da USP.

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
*Estagiário sob supervisão de Antonio Carlos Quinto


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